O Estado de São Paulo, n. 44980, 11/12/2016. Política, p. A6

Em modo provocação

 

Dora Kramer

 

Era visível o constrangimento de alguns ministros – em especial nos semblantes e nas vozes hesitantes de Cármen Lúcia e Rosa Weber – na sessão em que o Supremo Tribunal Federal considerou por 6 a 3 que Renan Calheiros não pode substituir eventualmente o presidente da República, mas pode presidir o Senado de forma permanente.

O meio-termo talvez não fosse a solução ideal no entendimento dos ministros, mas era a saída possível para conter naquele momento a escalada de provocações posta em prática pelo presidente do Senado. O STF fez mais que esfriar a crise: evitou cair no jogo de Calheiros, cujo objetivo é acirrar a crise ao ponto em que o impasse criado possa alimentar a ideia de que só uma solução negociada entre os Poderes pode levar o Brasil a retomar um ambiente de normalidade institucional.

Reside aí a ousadia em princípio surpreendente do presidente do Senado, que se vale do receio generalizado no Parlamento com o alcance da Lava Jato para convencer seus pares – senadores e deputados – de que só uma crise que transcenda tudo o que está posto nas investigações pode lhes abrir um possível portal para a salvação.

Saudade e emoções diferentes. Diante de caminhos abertos temos a opção de trilhá-los ou nos desviar deles. Em 42 anos de carreira, por diversas ocasiões tive a chance de fazer essas escolhas, das quais nunca me arrependi. Desafios são para ser enfrentados e cumpridos da melhor maneira possível.

O mais determinante e definitivo deles foi o de transitar da reportagem ao colunismo, o que não teria sido possível sem a autonomia assegurada pela forte convicção democrática de dois jornais: o Jornal do Brasil, onde essa trajetória se iniciou há duas décadas, e o Estado, casa que nos últimos 15 anos – desde agosto de 2001 – acolheu-me com respeito, carinho e deferência, atitudes às quais espero ter correspondido.

A reconhecida excelência do jornal (não só, mas também) nos quesitos opinião e interpretação fez-me hesitar quanto ao êxito dessa profícua trajetória da qual agora me despeço. Considerava que minha linguagem talvez não se adaptasse ao gosto daquele leitor de jornal cuja marca era a opinião contundente e austeridade no estilo. Doce e gratificante equívoco: nos demos muito bem. A insegurança inicial foi sendo substituída pela identificação.

Com a linha de pensamento do jornal e com o abrigo carinhoso dos leitores.

Não todos nem na totalidade dos casos.

Nessa divergência ocasional residem a graça e a motivação. Fui feliz nos últimos 15 anos. Ocorre que para o ser humano que não pretende estagnar é crucial se movimentar. É o que farei, sem prejuízo do reconhecimento do que se foi. Entre outros motivos, porque foi esplêndido.

Notadamente pela independência garantida.

Os leitores para os quais escrevo de coração pleno, talvez imaginem que exista uma combinação prévia, uma seleção de temas que podem ou não ser abordados, veto a isso ou aquilo, uma pauta estabelecida.

Pois digo a vocês que nada disso existe, nunca existiu neste jornal. A liberdade de expressão, constantemente pregada nos editorais, é exercida na prática.

Nesses anos todos, nem uma vez fui advertida ou pautada. Nunca a direção do Estado interferiu. Seja pedindo a abordagem de um assunto ou impondo restrições a outro. A livre manifestação aqui é lei e exercício de fato. Vou, não por algum defeito do jornal, mas por uma imperfeita inquietação de, aos 60, dar um novo salto no escuro.

Quero agradecer à editoria de Política do Estado, ao editor executivo José Alberto Bombig, ao “big boss” da redação, João Caminoto, ao mago da opinião, Antonio Carlos Pereira, e aos demais colegas de empresa, cuja correção, inteligência e consideração marcaram minha passagem pelo jornal. Grata, sobretudo, aos leitores, razão e motivação primordial desse instigante ofício, o jornalismo.

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Primeiro anexo de delação

 

Núcleo do PMDB na Câmara

MICHEL TEMER

R$10 MILHÕES

PRESIDENTE DA REPÚBLICA E À ÉPOCA CANDIDATO A VICE DE DILMA ROUSSEFF PEDIU DOAÇÃO PARA O PMDB EM 2014

SEGUNDO ELE, DOAÇÕES AO PMDB FORAM LEGAIS

 

LÍDER

‘PRIMO’

ELISEU PADILHA

MINISTRO-CHEFE DA CASA CIVIL. RECEBEU PARTE DE DOAÇÃO DE CAMPANHA. ELE DIZ

QUE A ACUSAÇÃO É ‘MENTIRA’

R$ 4 MILHÕES

 

‘BABEL’

