O Estado de São Paulo, n. 44970, 01/12/2016. Economia, p. B6

De novo a política

 

Cida Damasco

 

O governo Temer terá de acordar o investimento se quiser mostrar a que veio, nesses dois anos que lhe restam. Em outras palavras, para provar se está montando os pilares de uma “ponte para o futuro”, a palavra de ordem do programa econômico apresentado pelo PMDB, naqueles dias em que o partido começava a sonhar com a chegada ao Planalto como inquilino principal. Ou se vai se limitar a ser apenas uma frágil pinguela, como tem insistido o aliado Fernando Henrique Cardoso.

Os resultados do Produto Interno Bruto (PIB), divulgados na manhã de ontem, confirmam que a travessia está seriamente ameaçada. A queda do PIB aprofundou-se no terceiro trimestre e chegou a 0,8%, em relação a 0,4% nos três meses anteriores.

Na comparação com o mesmo período de 2015, a redução atingiu 2,9% e nos 12 meses encerrados em setembro, 4,4%. Pior: o investimento, que dita o ritmo da economia no futuro, depois de um leve respiro no segundo trimestre, com crescimento de apenas 0,5%, voltou a cair – desta vez, a redução foi de 3,1% sobre o trimestre anterior.

Com esse resultado, a queda do investimento sobre o terceiro trimestre do ano passado ficou em 8,4% e, nos 12 meses, em 13,5%.

No começo da noite, o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou uma redução de apenas 0,25 ponto porcentual na Selic, a taxa básica de juros. O que comprova que, mesmo sob impacto da recessão, o Banco Central optou pela cautela, principalmente em razão das incertezas quanto à conjuntura internacional alimentadas pela chegada ao poder de Donald Trump. Dois indicadores que expõem uma economia atravessando uma crise de extrema gravidade, e enfrentada com medidas que não só têm efeito limitado como também têm de ser administradas em doses reduzidas.

Com esses entraves, como acordar o investimento? Empresas endividadas, com resultados insuficientes até para cobrir a despesa de juros, certamente não estão por aí correndo atrás de investimentos.

Tanto assim que a nova lei de concessões teve de abrir uma brecha para que empresas que não estejam conseguindo cumprir seus contratos – leia-se sócios de empreiteiras enredadas na Lava Jato – possam devolver as concessões para que sejam relicitadas.

É preciso muita garantia e muito incentivo para despertar o chamado “espírito animal” dos empresários. E, nesse sentido, o cenário político, visto como um fator pró-crescimento logo após o impeachment, volta a preocupar.

O País foi dormir mergulhado na comoção provocada pela tragédia da Chapecoense e amanheceu ontem perplexo com a madrugada de votações no Congresso. Dominado por uma súbita onda de produtividade, os deputados aprovaram quase por unanimidade o texto básico do pacote anticorrupção, mas votaram uma série de emendas que, na prática, derrubam vários pontos da proposta, incluindo a possibilidade de coibir abusos de juízes e procuradores.

Por mais que a crise exija urgência na tomada de decisões, por mais que caiba de fato ao Congresso negociar e alterar propostas que estejam em votação e por mais que não haja medidas “imexíveis”, não há como ignorar que se desenrolou ali mais uma batalha da guerra entre Legislativo e Judiciário.

Com um enorme potencial de riscos para a estabilidade política do País.

Ironicamente, o pacote ficou mesmo sem a anistia ao caixa 2, o que pode servir como argumento para quem defende que foi honrado o compromisso assumido naquela entrevista conjunta concedida no último domingo pelo próprio Temer e pelos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Rodrigo Maia.

A aprovação da PEC do teto de gastos públicos em primeiro turno no Senado, também na noite de terça- feira, pela qual houve tanto empenho do Planalto nos últimos dias, acabou ficando em segundo plano.

Se havia dúvidas sobre a capacidade do governo de enfrentar a crise fiscal do País, elas se ampliaram. Há incertezas agora sobre a capacidade do governo de controlar a pressão que vem das ruas e de dentro de casa – ou seja, das suas próprias bases.

Nesse quadro, imagine-se então na pele de um investidor. O mais provável é que ele respire fundo e aguarde para ver onde tudo isso vai dar.


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'Crise passa pela dívida das famílias e empresas'

 

Carlos Kawall
Fernando Dantas
 
 

Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, diz que o PIB do terceiro trimestre confirma que o Brasil vive uma “recessão de balanço”. Para ele, o País não está numa crise só de confiança, mas também de fundamentos. “E o fundamento não é só o fiscal, mas também a questão do endividamento das empresas e famílias”, diz.

Como o senhor viu o PIB do terceiro trimestre, com queda de 0,8% ante o segundo trimestre?

Não deve mudar substancialmente a maneira como as pessoas estavam olhando a economia. Nossa previsão era de -0,9%. Veio ligeiramente melhor, com uma surpresa no dado de consumo das famílias, que foi um pouco menos negativo do que imaginávamos.

 

É um sinal positivo?

Não altera o quadro. O consumo continua caindo há sete trimestres. A formação bruta de capital fixo (FBCF, a taxa de investimentos), que depois de dez trimestres de queda teve uma pequena alta de 0,5% no segundo trimestre deste ano, voltou a ter queda muito expressiva de 3,1% no terceiro trimestre (na comparação dessazonalizada com o trimestre anterior). É um contexto ainda claro de queda do investimento como proporção do PIB.

 

O que estes números sinalizam para o desempenho da economia daqui para a frente?

Nossa projeção para o quarto trimestre é de -0,2%. Os números reforçam nossa projeção de queda do PIB em torno de 3,5% este ano. Os que acreditavam numa recuperação mais rápida, particularmente baseada no investimento, agora provavelmente vão rever para baixo suas previsões do PIB em 2017, se já não o fizeram.

 

Qual a sua previsão para 2017?

Nós, no Safra, estamos desde maio com uma projeção de 0,5% para 2017, por causa do nosso diagnóstico ligado à difícil situação financeira das empresas. Hoje, nossa projeção tem viés de baixa, projeções de modelos indicam que pode ser até pior. Não estamos numa crise só de confiança, mas também de fundamentos. E o fundamento não é só o fiscal, mas também a questão do endividamento das empresas e das famílias. Estamos vivendo o que os americanos chamam de “recessão de balanço”, que tem como característica uma saída mais lenta, como mostram os números de hoje. O otimismo sobre uma recuperação mais rápida tinha dois motivos: a melhora da confiança, parte necessária, mas não suficiente, da retomada; e o fato de que o nível de estoques vinha se ajustando à demanda, o que poderia levar à sua recomposição.

 

A confiança não bastou?

É evidente a importância das reformas. Mas a confiança não poderia gerar por si só uma retomada sem o saneamento dos balanços das empresas e das famílias, que estão em processo de desalavancagem, de tentar reduzir o endividamento por conta da queda nos lucros e na renda. Isto significa poupar mais e gastar e investir menos.

 

E em relação aos estoques?

Da mesma forma, não faz sentido recompor estoques, porque uma das maneiras de desalavancar e proteger o fluxo de caixa é exatamente ter o menor estoque possível