Racismo mantém o atraso

Vera Batista

25/12/2016

 

 

Metade da força de trabalho, os negros ainda têm participação ínfima em cargos de maior responsabilidade nas empresas brasileiras. E, na maioria das companhias, faltam ações para ampliar a presença desse grupo nos quadros de executivos

 

Uma equipe de trabalho diversificada é essencial para qualquer empresa. Pesquisas apontam que pessoas diferentes, que entendem os gostos e preferências dos vários grupos na sociedade, tornam qualquer companhia mais apta a atender as demandas globais. Aaron Myers, vice-presidente do International Network Operations & Canada, comprovou, no estudo “O valor da diversidade racial nas empresas”, que círculos homogêneos têm mais dificuldade de vender.
Na análise de Nelson Savioli, diretor de Recursos Humanos da Unilever, “uma equipe só de homens, jovens, brancos, frequentadores das mesmas universidades, nas mesmas cidades, pode fazer bons produtos, mas uma equipe múltipla faz produtos excelentes e com menor custo, porque carrega muito mais informação”. Apesar das evidências, nesse aspecto, o Brasil ainda está muito atrasado.
O estudo “Perfil social, racial e de gêneros das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas”, do Instituto Ethos, feito com a cooperação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), constata que a feição ideal de funcionário, embora o favoritismo não seja declarado abertamente, é o homem branco, em idade adulta, cisgênero, aparentemente heterossexual e sem deficiência visível. A maioria das empresas que mantêm iniciativas em favor da diversidade racial é subsidiária de companhia estrangeira, como Carrefour, Bayer, Coca-Cola e Microsoft. Em grande parte, elas assumiram o compromisso porque a matriz exigiu a criação de programas desse tipo.
Os dados confirmam que, principalmente em cargos de destaque, os negros estão em minoria, embora sejam 52,9% da população economicamente ativa e 51,9% da população ocupada. Entre as 500 maiores empresas do Brasil, 88% não têm política de igualdade de oportunidades entre negros e brancos e 85,5% não adotam medidas para incentivar e ampliar a presença de negros no quadro executivo. Os negros são 34,4% de todo o quadro de pessoal, mas, à medida que o nível de importância e responsabilidade profissional avança, eles se deparam com um processo de afunilamento hierárquico: são a maioria dos aprendizes e trainees (57,5% e 58,2%), mas apenas 6,3% dos ocupantes de cargos de gerência e 4,7% do quadro executivo. Sobre a reduzida presença de negros, 48,3% dos gestores acham que falta a eles qualificação profissional, 10,3% consideram que há falta de interesse deles por cargos e 41,4% apontam desconhecimento ou inexperiência da empresa para lidar com o assunto.
Para as mulheres negras, o quadro é ainda pior. Elas são 10,6% de todos os empregados — 8,2% da supervisão, 1,6% da gerência e apenas 0,4% do quadro executivo, nos cálculos do Instituto Ethos. Essa situação que não incentiva a diversidade é mais uma trava, entre tantas outras, ao crescimento. O estudo The Power of Parity, do McKinsey Global Institute (MGI), aponta que o fim da desigualdade poderia adicionar até US$ 28 trilhões nos próximos 10 anos ao Produto Interno Bruto (PIB) global. Apenas no Brasil, o aumento seria de US$ 850 bilhões.

Compromisso
Uma das providências preliminares para corrigir o problema é reconhecer a efetiva dificuldade para a inclusão qualificada de negras e negros no mercado de trabalho, diz o economista Hélio Santos, da Universidade Estadual da Bahia (Uneb) e presidente do Conselho do Fundo Baobá para Equidade Racial. Ele explica que a discriminação racial aponta em duas direções: a ocupacional, quando se questiona a capacidade do negro, e a da imagem, no caso em que ele é excluído do perfil idealizado pela empresa. “O conceito contemporâneo de desenvolvimento deve pontuar quais são os beneficiários do crescimento econômico e não pode perder de vista o custo de oportunidade que se paga por desperdiçar talentos”, afirma Santos.
Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, salienta que a sociedade global tem um grande desafio. “A igualdade está relacionada à erradicação da pobreza, uma meta da Organização das Nações Unidas (ONU). O Brasil, em conjunto com 190 países, se comprometeu a eliminar a pobreza até 2030. As empresas geram dois terços da riqueza mundial. Por isso, têm que se envolver nesse compromisso. Está na mão delas decidir os caminhos da diversidade”, frisa. Ao contrário do que pensa a maioria, crises econômicas são preciosas oportunidades para construir um futuro sustentável. “A hora de apertar o cinto é também o momento de investir em políticas sociais para que o Brasil tenha mão de obra qualificada e valorizada para enfrentar a concorrência no mercado mundial”, diz Abrahão.
O educador Reinaldo Bulgarelli, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) e sócio-diretor da Taxai Consultoria e Educação, há 15 anos, apoia iniciativas empresariais pela igualdade racial e direitos LGBT em companhias como Bayer, Coca-Cola, PwC, Microsoft, entre outras. Bulgarelli criou a “Rede empresarial pela inclusão social” para ensinar a cúpula de grandes organizações a se proteger do ranço da própria discriminação, às vezes inconsciente, e evitar estereótipos. “As empresas começaram a perceber que, para que o negócio tenha sucesso nas periferias é preciso conhecer a experiência de quem pega trem, se veste diferente e tem outros hábitos de consumo”, explica.
Por muito tempo no Brasil, diz ele, ricos sequer sabiam sobre, e até se orgulhavam de ignorar, as privações dos pobres. Era normal mantê-los a uma distância segura e ter sempre à mão uma massa de desvalidos para suprir as necessidades básicas. “Em parte, isso explica por que não tivemos leis de apartheid no país. A vida já é apartada. Mas, hoje, o mundo depende da criatividade e do consumo de todos. E se o jovem pobre é menos escolarizado, não significa que vai passar a vida toda assim”, destaca Bulgarelli.
As empresas começaram a perceber que, para que o negócio tenha sucesso nas periferias é preciso conhecer a experiência de quem pega trem, se veste diferente e tem outros hábitos de consumo”
Reinaldo Bulgarelli,professor da FGV-SP

 

 

Correio braziliense, n. 19571, 25/12/2016. Economia, p. 8.