Os presentes que os brasileiros merecem

Julia Chaib e Maiza Santos

24/12/2016

 

 

Série de reportagens aponta sugestões que a classe política pode fazer para melhorar áreas fundamentais para a população. Na saúde e no meio ambiente, especialistas sinalizam que governo deve priorizar o financiamento e minimizar os conflitos

 

Em meio à maior crise econômica das últimas décadas, os brasileiros sonham com um 2017 melhor. Hoje, véspera de Natal, o Correio dá início a uma série de reportagens para mostrar como os políticos podem oferecer melhorias em áreas importantes para o desenvolvimento do país, nas esferas federal, estadual e municipal. As primeiras delas são saúde e meio ambiente, setores muitas vezes negligenciado, mas fundamentais para o dia a dia da população. Sob ameaça constante das epidemias provocadas pelo mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão de dengue, chicungunha e zika, a saúde esteve no centro de discussões importantes nos últimos 12 meses. Especialistas, no entanto, alertam que há muito pouco o que se comemorar. Um dos avanços apontados é o incremento nas pesquisas sobre as doenças transmitidas pelo mosquito. Mas o principal problema enfrentado pela área é unânime: a falta de orçamento adequado.
No meio ambiente, o ano foi marcado pela crise hídrica, aumento do desmatamento, conflitos relacionados a questões indígenas e tentativas de modificações no licenciamento ambiental. Sem solução, deverão se manter na agenda em 2017. A questão da água é um tema que desperta cada vez mais preocupação. O Brasil é a maior potência hídrica do mundo, possui 12% das águas doces superficiais do planeta, sendo que 80% se concentra na bacia Amazônica, de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA). O país tem quase duas vezes mais água que a Rússia, cerca de quatro vezes mais água que Canadá, Indonésia, China, Colômbia e Estados Unidos. No entanto, sofre com a escassez do recurso em diferentes estados.
Para o professor de agronomia da Universidade de Brasília (UnB), Henrique Marinho Leite Chaves, a crise decorre do uso excessivo e da má gestão da água. “A Organização Mundial da Saúde diz que uma pessoa poderia viver com 110 litros de água por dia. Em São Paulo e no Distrito Federal, o consumo é muito superior. O caso do Nordeste é diferente, falta água, nem esses 110 litros se tem”, afirma.
Segundo Marinho, faltam iniciativas mais incisivas do governo para trazer um alívio real. “A transposição do São Francisco, que poderia dar alívio, não foi concluída, falta água para esses 15 milhões de pessoas. De maneira geral, por que demora 20 anos? Falta engajamento da sociedade na cogestão dos recursos, falta ir nos comitês de bacia e conselhos de recursos hídricos”, pondera.
O professor defende uma participação mais ativa da sociedade para propor soluções aos problemas. “A causa da crise ambiental, o desmatamento e destruição de nascentes, precisam de maior eco e ação na sociedade. Não está claro como deve ser feito além de fechar a torneira e essas coisas que todo leigo entende. Outro retorno importante é o planejamento territorial, todo mundo tem interesse em loteamento, mas o zoneamento ecológico ninguém fala, proteção dos cursos d’água e áreas de preservação”, analisa.
Para além da questão da água, o desmatamento é outro tema urgente, inclusive um dos fatores que contribuem na diminuição desse recurso vital. Márcio Santilli, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), alerta para a falta de políticas contra o desmatamento. “O desmatamento, entre agosto de 2015 e julho de 2016 deu um salto de quase 30%, essa constatação sinaliza uma tendência de alta, regressão negativa em relação ao período de 2006 a 2012, quando houve queda importante”, informa.
Para o doutor em ecologia do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) Paulo Moutinho, “o que falta realmente nesse governo e em outros é, definitivamente, assumir a questão ambiental como crucial à vida. Ao tratar do desmatamento, estamos tratando do regime hídrico, da economia na área do agronegócio. O governo precisa assumir isso e repassar ao Congresso”.

