Correio braziliense, n. 19573, 27/12/2016. Economia, p. 7

Impasse carregam incerteza para a bolsa

Mercado se valorizou 35,2% até agora em 2016 com as mudanças na política. Mas, para analistas, o quadro de instabilidade no poder em meio à Lava-Jato impede apostas mais firmes na continuidade da alta das ações

Por: ROSANA HESSEL

 

As mudanças políticas deste ano fizeram com que a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) quebrasse o jejum. Fechará no azul pela primeira vez em quatro anos. O principal índice da bolsa paulista, o Ibovespa, rompeu a barreira dos 60 mil pontos durante o ano. Ontem estava em 58.620, acumulando alta de 35,2% em 2016.

Não houve investimento melhor em 2016. A bolsa ganhou do CDI (referência das aplicações bancárias em juros), que subiu 13,2% no ano. Mas analistas são categóricos ao apostar que, em 2017, esse clima positivo não se repetirá, devido, explicam, à crescente decepção com o governo e com a demora para a retomada do crescimento. Essa desconfiança bateu na bolsa, que voltou a cair no segundo semestre, um sinal claro de que a retomada rumo ao recorde de 73.516 pontos de 20 de maio de 2008 segue distante.

“A lua de mel acabou. Houve um excesso de otimismo no início”, comenta a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, que não embarcou na onda pós-impeachment de Dilma Rousseff e fez previsões mais realistas, que se concretizaram ao longo do segundo semestre de 2016. Ela critica, pela superficialidade, o pacote de 10 medidas para o crescimento anunciadas pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na semana passada.

 

Risco

Alessandra considera pequenas as chances de avanços do governo Temer ao longo 2017 porque as denúncias na Operação Lava-Jato envolvendo políticos próximos a ele podem travar qualquer reforma daqui para frente. “Sou bem cética com essas medidas para o curtíssimo prazo. Não sei por que o mercado está tão tranquilo. As reformas que poderiam realmente destravar o país, como a tributária, não são nada triviais. A trabalhista vai depender do Congresso. Temer terá de escolher as batalhas e, pelas nossas simulações, ele gastará a maior parte do tempo com a Previdência, em que propõe regras duras”, explica.

O analista da XP Investimentos Marco Saravalle vê chances de alta no mercado de capitais em 2017. “Muitos ativos subiram mais de 100% no ano, mas acredito que ainda exista potencial para valorização no ano que vem, mais modesta do que a de 2017”, avalia.

A XP prevê 25% de valorização do Ibovespa no próximo ano. “Uma das recomendações que temos feito é a mudança de portfólio, incluindo empresas ligadas ao mercado externo, que podem ser bem avaliadas e apresentar valorização se houver aumento na aversão ao risco”, explica. “Continuamos otimistas, mas um pouco mais cautelosos”, emenda.

Saravalle concorda com Alessandra e outros analistas quanto ao principal risco para a bolsa: a crise política. “Isso está contaminando as expectativas em relação ao ambiente econômico e atrasando as reformas. Se o processo for demorado ou sofrer muitas modificações, o investimento não vai ocorrer”, afirma.

O investidor pessoa física ainda não voltou em peso para a bolsa, traumatizado com as perdas até 2015. O espaço foi ocupado pelos estrangeiros, que respondem por mais de 50% do total de investidores da BM&FBovespa. “Eles estão dominando a bolsa porque confiam em ganhos fortes no futuro. Sem contar que a bolsa ficou muito barata nos últimos anos. Eles aproveitaram, e, agora, estão realizando lucro, vendendo parte das ações”, destaca o economista Alexandre Cabral, sócio da consultoria NeoValue.

Alguns papéis tiveram alta considerável, beirando 200% de valorização no ano até ontem, caso da Bradespar (188,9%) e da Gerdau (176,23%). “A promessa de um pacote de investimento em infraestrutura, caso se concretize, pode ser um alento para o setor de construção, que vem amargando perdas na bolsa. Atualmente, segmentos sensíveis à renda estão com expectativa positiva e, por isso, registraram alta. Papéis que dificilmente perdem, mesmo no meio da crise, são os dos bancos”, avisa. “Precisamos aguardar a eficácia das medidas econômicas que o governo pretende adotar no próximo ano para ver aonde vai o mercado”, completa.

Na avaliação do economista-chefe da Lopes Filhos & Associados, Julio Hegedus, a bolsa teve um comportamento bom em 2016, mas a manutenção desse desempenho dependerá de o governo conseguir resultados daqui para frente. “As reformas precisam ter andamento no Congresso. E são necessárias novas medidas para destravar a economia. O governo ficou meio perdido com as crises políticas e precisa encontrar um eixo para seguir em frente. Isso será bom para a bolsa”, destaca.

 

Juro deve ajudar

A queda da inflação e o arrefecimento da política monetária tendem a favorecer os preços das ações no próximo ano. “A queda dos juros poderá ser um fator importante para a bolsa, pois quem está aplicando em renda fixa buscará mais risco para ter rendimentos maiores”, afirma o economista-chefe da Lopes Filhos & Associados, Julio Hegedus. Apesar de os mais otimistas terem se frustrado ao apostar que o Ibovespa chegaria a 70 mil pontos neste ano, a previsão tem boas chances em 2017, nota Hegedus, se não houver uma crise política aguada. “Nossa expectativa é que 2017 continue sendo um ano positivo para a bolsa”.