GEDDEL VIEIRA LIMA

EX-MINISTRO DA SECRETARIA DE GOVERNO

FOI CITADO COMO BENEFICIÁRIO DE VÁRIOS REPASSES. ELE DIZ QUE TODAS AS DOAÇÕES FORAM LEGAIS

R$ 6,8 MILHÕES

 

‘ANGORÁ’

MOREIRA FRANCO

SECRETÁRIO DE TEMER FOI PONTE NA AVIAÇÃO CIVIL E NO SETOR DE TRANSPORTES

(SEM INFORMAÇÃO DE REPASSES). DIZ QUE AS ACUSAÇÕES SÃO MENTIROSAS

 

‘CARANGUEJO’

EDUARDO CUNHA

EX-PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS.

RECEBEU R$ 1 MILHÃO DE PADILHA MAIS REPASSES DA ODEBRETCH. ADVOGADO DIZ QUE NÃO VAI COMENTAR

R$ 7 MILHÕES

 

PAULO SKAF

PRESIDENTE DA FIESP E CANDIDATO DERROTADO AO GOVERNO DE SP RECEBEU REPASSES DE PADILHA. DIZ QUE TODAS AS DOAÇÕES FORAM LEGAIS

R$ 6 MILHÕES

 

 

JOSÉ YUNES

ASSESSOR ESPECIAL DO PRESIDENTE

E AMIGO DE TEMER ABRIU SEU ESCRITÓRIO EM SÃO PAULO PARA ENTREGA DE DOAÇÃO(SEM INFORMAÇÃO DE REPASSES). ASSESSORIA NEGA QUE ELE RECEBEU O DINHEIRO

 

Outros citados pelo ex-executivo

‘CAMPARI’

GIM ARGELLO, EX-SENADOR (PTB-DF). O

ADVOGADO DELE NÃO FOI LOCALIZADO

R$ 2,8 MILHÕES

 

‘CERRADO E PIQUI’

CIRO NOGUEIRA, SENADOR (PP-PI).

DIZ QUE DOAÇÕES FORAM LEGAIS

R$ 2,1 MILHÕES

 

‘PINO E GRIPADO’

AGRIPINO MAIA, SENADOR (DEM-RN).

DIZ QUE DOAÇÕES FORAM VOLUNTÁRIAS

R$ 1 MILHÃO

 

‘GREMISTA’

MARCO MAIA, DEPUTADO (PT-RS).

NÃO FOI LOCALIZADO PARA COMENTAR

R$ 1,35 MILHÃO

 

‘DECRÉPITO’

PAES LANDIM, DEPUTADO (PTB-PI). NÃO FOI

LOCALIZADO PARA COMENTAR

R$ 180 MIL

 

‘BOCA MOLE’

HERÁCLITO FORTES, DEPUTADO (PSB-PI).

DIZ QUE DOAÇÕES FORAM LEGAIS

R$ 250 MIL

 

‘FEIA’

LÍDICE DA MATA, SENADORA (PSB-BA)

NÃO FOI LOCALIZADA PARA COMENTAR

R$ 200 MIL

 

‘COMUNA’

DANIEL ALMEIDA, DEPUTADO (PCdoB-BA)

NÃO FOI LOCALIZADO PARA COMENTAR

R$ 100 MIL

 

‘MOLEZA’

JUTAHY JÚNIOR, DEPUTADO (PSDB-BA)

DIZ QUE DOAÇÃO FOI LEGAL

R$ 850 MIL

 

‘VELHINHO’

FRANCISCO DORNELLES,

VICE-GOVERNADOR DO RIO (PP)

ELE DIZ QUE AS DOAÇÕES AO PP FORAM LEGAIS

R$ 200 MIL

 

‘BOTAFOGO’

RODRIGO MAIA, DEPUTADO (DEM-RJ).

NÃO QUIS SE MANIFESTAR.

R$ 100 MIL

 

BITELO’

LÚCIO VIEIRA LIMA, DEPUTADO (PMDB-BA)

NÃO QUIS COMENTAR A ACUSAÇÃO

R$ 2,5 MILHÕES

 

 

 

Núcleo do PMDB no Senado

 

LÍDER

‘JUSTIÇA’

RENAN CALHEIROS

PRESIDENTE DO SENADO É APONTADO COMO LÍDER DE PARLAMENTARES DO PMDB NA CASA.

O SENADOR NEGA IRREGULARIDADES R$ 2,2 MILHÕES

 

 

‘CAJU’

ROMERO JUCÁ

SENADOR, LÍDER DO GOVERNO E ARRECADADO R DE FUNDOS PARA O PMDB. ELE

NEGA TER RECEBIDO RECURSOS AO PMDB R$ 22 MILHÕES

 

‘ÍNDIO’

EUNÍCIO OLIVEIRA

CANDIDATO A PRESIDENTE DO SENADO EM 2017 BENEFICIOU ODEBRECHT EM APROVAÇÃO DE MP.

