Correio braziliense, n. 19566, 20/12/2016. Política, p. 2

Troca de favores leva Lula ao banco dos réus

Moro recebe denúncia da Procuradoria que acusa petista de receber apartamento e terreno da Odebrecht. Instituto do ex-presidente diz que Lava-Jato "se tornou uma perseguição, aceitando ações sem provas para impedir candidatura em 2018"

Por: Eduardo Militão

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se réu pela quinta vez. Ele agora deverá responder por ação penal em que é acusado de receber propina da Odebrecht em forma de terreno de R$ 12,5 milhões para seu Instituto e do apartamento vizinho à residência em que ele mora em São Bernardo, avaliado em R$ 504 mil. O juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, recebeu a acusação e agora deverão ser marcados os depoimentos das testemunhas de acusação e defesa. O magistrado ainda determinou o sequestro da cobertura no edifício do petista.

Com cinco ações penais e, ao menos, seis investigações abertas nas operações Janus, Zelotes e Lava-Jato, a defesa de Lula argumenta que ele é vítima de perseguição judicial de Moro e de agentes e delegados da Polícia Federal e de procuradores do Ministério Público que atuam em três casos diferentes. O objetivo seria impedi-lo de concorrer nas próximas eleições. Pela lei brasileira, uma condenação em 2ª instância bastaria para tirar o petista da disputa, enquadrando-o como “ficha suja”.

Também se tornaram réus o presidente afastado do grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, acusado de crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro; o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e seu assessor Branislav Kontic, por corrupção passiva e lavagem. O advogado de Lula Roberto Teixeira e a esposa dele, Marisa Letícia Lula da Silva, o executivo da Odebrecht Paulo Melo, o empresário da DAG Construtora Demerval Gusmão e Glaucos da Costamarques, irmão do pecuarista José Carlos Bumlai, são acusados de lavagem de dinheiro.

 

Cobertura

Segundo a denúncia do Ministério Público, Lula comandava um amplo esquema de desvio de dinheiro na Petrobras e em outras estatais. Em meio a isso, a Odebrecht pagou R$ 75 milhões em subornos a partir de oito contratos com a Petrobras. Os valores “foram usados, dentro do estrondoso esquema criminoso capitaneado por Luiz Inácio Lula da Silva, não só para enriquecimento ilícito, mas especialmente para alcançar governabilidade com base em práticas corruptas e perpetuação criminosa no poder”, narra a acusação.

Entre novembro de 2004 e janeiro de 2012, o ex-presidente, “em razão de sua função e como responsável pela nomeação e manutenção de Renato de Souza Duque e Paulo Roberto Costa nas Diretorias de Serviços e Abastecimento da Petrobras”, respectivamente, solicitou e recebeu promessa de propina. Em troca, a Odebrecht obteve benefícios em oito consórcios dos quais participou para fechar negócios com a Petrobras.

Anotações no celular de Marcelo Odebrecht, além de planilhas anexadas a mensagens de correio eletrônico indicaram que os pagamentos a Lula eram intermediados por Palocci. Com esses documentos, a Polícia Federal e o Ministério Público concluíram que um imóvel foi comprado com apoio de Roberto Teixeira e da DAG, mas com recursos da Odebrecht, a fim de servir como futura sede do Instituto Lula. E uma cobertura vizinha ao apartamento do petista em São Bernardo, na Grande São Paulo, foi adquirida mediante uma falsa locação imobiliária.

 

Sem sede

Em nota, o Instituto Lula reafirmou ontem que “nunca teve outra sede a não ser o sobrado onde funciona até hoje, adquirido em 1990 pelo Instituto de Pesquisas e Estudos do Trabalhador (IPET)”. A entidade disse que recebeu doações legais. “O ex-presidente Lula nunca solicitou vantagens indevidas e sempre agiu dentro da lei antes, durante e depois da presidência da República.” Para auxiliares do petista, a Lava-Jato “se tornou uma perseguição ao ex-presidente Lula, aceitando ações capengas e sem provas sobre um apartamento que o ex-presidente aluga e um terreno que jamais foi pedido ou usado pelo Instituto Lula para justificar uma perseguição política que tem como objetivo impedir que Lula seja candidato em 2018”.

 

Celeumas

Em sua decisão de receber a denúncia, Moro lembrou que isso não significa condenação, mas apenas entendimento de que a acusação tem indícios razoáveis e que o processo criminal deve ser aberto. Agora, caberá à defesa demonstrar que não há provas para a condenação ou que existem informações e documentos que permitem absolver Lula. No entanto, Sérgio Moro destacou que o simples recebimento da denúncia poderia “dar azo a celeumas de toda a espécie”.

Ele lembrou que o esquema de roubo à Petrobras já foi comprovado e com participação da Odebrecht. “Forçoso reconhecer a presença de prova razoável não só da existência do esquema criminoso de cobrança sistemática de propinas, mas em linhas gerais de que ele servia não só aos agentes da Petrobrás, mas também a agentes e a partidos políticos, bem como que o Grupo Odebrecht encontra-se entre os responsáveis pelo pagamento de vantagem indevida nos contratos da Petrobras.”

Moro destaca que o objetivo é saber se Lula estava mesmo envolvido conscientemente no esquema. Para isso, o Ministério Público cita depoimentos de dois criminosos que resolveram fechar acordo de colaboração premiada: o ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS) e o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE). “Certamente, tais elementos probatórios são questionáveis, mas, nessa fase preliminar, não se exige conclusão quanto à presença da responsabilidade criminal, mas apenas justa causa”, explicou o juiz.

O magistrado recordou que há indícios de que o PT tinha uma espécie de “conta-corrente” de propinas no esquema, o chamado “caixa geral” de subornos, em que os pagamentos não eram feitos apenas estritamente vinculados a cada obra ou contrato das empreiteiras.

 

Moro sequestra cobertura

O juiz Sérgio Moro ordenou o sequestro do apartamento 121 ao lado da residência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Bernardo, “diante dos indícios de que foi adquirido com proventos do crime”. Segundo ele, apesar de o imóvel estar registrado em nome de antigos donos, Augusto e Elenice Campos, pessoas que não foram consideradas envolvidas no caso, existem “indícios de que pertence de fato ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que o teria recebido, segundo a denúncia, como propina do Grupo Odebrecht”. (EM)