O Estado de São Paulo, n. 44980, 11/12/2016. Política, p. A4
Delação atinge candidatos no Congresso e a ministério
 
Erich Decat
Breno Pires
Lígia Formenti

 

As primeiras informações sobre a delação da Odebrecht movimentaram o mundo político. Enquanto no governo os relatos do ex-diretor de Relações Institucionais da empresa Cláudio Melo Filho causaram preocupação, no Congresso eles atingiram parlamentares que estão na disputa para cargos estratégicos dentro das duas Casas e até para o ingresso no núcleo duro do Palácio do Planalto.

Na lista do ex-executivo estão nomes como o do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que trabalha para a reeleição na Casa, e o do senador Eunício Oliveira (PMDBCE), cotado para suceder a Renan Calheiros (PMDB-AL).

Também foi citado o deputado Antonio Imbassahy (PSDBBA), indicado para substituir o ex-ministro Geddel Vieira Lima na Secretaria de Governo – com atribuições ampliadas.

Para adversários, a citação de Maia deverá reforçar as reações contrárias à sua intenção de se manter no posto após o mandato- tampão que vai até fevereiro de 2017. “Já era difícil apoiar quem participou do golpe; agora fica ainda mais”, disse o líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA). O partido tem a terceira maior bancada da Casa.

Maia foi alvo de protestos no domingo passado, quando foram realizadas manifestações em várias capitais do País. Na delação, Melo Filho afirma que na fase final da aprovação da Medida Provisória 613/13, que atendia a interesses da indústria química, o deputado do DEM alegou que ainda havia pendências da campanha a prefeito do Rio em 2012 e solicitou ao ex-executivo uma contribuição. O valor pago foi de cerca de R$ 100 mil.

Procurado, Maia não quis se pronunciar ontem.

A delação também atinge o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), que almeja a vaga de vice-presidente da Casa. Segundo Melo Filho, durante o trâmite da mesma MP, o peemedebista solicitou-lhe apoio financeiro para custear despesas de campanhas eleitorais. O ex-executivo afirma que o pagamento entre R$ 1 milhão e R$1,5 milhão foi feito em outubro de 2013.

Imbassahy, até então favorito para assumir a Secretaria de Governo, que integra o núcleo de decisão do Planalto, também é citado. O nome do deputado aparece em um dos anexos da delação, que o menciona como receptor de R$ 299,7 mil em doação eleitoral. Segundo Melo Filho, Imbassahy não pediu apoio financeiro, sendo “contemplado com o pagamento por ser político influente da Bahia”. Procurado pela reportagem, o deputado não respondeu até a conclusão desta edição.

Ainda em relação aos tucanos, o delator cita Jutahy Junior (BA), candidato à liderança da bancada. Conforme a delação, o deputado recebeu pagamento de R$ 350 mil não declarado em 2010. Jutahy afirma que, apesar de o valor ter sido oferecido como caixa 2, ele recusou e recebeu repasse menor, de R$ 50 mil ou R$ 150 mil oficiais.

Jutahy criticou os vazamentos e ressaltou que caberá a cada um dos citados se defender.

“Existe um vazamento ilegal e todas as pessoas têm o direito de se pronunciar nos autos, sabendo que é uma questão de direito das pessoas.”, afirmou.

 

‘Índio’. Outro citado na delação de Melo Filho é o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE). Até aqui ele é o único candidato a disputar a presidência da Casa em 2017. De acordo com o delator, o peemedebista, que aparece com o codinome “Índio”, recebeu cerca de R$ 2,1 milhões. Os pagamentos teriam sido realizados entre outubro de 2013 e janeiro de 2014.

Em nota, Eunício diz que nunca autorizou o uso de seu nome por terceiros e jamais recebeu recursos para a aprovação de projetos ou apresentação de emendas legislativas.

