O Estado de São Paulo, n. 44980, 11/12/2016. Política, p. A7

Na oposição, PT demonstra ‘acomodação’

 
Ricardo Galhardo

 

Afundado em debates e disputas internas sobre como salvar o que restou do partido depois do impeachment de Dilma Rousseff, da Operação Lava Jato e da derrota nas eleições municipais, o PT tem demonstrado uma espécie de letargia na oposição ao governo Michel Temer.

Para lideranças petistas, o episódio envolvendo o senador Jorge Viana (PT-AC), vice-presidente do Senado, na semana passada evidenciou o descompasso e a falta de unidade no PT.

Viana atuou para a permanência do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello de afastá-lo, a pedido da Rede.

Enquanto o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) declarava nos corredores do Senado que Viana deveria enterrar a PEC do Teto dos Gastos, prevista para ser votada nesta terça-feira, o senador acriano, por conta própria, participava da operação para salvar Renan.

A atuação de Viana dividiu opiniões no PT. “Era um problema do Temer. Não temos que ser bombeiro de ninguém”, disse o líder do PT na Câmara, Afonso Florence (PT-BA).

Para ele, passados apenas seis meses do impeachment, depois de 13 anos no governo, o PT ainda não se adaptou ao papel de oposição. “O PT ainda precisa se organizar na oposição”, admitiu Florence.

Gleide Andrade, uma das vice- presidentes do PT, sintetizou a situação do partido que se divide entre juntar os cacos e liderar a oposição a Temer. “O PT está tendo que assobiar e andar de bicicleta”, disse ela.

 

‘Desconexão’. O caso envolvendo Viana e Renan não é o único. Petistas citam a divisão da bancada do partido na Câmara durante a votação das 10 medidas contra a corrupção e a demora de três dias dos deputados petistas para divulgar nota sobre o assunto.

“Tem uma desconexão total na atuação do partido. Hoje um cara entra de um lado e outro de outro. Existe uma ausência de direção”, disse o secretário municipal de Saúde de São Paulo, Alexandre Padilha.

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, comunicou à cúpula da sigla em outubro que aceita encurtar seu mandato para que o partido faça uma repactuação.

Alguns petistas avaliam que isso enfraqueceu a direção.

Para outros, o que existe é uma acomodação de parte das bancadas na Câmara e no Senado que, acostumadas às benesses do governo, desaprendeu a fazer oposição.

“Tem uma parte do PT que está muito acomodada e ainda não se ligou sobre a necessidade de fazer uma oposição combativa”, disse Lindbergh.

 

Congresso. O partido avalia que esta situação deve durar pelo menos mais seis meses, até o Congresso Nacional do PT, que vai eleger a nova direção e definir o novo programa da legenda, evento agendado para maio do ano que vem.

 

Necessidade

“O PT ainda precisa se organizar na oposição.”

Afonso Florence (BA)

LÍDER DO PT NA CÂMARA

 

“Tem uma parte do PT que está muito acomodada e ainda não se ligou sobre a necessidade de fazer uma oposição combativa.”

Lindbergh Farias (PT-RJ).

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Julgamento de Renan expôs tensão no STF

 

Beatriz Bulla

 

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que manteve Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado, expôs a capacidade de articulação dos ministros, mas também as rusgas internas na Corte. 
Marco Aurélio Mello foi duramente criticado por Gilmar Mendes, que chegou a sugerir o impeachment do colega. Gilmar, por sua vez, virou alvo de manifestações de ministros em plenário, como Teori Zavascki, que se voltaram contra “juízes que comentam decisões de outros juízes”.

Nos bastidores, a avaliação no STF é de que foi também um desconforto entre dois ministros que levou à crise da semana passada. O ministro Dias Toffoli afirmou em nota que não atrasava a análise da ação que decidiria se réus podem ocupar a linha sucessória - e, por esse entendimento, não estaria poupando Renan - já que o processo sequer estava em seu gabinete. Marco Aurélio, relator, encaminhou a ação ao colega assim que a nota foi divulgada e ironizou: disse que o processo era eletrônico e acessível a qualquer cidadão. Dias depois, chegou a suas mãos o pedido de afastamento de Renan, que foi atendido, visto internamente como uma resposta à Toffoli para as insinuações sobre quem segurava o caso no gabinete.



Rixas. Parte das tensões internas no Supremo é velada. Mas discussões públicas recentes escancararam algumas rixas. A tensão entre Gilmar e Marco Aurélio não é de hoje. No grupo dos ministros mais antigos do Tribunal, junto com o decano Celso de Mello, nenhum dos dois foge de embates.

Em abril, quando Marco Aurélio determinou que Câmara abrisse impeachment contra o então vice-presidente Michel Temer, Gilmar ironizou: “Estamos sempre aprendendo com o ministro Marco Aurélio”. Gilmar é casado com a advogada Guiomar, que trabalhava como assessora e braço direito de Marco Aurélio Mello até se envolver o ministro.

São públicas também as discussões entre Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Em 2015, no plenário, no meio de uma discussão, Gilmar Mendes disparou: “Porque eu não sou de São Bernardo (do Campo) e não faço fraude eleitoral”, em referência à cidade onde Lewandowski se formou e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou carreira política. “Eu não sou de Mato Grosso. Me desculpe, mas vossa excelência está fazendo ilações incompatíveis com a seriedade do Supremo Tribunal Federal”, rebateu Lewandowski.

 

SERIEDADE

“Me desculpe , mas vossa excelência está fazendo ilações incompatíveis com a seriedade do Supremo Tribunal Federal

Ricardo Lewandowski

Ministro do STF, rebatendo declaração de Gilmar Mendes