O Estado de São Paulo, n. 44970, 01/12/2016. Política, p. A7

Câmara investiu contra relator

 
Daiene Cardoso

 

A desfiguração do pacote das medidas de combate à corrupção já era esperada pelos parlamentares desde sua aprovação na comissão especial há uma semana. Irritados com a condução do relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS), os líderes reclamaram que o parecer não foi combinado com os deputados e o Ministério Público Federal (MPF) foi priorizado nas negociações em torno do texto, deixando as conversas com a Câmara de lado.

No dia seguinte à aprovação unânime na comissão, parlamentares tentaram tirar Lorenzoni da relatoria do projeto. Criticavam as idas e vindas no relatório, como por exemplo a inclusão e retirada do texto do crime de responsabilidade para magistrados e membros do Ministério Público.

A manobra de substituição não foi aceita por alguns partidos e Lorenzoni foi mantido, mas todos já sabiam que só haveria dois caminhos para votação do pacote: derrubar em plenário todo o parecer e votar uma emenda aglutinativa global (o que obrigaria a troca de relator) ou produzir emendas em separado que desconfigurassem tudo o que foi produzido pela comissão especial.

 

Hostilidade. O que se viu no plenário na madrugada de ontem foi um festival de hostilidades ao relator, que ficou praticamente isolado. Em diversas situações, foi vaiado pelos pares.

“O que ele mais quer nessa noite é a vaia, para ele ficar como bonzinho e todo mundo ficar como ruim. Estamos consertando, na verdade, a demagogia dele”, provocou o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE), que chegou a apontar “desonestidade intelectual” no item do pacote que previa a “ação de extinção de domínio”.

Lorenzoni passou pelo constrangimento de ouvir no plenário uma gravação da época dos debates na comissão especial onde defendia a criminalização para juízes e promotores.

O ambiente estava tão desfavorável ao relator que até o PSOL conseguiu emplacar um destaque que pedia a retirada do item sobre “acordo de culpa”.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cumprimentou a bancada pelo feito incomum na Câmara.

Sem a chance de aprovar qualquer emenda que significasse anistia ao caixa 2 de campanhas eleitorais, os deputados elegeram a emenda sobre abuso de autoridade o principal ponto do pacote. O item foi um dos mais defendidos no plenário. “Assim como o MP faz com vários deputados que já foram eleitos, faz com a categoria da Polícia, que sempre sofre na mão do Ministério Público”, discursou Laerte Bessa (PR-DF).

Os líderes acusam Lorenzoni de ter se equivocado na condução do projeto na Câmara e de ter criado “barbaridades jurídicas”. “O pessoal queria dar uma resposta ao relator”, definiu um líder.

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‘Fizeram um picadinho do projeto’

 
Isadora Peron
Igor Gadelha
 

O relator na Câmara dos Deputados do projeto de medidas de combate à corrupção, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), afirmou ontem que parlamentares fizeram um “picadinho” do pacote durante a votação da matéria no plenário da Casa na madrugada.

O parlamentar disse ainda não ter muita esperança de que o Senado vá reverter as alterações feitas pelos deputados e que flexibilizaram o texto.

“Fizeram um picadinho.

Não tem mais dez medidas, acabou. O eixo do projeto era conjunto de medidas que dessem instrumento para que o Brasil pudesse fazer o combate à impunidade e à corrupção.

Acabou, não tem mais isso”, afirmou. “E, de quebra, ainda arranjaram um instrumento para ameaçar investigadores e juízes”, disse, em referência à emenda aprovada que instituiu crime de abuso de autoridade para juízes e membros do Ministério Público.

Para Lorenzoni, os deputados fizeram as mudanças como retaliação à Operação Lava Jato. “Foi claro o exercício de vingança ao MP e aos juízes federais, derivado do ódio que existe aqui contra o doutor Sérgio Moro (juiz federal que comanda a Lava Jato na primeira instância)”, disse. “Não tenho muita esperança no Senado. A não ser que a tramitação se dê após 1.º de fevereiro (quando Renan Calheiros deixa o comando da Casa)”, afirmou.

 

Crise. Na noite de ontem, Renan tentou votar o projeto das medidas contra a corrupção ainda ontem em regime de urgência. Lorenzoni afirmou que a medida poderia gerar “uma crise institucional”. “Pode ser aberto uma crise institucional entre Poderes no Brasil, e o Brasil não precisa disso”, afirmou.

“É só um alerta importante, neste momento eu espero que o Senado tenha o bom senso de dar tempo ao tempo para a recuperar o espírito das dez medidas”, disse.