 

Votação. Líderes do governo nas duas Casas consideram que o episódio não vai contaminar as votações previstas para a última semana de atividades no Legislativo no ano. No Senado, está agendada para terça-feira a votação em segundo turno da PEC do Teto, que limita os gastos públicos. A proposta é a principal aposta do governo para tentar equilibrar as contas no próximo ano. “A programação da última semana do Senado já está feita. O calendário está absolutamente consolidado e não altera em nada o surgimento da delação, até porque (essas acusações) estão sujeitas a toda uma série de procedimentos”, afirmou o líder do governo no Senado, Aloysio Nunes (PSDB-SP).

Na Câmara, está prevista para amanhã a votação da Reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça. Além disso, haverá sessões no Congresso para discutir e votar vetos e o Orçamento da União de 2017. “A base está coesa”, disse o líder do governo na Casa, André Moura (PSC-SE).

O anexo de Melo Filho foi entregue durante as tratativas para o acordo de delação. Na atual fase, o ex-executivo se compromete a confirmar formalmente o que narrou e apresentar provas.

Após os depoimentos, a delação deverá ser encaminhada para ser homologada ou não pelo ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal. Somente após a homologação a colaboração poderá embasar procedimentos formais de investigação e eventuais processos.

 

Defesa

“Existe um vazamento ilegal e todas as pessoas têm o direito de se pronunciar nos autos, sabendo que é uma questão de direito das pessoas.”

Jutahy Junior

DEPUTADO (PSDB-BA)

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Planalto vê conteúdo de anexo com 'preocupação' e 'sem ingenuidade'

 

Carla Araújo

 

O Palácio do Planalto recebeu com “preocupação” e sem “ingenuidade” o conteúdo da delação do ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho, de acordo com interlocutores do presidente Michel Temer. A ordem do peemedebista, segundo eles, é evitar muitos comentários, reforçar que as colaborações precisam ser comprovadas e que o governo tem de “continuar trabalhando” pelo País.

Esses interlocutores, porém, afirmaram que “os efeitos disso (delações) precisam ser observados” e que a Lava Jato continua sendo um fato “imponderável”.

Para eles, o que foi tornado público até agora são informações que já tinham sido vazadas e que é preciso aguardar se há coerência em todos os depoimentos que ainda estão por vir, já que 77 executivos e ex-executivos da empreiteira firmaram acordo de delação premiada.

Por uma interpretação de um dispositivo da Constituição, o presidente da República não pode ser investigado por atos estranhos ao exercício da função durante a vigência do mandato.

Enquanto estiver no Planalto, o peemedebista só pode ser investigado se houver suspeita de crime em atividade relacionada às suas funções como presidente.

Melo Filho afirmou que Temer pediu R$ 10 milhões ao empreiteiro Marcelo Odebrecht em 2014. O Planalto negou a informação e, em nota divulgada anteontem, Temer repudiou “com veemência as falsas acusações do senhor Cláudio Melo Filho”.

“As doações feitas pela Odebrecht ao PMDB foram todas por transferência bancária e declaradas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Não houve caixa 2 nem entrega em dinheiro a pedido do presidente.” A delação de executivos e exexecutivos da Odebrecht é vista como um risco para Temer no processo que corre no TSE e investiga irregularidades na campanha presidencial de 2014. Há um temor no Planalto de que os colaboradores ligados à empreiteira levantem novas suspeitas sobre a origem das doações feitas à campanha, reforçando a acusação de que houve abuso de poder econômico.

 

Agenda. O foco do presidente nesta última semana de trabalho no Congresso será garantir a aprovação da PEC do Teto em segundo turno no Senado e o andamento da Reforma da Previdência na Câmara. Com isso, espera-se que Temer consiga emplacar uma agenda positiva para tirar o foco da crise. A equipe econômica do peemedebista – que tem sido alvo de críticas – também trabalha para lançar medidas de estímulo ao País.

A escolha do substituto de Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo), que chegou a ser acertada semana passada com o PSDB, pode ser adiada. Por enquanto, o próprio Temer tem cuidado da articulação política.