O Estado de São Paulo, n. 44975, 06/12/2016. Política, p. A10

Ministro do TCU e Maia são alvo da Lava Jato

 

Mateus Coutinho

 

A Polícia Federal (PF) e a Procuradoria- Geral da República, em nova fase da Lava Jato, cumpriram ontem mandados de busca e apreensão nas residências do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Vital do Rêgo e do deputado Marco Maia (PT-RS).

A operação foi autorizada pelo ministro Teori Zavascki, relator dos processos da operação no Supremo Tribunal Federal, e tem origem na investigação sobre suposto recebimento de propina das duas autoridades para blindar empreiteiros na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista da Petrobrás, de 2014. É a primeira vez que a PF vasculha imóvel de um ministro da corte de contas.

A operação foi batizada de Deflexão, em referência ao verbo defletir, que significa provocar mudança no posicionamento normal de algo. Vital, na época senador pelo PMDB, e Maia eram, respectivamente, presidente e relator do colegiado.

No pedido de abertura de inquérito, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que os fatos narrados em delação premiada pelo senador cassado Delcídio Amaral (sem partido- MS) indicam crimes de concussão ou corrupção passiva, o que está sob apuração.

Em nota, a PF informou que “os executivos afirmam ter repassado valores superiores a R$ 5 milhões para evitar retaliações e contribuir para campanhas eleitorais” de políticos que integravam a CPI mista, entre eles Vital e Maia.

Delcídio acusou Maia e Vital de cobrarem “pedágio” de empreiteiros alvos da Lava Jato em troca de proteção na CPMI. Naquele ano, foram realizadas duas comissões para investigar as suspeitas de irregularidades na estatal que vieram à tona com a Lava Jato, uma no Senado e uma mista, com a participação de deputados e senadores.

A do Senado terminou sem votar um relatório final e a mista concluiu por pedir o indiciamento de 52 pessoas. Nenhuma delas, porém, chamou os executivos das grandes empreiteiras para depor.

 

OAS. Além de Delcídio, o expresidente da construtora OAS Léo Pinheiro relatou a pressão de Maia e Vital. Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, em setembro, Pinheiro disse que Maia o procurou, em 2014, para tratar do assunto. “Ele teve uma conversa comigo, que podia ajudar porque o relatório é fruto de todo um trabalho investigativo feito durante o período (da CPI) e o relatório final que é votado. Então, ele teria condições de ajudar no sentido de proteger nossa empresa”, relatou.

“Queria lhe solicitar, em troca de lhe ajudar quando estiver fazendo o relatório final da CPI, uma contribuição de R$ 1 milhão”, teria dito o deputado, segundo o empreiteiro.

Além disso, a defesa de Pinheiro entregou à Justiça, em outubro, notas fiscais e comprovantes de transferências da empreiteira para uma construtora no interior da Paraíba que, segundo Pinheiro, foram utilizadas para lavar R$ 1,5 milhão do caixa 2 para a campanha de Vital ao governo do Estado em 2014. Ele foi derrotado naquele ano e acabou deixando o Senado para ir para o TCU. Atualmente, embora investigado num caso que envolve empreiteiros do esquema Petrobrás, ele é relator dos processos relacionados à estatal no tribunal.

Auditores da corte pediram o afastamento do ministro, mas ele não se declarou impedido ou suspeito.

 

PARA LEMBRAR

3º ex-presidente da Câmara

O deputado Marco Maia (PT-RS) é o terceiro ex-presidente da Câmara a ter a residência vasculhada na Operação Lava Jato. O ex-ministro Henrique Eduardo Alves (PMDBRN) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso em Curitiba, também foram alvo de mandados de busca e apreensão. Policiais federais na nova fase da operação cumpriram mandado em endereços do petista e do ex-senador e ministro do Tribunal de Constas da União Vital do Rêgo (PMDB). A PF esteve na casa de Maia num condomínio em Canoas (RS). O deputado não estava. Enquanto ocupou a presidência da Câmara, Cunha foi alvo de pelo menos dois mandados de busca apreensão. A operação de dezembro do ano passado, batizada de Catilinárias, também teve como alvo Henrique Eduardo Alves. Na ocasião, a PF cumpriu mandado de busca e apreensão no apartamento do ex-ministro, em Natal

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Operação investiga esquema de propinas em CPIs

 
Mateus Coutinho
Julia Affonso
Fausto Macedo
Gabriela Lara

 

Embora não tenha sido o foco inicial da Operação Lava Jato, as suspeitas sobre pagamento de propina relacionada à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás já renderam ao menos quatro frentes de investigação.