SENADOR NEGA TER RECEBIDO OS RECURSOS

R$ 2,1 MILHÕES

 

Núcleo do PT

‘POLO’

JAQUES WAGNER

EX-GOVERNADOR DA BAHIA E EX-MINISTRO DA CASA CIVIL. RECEBEU DOAÇÃO DE CAMPANHA .

PROCURADO, ELE NÃO QUIS SE PRONUNCIAR

R$ 10,5 MILHÕES

(2006 e 2010)

 

RUI COSTA

GOVERNADOR DA BAHIA. A PEDIDO DE JAQUES WAGNER RECEBEU DOAÇÃO DE CAMPANHA. ELE NÃO FOI

LOCALIZADO PARA COMENTAR

R$ 10 MILHÕES

(2014)

 

‘LAS VEGAS’

ANDERSON DORNELLES

EX-ASSESSOR DE DILMA ROUSSEFF RECEBEU ‘APOIO FINANCEIRO’ DE MARCELO ODEBRECHT ENTRE 2012 E 2013 POR CUIDAR DAAGENDA DA PRESIDENTE CASSADA. ELE NEGA TER SOLICITADO OU RECEBIDO QUALQUER AJUDA FINANCEIRA

R$ 350 MIL

 

Propostas legislativas

MP 252/05 E MP 255/05 - MP DO BEM /MP DO BEM 2

Geddel Vieira Lima é procurado para atender aos interesses da Odebrecht para evitar novas regras em relação a Cofins e PIS/Pasep nos negócios com nafta e condensado. Pede incidência não cumulativa e mesmo tratamento tributário. Foram apresentadas emendas por Geddel, na Câmara, e Romero Jucá, no Senado. Como relator, Jucá atuou para inclusão do tema de interesse e foi interlocutor com o Executivo.

 

PRS 72/2010 - PROJETO DE RESOLUÇÃO DO SENADO FEDERAL

Processo teve participação de Romero Jucá, Renan Calheiros e Delcídio Amaral (FERRARI). No episódio conhecido como “Guerra dos Portos”, a pedido da empresa, Jucá apresenta a resolução para estabelecer alíquota 0% de ICMS em operações interestaduais.

Jucá recebeu R$ 4 milhões e Delcídio R$ 500 mil. Delcídio ficou “chateado” e pediu mais “atenção” diante do seu empenho.

 

MP 579/12 - PROJETO DE INTERESSE NO MP 579/12 SETOR ELÉTRICO

Participação de Renan Calheiros e Romero Jucá Como relator da MP 579/12, Renan contemplou o pleito da empresa em estender o prazo de fornecimento de energia barata para as empresas eletrointensivas do Nordeste até 2015.

Renovação de contratos da Chesf também foi tratada com Renan. Em 9 MPs, o senador alagoano apresentou 34 emendas para satisfazer os interesses da Odebrecht.

 

MP 613/13 - PROJETO DE INTERESSE NO MP 613/13 SETOR QUÍMICO

Romero Jucá teria pedido “apoio financeiro” para aprovar emenda de interesse da Odebrecht em MP que tratava do Regime Especial da Indústria Química (REIQ). A empresa esperava a aprovação da MP “sem percalços”. Jucá e Renan Calheiros ficaram com R$ 4 milhões; Eunício Oliveira, R$ 2,1 milhões. Na Câmara, Rodrigo Maia recebeu R$ 100 mil e Lúcio Vieira Lima ,R$ 2,5 milhões. A aprovação foi garantida.

 

MP 627/13 - PROJETO DE INTERESSE NA  ÁREA TRIBUTÁRIA

Marcelo Odebrecht, em parceria com exportadores, tratou das mudanças no regime de tributação do lucro auferido no exterior diretamente no Executivo. A edição da MP determinava que lucros de empresas brasileiras no exterior deveriam ser tributados ao fim de cada ano mesmo sem a remessa dos recursos ao Brasil. Eduardo Cunha apresentou emenda que beneficiou o grupo. Romero Jucá recebeu R$ 5 milhões.

 

MP 651/14 - PROJETO DE INTERESSE EM BENEFÍCIOS FISCAIS

O governo federal envia ao Congresso o “Pacote de Bondades”, com uma série de benefícios fiscais para o setor produtivo. Para atender a interesses da Odebrecht, Romero Jucá conduziu a matéria. Ele propôs quatro emendas que foram total ou parcialmente aprovadas. Em troca, ele pediu doação de campanha eleitoral para seu filho, candidato a vice-governador de Roraima. A doação foi feita ao PMDB estadual.