Correio braziliense, n. 19566, 20/12/2016. Economia, p. 10

Governo tende a subir imposto

Ex-diretor do BC, economista afirma que, quando o crescimento voltar, tributos podem ser elevados para conter a dívida pública

Por: Paulo Silva Pinto e Leonardo Cavalcanti

 

Rio de Janeiro — O grau de recessão que o país atravessa poderia ter sido evitado, na avaliação do economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes. Bastaria o Banco Central (BC) ter adotado uma meta de inflação ajustada, que não buscasse, com a política monetária, atingir o centro da meta de 4,5% em 2017. Caso o objetivo fosse alongado para 2018, teria sido possível começar mais cedo os cortes da Selic, a taxa básica de juros.
 
Economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Freitas conhece bem o BC, do qual foi diretor entre 1985 e 1989. Explica que o excesso de rigor da instituição neste ano foi um recurso para reconquistar a credibilidade, que, reconhece, foi abalada na gestão passada. Freitas não está entre os que criticam o excesso de gastos do atual governo. Se tivesse sido adotada uma política fiscal contracionista, diz, a recessão seria ainda mais aguda.
 
No próximo ano, ele espera que a economia volte a dar sinais de crescimento. Acha, porém, que não será forte o suficiente para que a receita do governo reaja. Nesse caso, será necessário elevar impostos para evitar que a relação entre a dívida pública e o PIB se eleve muito fortemente. Ninguém ficará feliz com isso. Mas ele argumenta que será uma alternativa melhor, ao menos, que a volta da política fiscal contracionista de 2015. Na última sexta-feira, ele concedeu entrevista ao Correio, em seu escritório, com vista para a pista do Aeroporto Santos Dumont.
 
Qual sua avaliação das medidas de estímulo apresentadas pelo governo?
As medidas são pontuais. Não vão ter efeito a curto prazo, mas eram necessárias. Não vão melhorar a atividade econômica já, mas estão pavimentando o terreno para quando o Banco Central (BC) baixar as taxas de juros, e passar, eventualmente, o que o governo quer no Congresso, a economia possa deslanchar mais rápido.
 
Quando a economia vai deslanchar?
Somente a partir de 2018. Acho que, no ano que vem, vai continuar andando de lado, com alguma melhora, mas sem perspectivas de uma retomada rápida. Nós temos um problema hoje que se chama alavancagem das famílias e das empresas. É uma crise de balanço, que demora a ser acertada, porque as empresas e as famílias têm de, primeiro, pagar suas dívidas para voltar a consumir e voltar a investir.
Alguns argumentam que a crise é mais política do que econômica. Até que ponto isso é verdade?
É óbvio que falta uma âncora política. Seria muito mais fácil se ela existisse. Mas não quer dizer que ela seria indispensável se a economia estivesse no prumo. E não está porque vários erros de gestão macroeconômica foram cometidos no passado . Isso congestionou o processo. Por exemplo, a necessidade de elevar vários preços em 2015: energia, gasolina, taxa de câmbio. O dólar subiu muito no ano passado, os preços subiram bastante, porque estavam razoavelmente congelados antes de 2015. Isso levou a uma alta de preços enorme junto com uma economia que já estava combalida pela atividade fraca, o que começou praticamente em 2012, 2013. A área econômica foi mal gerida, apesar de que a política estava conturbada havia muito tempo. Mas, se nós tivéssemos tido realmente um período de prosperidade econômica, a área política teria se achado muito mais rapidamente. Como essa prosperidade foi embora, a partir de 2013, principalmente, e só vai voltar em 2018, a área política se perdeu também nesse meio do caminho. Muita insatisfação econômica leva os políticos a ficarem indecisos. Mas estamos hoje com uma âncora econômica muito melhor. Uma gestão macroeconômica que está fazendo tudo o que tinha de ser feito. Por isso, eu acredito que, passada essa fase de recuperação, em função do balanço das pessoas e das empresas, nós possamos ter a partir do segundo semestre do próximo ano momentos de maior prosperidade, consequentemente de menor incerteza política.
 