Zika
A saúde foi incluída em uma das medidas mais polêmicas adotada pelo governo de Michel Temer: a proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece o teto dos gastos públicos, promulgada na semana passada. A PEC estabelece um limite de crescimento do gasto atrelado à inflação do ano anterior pelas próximas duas décadas. Segundo estudo do Conselho Nacional de Saúde, se a medida estivesse em vigor entre 2003 e 2015, teria ocorrido uma perda acumulada de R$ 318 bilhões no setor. O governo afirma que os recursos poderão crescer mais, desde que remanejados de outras áreas. O argumento, porém, não é suficiente.
Professora de saúde coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Lígia Bahia afirma que “a restrição de recursos para a área que ocorrerá a partir de 2018, sob a vigência do novo regime fiscal, contraria a expectativa da população de melhoria”. O Orçamento aprovado pelo Congresso prevê mais recursos para a Saúde em 2017. Serão usados como base os 15% da Receita Líquida Corrente, prevista para começar em 2020, o que acarretará um aumento de R$ 105 bilhões para RS 115 bilhões no ano que vem. “Mas, depois, em 2018, começa-se o congelamento dos recursos por 20 anos”, explica José Noronha, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Lígia e Noronha concordam em relação a um único avanço na área no país em 2016. “O maior ganho foi a brilhante atuação dos pesquisadores brasileiros sobre zika e o maior fracasso, a preservação da baixa cobertura de saneamento”, disse Lígia. A Fundação Oswaldo Cruz conseguiu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para um teste de diagnóstico simultâneo de zika, dengue e chicungunha.
Em 2016, houve registros de 259.928 casos da infecção por chicungunha, com 138 mortes, e 1.475.940 de dengue, ambos com aumento no último mês, segundo balanço divulgado pelo Ministério da Saúde. A queda nas últimas semanas ocorreu apenas em relação à zika, que teve 210 mil casos prováveis.
Noronha aponta o maior fracasso o fim do movimento Saúde mais 10, que reuniu mais 2 milhões de assinaturas para um projeto de lei que previa 10% da receita corrente bruta para a saúde, o equivalente a 18% da receita líquida. “No fim do ano passado, tivemos uma primeira perda com o governo Dilma colocando uma emenda prevendo 15% da receita líquida crescente em cinco anos. Agora, em 13 dezembro, tivemos uma derrota muito maior com a aprovação da PEC”, afirma Noronha. 
Coordenador do Projeto Saúde Mais Amanhã, da Fiocruz, Noronha estima que, para acompanhar o envelhecimento da população, teria de haver um incremento de 37% de gastos e recursos para atenção à saúde. “No lugar disso, estou voltando para trás”, critica.
Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Federal de Campinas, Gastão Wagner é taxativo: “Não houve nenhum avanço em 2016. Foi um ano trágico para a saúde”. Wagner avalia que houve avanços em termos de pesquisas a respeito das doenças transmitidas pelo Aedes, mas que o enfrentamento “patinou”. “Houve uma paralisia do Ministério da Saúde neste ano, que apresentou uma série de propostas consideradas inadequadas ao SUS. Mas, de concreto, o que temos observado é o sistema subfinanciado”, afirma.
O presidente da Associação Médica Brasileira, Florentino Cardoso, acredita que um dos avanços de 2016 foi a abertura do diálogo entre o Ministério da Saúde e as entidades médicas. Ele avalia que a PEC dos gastos é necessária para o momento vivido pelo país  e pondera que houve aumento nos recursos para o ano que vem.
Cardoso critica, porém, a abertura de escolas de medicina sem a devida estruturação. E também afirma que é preciso travar um debate sério e definitivo sobre a atenção básica e carreiras de saúde. “Agora, por exemplo, as prefeituras que não vão mudar a gestão ou os que se reelegeram tudo bem, mas as que terão trocas estão demitindo médicos”, aponta.

* Estagiária sob supervisão de Leonardo Cavalcanti, editor de Política


"Todos os casos de gestão do SUS são cargos de provimento, de confiança, do prefeito, governador ou do ministro. Precisava criar critérios técnicos, fazer seleção interna”
Gastão Wagner, professor da Faculdade de Ciências Médicas 
da Universidade Federal de Campinas

 

 

Correio braziliense, n. 19570, 24/12/2016. Política, p. 2.