Fantasma nuclear

Rodrigo Carvalho

23/12/2016

 


Os russos possuem pelo menos 7.300 ogivas nucleares, das quais 1.643 estão acondicionadas em 528 mísseis balísticos intercontinentais, em projéteis lançados por submarinos e em bombardeiros. Os norte-americanos, por sua vez, detêm 7.100 — 4.571 armazenadas e 1.367 prontas para o uso. Os dois países somam 14.400 armas atômicas, mais do que suficientes para produzir uma hecatombe mundial. Os riscos parecem não incomodar as duas nações, que começam a ensaiar uma nova corrida nuclear. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, defendeu ontem o reforço do arsenal. “É necessário reforçar a capacidade militar das forças nucleares estratégicas, sobretudo com a ajuda de sistemas de mísseis capazes de atravessar escudos de defesa antimísseis existentes ou futuros”, declarou, durante reunião com comandantes do exército russo. Poucas horas depois, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, publicou em sua página no Twitter: “Os Estados Unidos devem fortalecer e expandir enormemente sua capacidade nuclear até que o mundo caia em si em relação às armas nucleares”, escreveu.

Diretor executivo da Associação de Controle de Armas, o norte-americano Daryl Kimball alertou sobre o perigo de nova corrida nuclear. “Se Trump pretende expandir a capacidade de seu arsenal, isso constituiria em um abandono radical da política de Washington e aceleraria, além de piorar, a competição nuclear global, além do risco de uma guerra”, afirmou ao Correio Brasiliense/Diario, por e-mail. “Em vez disso, Trump deveria se engajar com Putin para reduzir o excesso de armas nucleares e para diminuir o enorme custo desses armamentos, trazendo o mundo mais próximo da paz e da segurança.”

O comentário de Trump na rede social sinaliza uma ruptura em relação à retórica do presidente Barack Obama — em um famoso discurso proferido em Praga, sete anos atrás, o democrata instou o mundo a eliminar os arsenais. Durante a campanha eleitoral, Trump chegou a confessar o temor de que um “maníaco” ou “algum louco” obtenha uma arma nuclear. “O maior problema que nós temos hoje é nuclear”, ressaltou, na ocasião.

Para Kymball, não ficou claro o que Trump pretendia dizer ao sugerir o fortalecimento e a expansão da capacidade nuclear. O especialista lembra que, nas últimas décadas, os EUA têm se engajado na política de não buscar novos tipos de ogivas ou de capacidades nucleares. “Certamente, não há necessidade em ‘expandir’ o número de armas nucleares”, disse. Ele explicou que a Rússia implementou a modernização da força nuclear, que remonta à Guerra Fria, e isso inclui o potencial de penetrar os interceptores de mísseis norte-americanos. “Infelizmente, Putin citou preocupações do Kremlin sobre esses interceptores como um motivo para recusar a proposta de Obama, feita em 2013, de negociar a redução adicional de um terço nos arsenais nucleares estratégicos de ambos os lados. Agora, cabe ao governo Trump reatar com a Rússia, abordar os incômodos de Moscou em relação à expansão da capacidade do escudo antimísseis dos EUA e explorar a redução dos estoques nucleares ofensivos.”
 
 
 
Correio braziliense, n. 19569, 23/12/2016. Mundo, p. 12.