O Estado de São Paulo, n. 44980, 11/12/2016. Economia, p. B4

Transição na Previdência pode parar na Justiça

 

Douglas Gavras

 

Rogério Vacareli e Samuel Leme vão completar 50 anos em 2017. Ambos são ex-bancários que abriram pequenos negócios e contribuem para a Previdência há mais de três décadas. Caso as estimativas de especialistas em direito previdenciário se confirmem e a reforma proposta pelo governo passe a valer a partir da metade do ano que vem, Leme, sete meses mais velho, vai levar sete anos e meio a mais para se aposentar. Distorções assim podem gerar uma onda de judicialização, dizem advogados.

Pela nova proposta, se um contribuinte do sexo masculino completar 50 anos de idade e 30 de contribuição antes da mudança nos parâmetros para aposentadoria, terá de trabalhar mais sete anos e meio. Mas se fizer aniversário logo após a reforma, o tempo para receber o benefício dobra, para 15 anos, até que complete 65 (veja simulação ao lado ). Para as mulheres, a faixa de transição ocorre mais cedo, aos 45 anos.

Ainda falta um ano e meio para que Vacareli, dono de uma serralheria em São Paulo, some 35 de contribuição à Previdência.

Como nasceu em março, ele ainda terá de trabalhar dois anos e três meses para receber o benefício – vai completar a barreira dos 35 anos e pagar um “pedágio” de metade desse tempo.

“Quando comecei a ouvir as discussões de reforma da aposentadoria, fiquei preocupado.

Foram muitas informações trocadas e estou apreensivo para ver quando vai mudar tudo. É uma vida de contribuição e uma mudança brusca pesaria muito.

O benefício não será grande, mas ajudará a pagar as contas.” Nascido em outubro de 1967, Leme é sócio de uma gráfica em Santana do Livramento (RS) e contribui com a Previdência há 30 anos. “Consultei advogados, mas é quase certo que a reforma terá passado antes do meu aniversário.

E os negócios vão tão mal que dói pensar em ainda ter de trabalhar mais 15 anos até pendurar as chuteiras.”

 

Bater o martelo. Para a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger, o abismo que se criará entre cidadãos com trajetórias de contribuição parecidas poderá provocar uma onda de judicialização – quando se recorre à Justiça para arbitrar sobre decisões de outros poderes.

“O risco de judicialização é enorme, pois haverá inúmeros casos de injustiça na concessão dos futuros benefícios, e o governo já sabia que essas situações poderiam ocorrer ao propor medidas tão extremas e nivelar o cálculo pela idade. Essas distorções também desestimulam contribuintes individuais.” Segundo projeções feitas pelo IBGE, o País terá 1,2 milhão de homens com 49 anos no dia 1.º de julho do ano que vem. Serão 1,4 milhão de brasileiras com 44 anos no período.

“Haverá distorções muito grandes e o trabalhador certamente vai se sentir lesado. O governo teria de ter criado regras de transição mais transparentes”, diz Antonio Pires, especialista em direito previdenciário.

“Ainda que haja judicialização, a tendência é que a Justiça mantenha a decisão do governo”, avalia Arismar Amorim Júnior, da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-SP.

“Mudanças assim trazem muita morosidade. Desde o início dos anos 2000 se discute a inconstitucionalidade do Fator Previdenciário, por exemplo.” Procurado, o Ministério da Fazenda disse que não se pronunciaria sobre o tema.

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Nove mil segurados recebem acima do teto da Previdência

 

Rodrigues Alves

 

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) paga atualmente benefícios acima do teto de R$ 5.189,82 para mais de 9 mil segurados.

O maior valor é de uma pensão por morte paga no Rio de Janeiro a um dependente de ex-combatente, que recebeu em outubro benefício de R$ 75.943, o correspondente a 80 salários mínimos.

Quem participou “efetivamente” da 2.ª Guerra Mundial tem direito a aposentadorias excepcionais, previstas em leis específicas que garantem reajuste com base nos rendimentos devidos como se o ex-combatente estivesse em atividade.

No caso de falecimento, o benefício passa para os dependentes – cônjuge, filho menor de 21 anos ou inválido, pais, irmão não emancipado.

A maior parte dos benefícios com valor superior ao teto previdenciário é paga a ex-combatentes, anistiados e aeronautas, com base em legislações que não estão mais em vigor.

O segundo maior benefício do INSS é para um anistiado, que também mora no Rio de Janeiro.

Ele ganhou em outubro R$ 46.803, o que daria para pagar 53 benefícios de um salário mínimo. A aposentadoria excepcional para anistiados políticos tem previsão constitucional que assegura “promoções” na inatividade para quem foi atingido por motivação exclusivamente política.

Hoje, não é possível mais se aposentar acima do teto, mas esses benefícios continuam sendo pagos. “O INSS também tem a mesma posição do restante da sociedade: são absurdos, distorções, mas que, infelizmente, têm vinculação legal”, diz o chefe do órgão, Leonardo Gadelha.

“Não podemos fazer nada”, completou. Rolim diz que 2 mil desses 9 mil beneficiários receberam acima do teto em outubro por questões sazonais e que o restante ganha permanente valor superior a R$ 5 mil.

Para ele, o mais “impressionante” é que esse tipo de benefício não respeita nem mesmo o teto do funcionalismo, de R$ 33.763, salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Pelos dados do instituto, uma centena recebe acima desse valor todo mês.

Ao mesmo tempo, 22,355 milhões de brasileiros da cidade e do campo recebem apenas um salário mínimo, de R$ 880, como aposentadoria. Outros 218.118 beneficiários recebem entre cinco e seis salários mínimos, faixa próxima ao teto.

O governo diz que o envio da reforma da Previdência tem como objetivo corrigir o tratamento desigual no sistema brasileiro, mas as discrepâncias observadas no mapa de pagamento do instituto vão permanecer até os beneficiários e dependentes falecerem. As novas regras, se aprovadas, não valem para esses segurados, que têm o direito adquirido preservado.

“Essa discrepância gritante mostra como alguns são privilegiados enquanto outros pagam a conta”, afirmou Natal Leo, presidente do sindicato de aposentados, idosos e pensionistas da União Geral dos Trabalhadores (UGT). Ele questiona, por exemplo, o fato de 777.775 segurados ganharem todo mês menos que um salário mínimo. “Temos de ver os dois lados dessa pirâmide: o de cima e o de baixo”, diz.

O INSS afirma que os beneficiários que recebem menos que um salário mínimo são “pontuais” e devem-se a decisões judiciais.

A maioria corresponde a auxílio-acidente e outros tipos de benefícios, que não estão atrelados ao mínimo.

 

Desigualdade

“Essa discrepância gritante mostra como alguns são privilegiados enquanto outros pagam a conta. Temos que ver os dois lados dessa pirâmide”

Natal Leo

PRESIDENTE DO SINDICATO DE APOSENTADOS, IDOSOS E PENSIONISTAS DA UGT