Correio braziliense, n. 19566, 20/12/2016. Brasil, p. 6

Aluno protesta contra "homofobia" no ITA

Ao usar um vestido vermelho durante formatura no Instituto Tecnológico da Aeronáutica, formando diz ter sido vítima de preconceito na instituição de ensino. Comando da Força afirma em nota que a reitoria repudia qualquer ato de discriminação

Por: Maiza Santos

 

De vestido vermelho e salto alto, Talles de Oliveira Faria, 24 anos, se formou em um dos centros de estudos avançados no país, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), no último sábado, em São José dos Campos (SP). Durante o evento, o estudante fez um protesto e acusou a Força de homofobia.

Na internet, comentários de internautas afirmam que o estudante teria pedido para se formar usando farda feminina, mas a opção dada foi para que ele se formasse como aluno da reserva, não militar. A princípio, Talles não deve ser punido, segundo as normas da Aeronáutica, pois, ele, ainda como aluno, poderia usar um traje civil na formatura.

Em nota, a Força Aérea informou que a reitoria do ITA repudia qualquer ato de homofobia ou discriminação. “Nas formaturas do ITA, os militares têm uniforme definido, sendo previsto para os formandos civis apenas traje de passeio. O ITA não questiona nem registra a orientação sexual de seus alunos e formandos e não discrimina alunos por sua orientação sexual, gênero, condição social, credo ou raça.”

O ITA é uma instituição universitária pública, ligada ao Comando da Aeronáutica, e está localizado no Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), na cidade de São José dos Campos. Foi criado pelo Decreto 27.695, de 16 de janeiro de 1950 e definido pela Lei nº 2.165, de 05 de janeiro de 1954.
A instituição oferece seis cursos de graduação em engenharia, além de mestrado e doutorado em 22 áreas. É considerado um centro de referência no ensino de engenharia no Brasil. Oferece ensino e alimentação gratuitos e moradia de baixo custo, dentro do campus, para alunos de graduação durante os cinco anos de curso.

* Estagiária sob supervisão de Leonardo Cavalcanti, editor de Política e de Brasil
 
Depoimento // Talles de Oliveira Faria
“Ser gay faz com que eles procurem erros para punir”
 
“Aqui no ITA temos a Associação de LGBTs, que foi criada em 2011 devido a problemas de homofobia que ocorriam tanto dentro do alojamento da faculdade como dentro do CPOR. A organização se fortaleceu ano a ano, melhorando a convivência e o processo de aceitação dos novos alunos. Hoje é uma organização estável e ativa dentro da comunidade. Desde de 2012, usamos o dia 17 de maio (Dia Internacional contra a Homofobia) para nos manifestarmos de alguma forma no ITA, chamarmos atenção e gerar discussões envolvendo o tema. (…)

Eu sempre procuro ser bastante ativo dentro do grupo, sempre incentivando o pessoal a se aceitar e a quebrar barreiras, a não se intimidar e ter o orgulho de ser quem é. Vestir-se em drag é algo que ganhou bastante força dentro da associação devido ao seriado RuPauls Drag Race. Decidimos que iríamos de drag para o movimento no ITA no dia 18 de maio. Como sou militar, fui fardado para a aula e alguns minutos antes do evento saí da sala de aula e fui me montar. Participei do evento, tiramos fotos para postar em nossa página no Facebook. Devido a isso, em setembro foi aberta uma sindicância para averiguar o caso. (…)
No começo do quarto ano, o novo comando determinou que antes de iniciar o período letivo no ITA, que os militares deveriam fazer estágios nos Institutos militares do DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial). No meu primeiro dia no CCA (Centro de Computação da Aeronáutica), logo após a apresentação sobre os temas do estágio, a primeira coisa que o cel. que estava fazendo a apresentação me perguntou foi se a cor do meu cabelo natural era aquela cor mesmo (estava com o cabelo loiro mais claro que a cor natural). Respondi que não. Ele então me disse para vir com o cabelo escurecido no dia seguinte. A partir daquele momento, eu já desanimei completamente de ter escolhido aquele lugar para estagiar, estava completamente desmotivado, mas precisa fazer as coisas do mesmo jeito.


O que mais me indignou é que, dentro da mesma sala, havia uma tenente com o cabelo pintado (luzes) e que, na própria sala do coronel, também ficavam duas suboficiais com os cabelos loiros (luzes). (…) Eu uso maquiagem no dia a dia, assim como várias meninas da minha turma, mas nenhuma delas jamais foi punida por algo semelhante. Com isso fiquei mais quatro dias preso. (...) Também por ser uma instituição extremamente sexista, sinto-me oprimido por querer usar maquiagem, pintar o cabelo (mesmo que de cores discretas), coisas que são permitidas a mulheres e não negadas pelo regulamento a pessoas do sexo masculino. Os militares então usam disso e mais algum erro que querem encontrar em você para que seja punido. Ser abertamente gay é dar motivação aos militares para encontrar erros em você e te punir.”