Destas, duas já viraram ações penais em primeira instância – em uma delas, inclusive, o ex-senador Gim Argello (PTB-DF) foi condenado a 19 anos de prisão –, uma virou denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o deputado Eduardo da Fonte (PP), que aguarda análise do Supremo Tribunal Federal (STF), e a última está em fase de inquérito que investiga o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Vital do Rêgo e o deputado federal Marco Maia (PT-RS).

O senador cassado Delcídio Amaral (sem partido-MS), cuja delação embasou a operação de ontem, afirmou em entrevista à Rádio Gaúcha que existem Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que são criadas para “achacar” empresários e empresas. “Existem CPIs que são feitas para achacar as pessoas.

Então fica aquela ameaça de convoca, não convoca (para depor). Um empresário, por exemplo, quando senta numa mesa de uma CPI para prestar depoimento, isso para a empresa é corrosivo, traz uma série de problemas para a imagem (da companhia)”, disse Delcídio.

De acordo com o senador cassado, o ato de criar uma CPI com um propósito alheio à intenção de investigar irregularidades é frequente. “Não estou generalizando, mas muitas CPIs são feitas para achacar empresários, achacar empresas. Esse tipo de coisa não está acontecendo (somente) agora. É histórico”, disse.

A Lava Jato revelou ainda que, antes mesmo das CPIs instauradas em 2014 para investigar a Petrobrás, parlamentares teriam atuado para evitar que as suspeitas sobre estatal fossem investigadas pelo Congresso.

A partir de delações, e até de um vídeo que mostra a reunião de políticos com empresários, as investigações apontam que, em 2009, o então presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra – morto em 2014 – pediu a empreiteiros propina de R$ 10 milhões para que a CPI que investigava a Petrobrás na época não tivesse um resultado efetivo.

O procurador-geral da República Rodrigo Janot denunciou o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE) por corrupção passiva neste caso.

 

Condenado. Único sentenciado até agora nos casos, Argello foi vice-presidente da CPI da Petrobrás, de 2014, e está preso preventivamente desde abril. Em outubro o juiz Sérgio Moro o considerou culpado pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e obstrução à investigação de organização criminosa envolvendo a cobrança de propina a empreiteiros para que eles fossem protegidos na CPI, que não convocou empresário das grandes construtoras para depor. / M.C., JULIA AFFONSO, FAUSTO MACEDO e GABRIELA LARA


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A lista de compras de Danielle a ‘dad’

 
Julia Affonso
Mateus Coutinho
Fausto Macedo

 

“Oi Dad, mesmo eu indo viajar, infelizmente não tenho cacife para comprar tudo que eu gostaria. Fiz uma listinha do que eu gostaria que você trouxesse...”. Assim começa a mensagem de Danielle Dytz da Cunha para o ‘dad’, o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O e-mail, enviado em fevereiro de 2009, foi interceptado pela força-tarefa da Operação Lava Jato, que obteve a quebra de sigilo das mensagens do ex-presidente da Câmara, acusado de receber propina relacionada a um contrato da Petrobrás na África.

Danielle, sua filha, é investigada pela posse de um cartão de crédito internacional associado à offshore Köpek, não declarada às autoridades brasileiras.

Segundo a Lava Jato, a offshore recebeu recursos da propina que era destinada ao deputado cassado.

Na lista, Danielle pede itens de luxo, como uma bolsa da marca espanhola Balenciaga (“igual a que eu tenho só que em preto”), avaliada em mais de R$ 6 mil, e um casaco modelo Trench Coat, da Burberry, icônica grifê britânica. A peça é avaliada em mais de R$ 7 mil.

Também constam na “wish list” de Danielle um “creme Clean and Clear – A About Eyes” – na verdade, a marca que vende este produto é a Clinique –, com preço estimado em R$ 368, “óculos Rayban Wayfarer cor preta” (R$ 520), sapatilha da marca Tory Burch (um tamanho acima do que a Claudia calça preta) – R$ 605 –, e um Wii Fit, vídeo game que permite fazer exercícios jogando.

“Se forem ao outlet gostaria de camisas pólo da Ralph Lauren para trabalhar...tanto faz a cor...no caso eu digo as que eu já tenho”, complementa a filha de Cunha.

No dia seguinte, a publicitária manda outro e-mail ao pai e pede um acessório para o carro “já que aquele problema no meu carro estragou o antigo.” Após a divulgação do email, a frase “dad, infelizmente não tenho cacife” virou meme nas redes sociais.

Além de Cunha e a filha, a mulher do deputado cassado e madrasta de Danielle, a jornalista Cláudia Cruz, é ré na Lava Jato acusada de lavagem e evasão de US$ 1 milhão na conta Köpek. Cunha nega recebimento de vantagem indevida.

Em seu interrogatório, Cláudia declarou que “desconhecia a existência de conta no exterior em seu nome” e que “nunca teve motivos” para desconfiar do marido. / J.A., M.C., F.M. e RICARDO BRANDT