As coisas corretas estão sendo feitas inclusive na política monetária?
Esse é um ponto importante. Quando começou o governo Temer, a decisão foi de manter a meta de inflação em 4,5% em 2017. Nesse momento específico, havia falta de visibilidade para quem estava entrando, porque não há visibilidade num momento em que o país vive tantas incertezas. Naquele momento específico, se o BC tivesse adotado uma meta ajustada, não teria tanta pressa de persegui-la para o ano que vem, e poderia ser mais flexível nas taxas de juros, porque, na medida em que nós temos uma crise de indivíduos e de balanços e de empresas, taxas de juros reais muito elevadas não ajudam a fazer uma cura simultânea de ambos os lados: inflação mais baixa e conserto da economia, que está fraca demais. O BC preocupou-se muito mais com a sua reputação, com sua credibilidade, já que ela havia sido perdida pela gestão anterior. Recuperando isso, as taxas caem a longo prazo. Mas naquele momento o diagnóstico não era ainda de uma crise de atividade econômica.
 
Como a que nós ainda estamos vivendo, certo?
Sim, como a que nós estamos vivendo. O BC poderia ter sido menos rigoroso, em vez de manter a Selic alta por tanto tempo. E o governo já poderia também pensar em dar alguns incentivos para que a atividade não caísse tão rapidamente. Por exemplo, esse pacote de incentivos que foi anunciado agora. Se isso tivesse ocorrido alguns meses atrás, talvez não tivéssemos uma situação de atividade econômica tão ruim quanto agora.
 
Houve demora no diagnóstico?
Não. Houve demora em ver o todo. O BC, muito preocupado em não ter reputação, olhou só para a meta central de inflação e abandonou um pouco a atividade econômica, que também é importante. Não digo que houve um problema de diagnóstico. Houve uma percepção muito unilateral do problema.
 
O que foi uma falha, portanto?
Sim, sob certo ponto de vista foi uma falha. Porque, além da dívida das famílias e das empresas, também há a dívida do país, que ainda está em uma trajetória insustentável. Costumo dizer o seguinte: quando o governo Temer entrou, havia um táxi em frente à sua porta com o taxímetro rodando muito rapidamente, com juros reais de 8% ano e deficit primário pela primeira vez. Quanto mais tempo o governo demora para entrar no táxi, traçando um diagnóstico certo, maior a conta que vai pagar no futuro. Juros reais elevados aumentam o custo da dívida. Se a atividade cai muito rapidamente porque você exagerou na sua formulação unilateral de taxa de juros, cai a arrecadação, e piora a relação entre dívida e PIB (Produto Interno Bruto). Hoje, o nosso principal problema não é só despesa. É a arrecadação, que está caindo, frustrando, porque a atividade caiu demais. Já veio de 2015 caindo. Em 2015 também tivemos uma péssima gestão macroeconômica. O BC apertou demais a política monetária e o governo na área fiscal cortou e segurou dinheiro na boca do caixa, não liberou. Então houve uma recessão.
 
Mas isso não era necessário para garantir o superavit?
O governo de 2015 estava em uma ponte: haveria reformas e elas seriam aprovadas pelo Congresso. Mas chegou no meio do caminho e não passou nada. Pagamos todo o custo.
 
Devido à conturbação política, não foi?
Sim, mas não houve o outro lado da moeda. Neste ano, a gente estava correndo o risco também de pagar um custo muito elevado, com juros altos e atividade caindo rapidamente, mas o governo está conseguindo passar algumas reformas: a PEC do teto de aumento de gastos e a Previdência, ambas sem efeito a curto prazo, mas ao menos isso dá uma perspectiva de que, mais à frente, a dívida vai voltar para uma trajetória sustentável. Eu acho que não vai bastar só Previdência e teto de aumento de gastos, porque a dívida está crescendo muito rapidamente.