Todo o poder para a mulher no trabalho

Rosana Hessel e Hamilton Ferrari

2016/12/25

 

 

Cresce a presença feminina nas empresas, mas as profissionais ainda são minoria nos postos de comando e ganham menos. Eliminação das disparidades acrescentaria US$ 850 bilhões à economia brasileira nos próximos dez anos

 

Na Nova York de 1960 retratada pela série Mad Man, mulheres só conseguiam emprego como secretárias, mesmo em um dos setores mais dinâmicos da economia de então, o das agências de publicidade. É bom lembrar que, até aquela época, ainda havia um número significativo de países, mesmo no chamado Primeiro Mundo, onde elas não podiam sequer votar.
Meio século depois, muita coisa mudou. Mas ninguém deve se enganar: vários avanços estão por ser feitos. Espera-se que daqui a 50 anos se tenha chegado a uma situação de melhora que leve a sociedade a olhar o quadro atual como uma bizarrice. Diversas pesquisas mostram esse quadro de injustiças. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, os homens ganham 30% a mais que as mulheres de mesma idade e com o mesmo nível de instrução.
Em cargos executivos, a diferença salarial pode ultrapassar os 50% globalmente. Isso ocorre a despeito de elas terem maior escolaridade em muitos países, incluindo o Brasil. Estudo realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil demonstra que 52,2% delas têm diploma universitário nas empresas. No caso dos homens, a proporção é de 35,5%.
Embora, a cada ano, a situação global fique um pouco melhor, a velocidade da transformação ainda é muito pequena.  Para equiparar as condições econômicas de homens e mulheres, serão necessários 95 anos pelo ritmo atual. O estudo The Power of Parity, do McKinsey Global Institute (MGI), aponta que o fim da desigualdade poderia adicionar até US$ 28 trilhões nos próximos 10 anos ao Produto Interno Bruto (PIB) global. Apenas no Brasil, o aumento seria de US$ 850 bilhões. Pela ausência de políticas afirmativas, o Brasil está na 129ª posição no ranking de igualdade salarial entre gêneros, entre 144 nações.

Diferencial
Especialistas são unânimes ao afirmar que a diversidade dentro das empresas é um dos grandes diferenciais de competitividade, pois estão diretamente relacionadas à inovação. As empresas de tecnologia se destacam, pois sabem disso e têm grupos estruturados internamente focados na inclusão de etnias, de gênero ou de preferência sexual.
Nem tudo são flores. A área ainda é vista como um “clube do Bolinha”, com muito mais homens do que mulheres em cargos de destaque. Mas isso está mudando em várias das empresas que se destacam no setor, como Google e Microsoft (leia entrevista ao lado).
A Google tem a diversidade e a inclusão como valores fundamentais, seguindo à risca as palavras do presidente mundial da companhia, Sundar Pichai: “Uma mistura de vozes nos leva a melhores discussões, decisões e resultados para todos.” Para a empresa, é um valor ter equipes diversificadas em todo o mundo, com forte presença de mulheres, mas não só elas: negros, gays e deficientes físicos. Isso vale para os quadros profissionais em todo o mundo, inclusive no Brasil. Ainda que o foco seja amplo, as mulheres também acabam ganhando com isso.

Comitês
Dentro dessa filosofia, em 2014, a empresa introduziu a cultura de criar comitês internos focados na inclusão de funcionários como a turismóloga Suzi Arakaki, 32 anos, que é deficiente física. Ela perdeu os movimentos quando estava no último ano da faculdade após um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Mas não se abateu. Sem poder dirigir, os pais a levavam e a buscavam para que ela assistisse às aulas. Conseguiu se formar com sacrifício, se afastou do trabalho e fez reabilitação.
Depois, Suzi fez pós-graduação em comunicação e marketing. Trabalhou em várias empresas multinacionais e, há um ano e meio, após um extenso processo seletivo com quatro etapas, entrou na Google. Mais desenvolta e com um carro adaptado, se desloca pela cidade de São Paulo. “Levo uma hora e meia todos os dias até o trabalho. Ainda bem que tenho carro, porque andar de ônibus em São Paulo ainda é muito difícil para quem tem deficiência”, reclama.
Quando entrou na empresa, descobriu que haviam comitês em que o funcionário poderia se dedicar a outro assunto que não fosse o do trabalho. Acabou sendo líder de um deles. “Escolhi participar pelo que eu gosto. Não precisaria ter uma deficiência para isso”, afirma Suzi. Ela lidera o grupo voltado para acessibilidade no clima organizacional. Conta que, no ano passado, fizeram uma experiência de diálogo no escuro para que os googlers — como os funcionários da Google são chamados — pensassem em soluções para as pessoas com necessidades especiais.
s trabalhos dos grupos que se formam espontaneamente na Google também resultaram em produtos da empresa como Voice Access, ferramenta que permite até o envio de imagens por comando de voz pelo Hangout. É o que mostra o link do vídeo no You Tube https://www.youtube. com/watchv?=apEz73_H2fU.

* Estagiário sob a supervisão de Paulo Silva Pinto

Conquista recente
Na Suíça, um dos países com maior renda per capita e índice de desenvolvimento humanos (IDH) do mundo, somente em 1971 as mulheres conquistaram o direito de escolher representante políticos. O Brasil tem o voto feminino desde 1932. E foi resulado de muito esforço. Uma das pessoas que se destacou nessa campanha foi a jornalista Dionísia Gonçalves Pinto, do Rio Grande do Norte. Ela assinava os textos pelo pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta.


 

 

Correio braziliense, n. 19571, 25/12/2016. Economia, p. 7.