Por: Carla Araújo
Carla Araújo / BRASÍLIA
Diferentemente da postura adotada no domingo passado, quando convocou coletiva de imprensa para “mostrar a cara” e garantir à população que não permitiria avanço da anistia ao caixa 2, o presidente Michel Temer se recusou ontem a responder sobre a polêmica envolvendo o avanço do pacote anticorrupção.
Ele também não comentou a manobra do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de tentar acelerar a tramitação do projeto.
Ontem, após uma reunião para tratar de ações do Dia Nacional de Combate ao Mosquito Transmissor da Dengue, Zika e Chikungunya, em Brasília, o presidente rebateu a reportagem de forma irritada ao ser questionado.
“Eu estou falando de zika, por favor”, disse, deixando o local sem dar entrevista.
Desde que o pacote foi aprovado na madrugada de quartafeira na Câmara dos Deputados, a ordem do Planalto foi manter o assunto distante e “ganhar tempo”. A reação dos procuradores da Operação Lava Jato, que ameaçaram abandonar as investigações caso o presidente sancione o pacote, no entanto, trouxe preocupação de que uma possível crise institucional prejudique ainda mais o governo Temer.
Assessores do presidente reconhecem que há uma preocupação com a instabilidade que a “briga” dos procuradores com os parlamentares pode causar, mas ponderam que não há razões para que o Executivo interfira.
A manobra de Renan, ainda na quarta-feira, de tentar colocar urgência no projeto, segundo interlocutores do Planalto, pegou Temer de surpresa. Mesmo assim, no mesmo dia, o presidente decidiu “prestigiar” o Senado e compareceu ao jantar natalino dos parlamentares.
Auxiliares de Temer que defendem que o presidente não deve trazer o assunto para dentro do Planalto antes da hora argumentam que o projeto pode ser alterado no Senado.
Independência. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, fez um apelo ontem para que o Congresso não aprove medidas que “atentem contra a independência do Ministério Público e do Poder Judiciário”. Ele criticou a medida que prevê que um procurador possa ser punido em caso de perda de uma ação.
“Quando você é membro do Ministério Público, você instaura um inquérito com base em indícios. Mas, quando você ingressa com ação penal, a lei exige alguns requisitos. Durante o processo, isso pode não ser comprovado, e você não pode ser responsabilizado.” O ministro disse também que seria errado responsabilizar o juiz em caso de revisão de condenações.
“O juiz, ao proferir a sentença, condena certas pessoas. Caso o tribunal reveja, isso faz parte do sistema, mas obviamente não pode levar isso a uma responsabilização por parte do juiz”, afirmou.
“Seria um atentado contra a independência do Ministério Público, um atentado contra a independência do Judiciário e, consequentemente, inconstitucional”, disse. Após as críticas, Moraes afirmou não acreditar que o Congresso vá tipificar o chamado “crime de hermenêutica”. / COLABOROU ANDRÉ ÍTALO ROCHA
‘Atentado’
“Seria um atentado contra a independência do Ministério Público, um atentado contra a independência do Judiciário.”
Alexandre de Moraes
MINISTRO DA JUSTIÇA
PARA LEMBRAR
Algozes de Dilma em crise
Passado um ano da aceitação do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, os três principais protagonistas do processo vivem realidades nada confortáveis. A petista perdeu o cargo e atualmente vive isolada politicamente em Porto Alegre, enquanto seus principais algozes estão presos, no caso do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ou enfrentam grave crise política, como o presidente Michel Temer (PMDB).
Dilma teve o pedido de impeachment aceito por Cunha, então presidente da Câmara, em 2 de dezembro de 2015. Desde que aceitou o impeachment, ele viu sua força política minguar. Partidos que outrora lhe davam sustentação, como PSDB e DEM, o abandonaram. Sem apoio, ele tentou manobrar o quanto pôde para se livrar do processo de cassação no Conselho de Ética da Câmara. O máximo que conseguiu com isso, porém, foi ser afastado da presidência da Casa em maio. Sem foro privilegiado, foi preso preventivamente em 19 de outubro e enviado para Curitiba.
Principal beneficiário do impeachment, o presidente Michel Temer enfrentou a primeira crise quase duas semanas depois de assumir interinamente o governo, com a revelação de áudios de conversas do senador Romero Jucá (PMDB-RR), recém-empossado ministro do Planejamento, em que o peemedebista sugere um “pacto” para barrar a Lava Jato. Em 18 de novembro, Marcelo Calero deixou o Ministério da Cultura acusando o presidente de têlo pressionado para liberar um empreendimento imobiliário. A denúncia levou Temer a ser alvo de um pedido de impeachment da oposição e movimentos sociais. Temer também começou a ser pressionado pelos mesmos movimentos de rua que pediram a saída de Dilma. Agora, o governo vive sob a ameaça da delação da Odebrecht.