Correio braziliense, n. 19544, 28/11/2016. Economia, p. 6

Mercado aposta em recuperação mais lenta

O cenário externo adverso e mais combustível na crise política derrubam a confiança. Estimativas apontam para um desempenho pior do PIB no terceiro trimestre, com recuo de 1%, e retomada só no fim de 2017

Por: Rosana Hessel

 

A lua de mel do presidente Michel Temer com o mercado acabou. A confiança caiu pela primeira vez desde o impeachment de Dilma Rousseff, e o dólar, que chegou a R$ 3,10 no início do novo governo, voltou a fechar acima de R$ 3,40. A mudança do humor é resultado, em parte, do cenário externo adverso, com a eleição do republicano Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, e das incertezas domésticas. Diante disso, os analistas pioraram as estimativas para a economia brasileira neste ano e em 2017. A aposta, agora, é de queda de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre.

A semana começa com ameaça à governabilidade de Michel Temer, instaurada pela saída do ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, na sexta-feira. Também há temor sobre os desdobramentos da Operação Lava-Jato, com as denúncias dos executivos da construtora Odebrecht e a enorme lista de parlamentares envolvidos. Na opinão dos agentes econômicos, a única certeza é que o desempenho do PIB do terceiro trimestre, que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará na quarta-feira, virá pior do que o anterior, o que mostra que a recessão está longe de acabar.

A mediana das estimativas é de retração de 1% entre julho e setembro na comparação com abril a junho, quando o recuo foi de 0,6%. “O fundo do poço ainda não chegou. O quarto trimestre continuará negativo e, provavelmente, o início do ano que vem também será ruim. Só consigo ver recuperação da economia, ainda muito pequena, na segunda metade de 2017”, alerta a economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

O Ibre estava entre os mais pessimistas do mercado e previa, há tempos, apenas 0,6% de crescimento em 2017. No entanto, o instituto ainda não revisou suas estimativas após a eleição nos Estados Unidos. “Vamos esperar a divulgação do resultado do PIB para revisarmos as nossas previsões”, avisa Silvia.

Outro especialista com previsões nada animadoras é o economista Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP). “Estou trabalhando com queda de 1% do PIB no terceiro trimestre e nada de crescimento no último trimestre”, diz. “O desemprego vai continuar aumentando e os programas de estímulo à economia, como concessões e privatizações do novo governo, serão muito modestos. O ajuste fiscal precisa ser mais forte e o investimento só voltará a crescer em 2018”, explica o acadêmico.

Silber assinala, ainda, que a insegurança política está crescendo com os últimos desdobramentos da Lava-Jato. “É uma crise dos Poderes, que chega a ser assustadora. Essa questão não pode ser desprezada porque poderá comprometer a governabilidade que Temer tinha e era o grande fator positivo na comparação com Dilma, que não conseguia governar”, destaca.

 

Desequilíbrio

O economista Braulio Borges, da LCA Consultores, que revisou suas expectativas devido ao efeito Trump no mercado externo, admite que o quadro poderá ser pior do que o cenário que está prevendo como mais provável. Ele cortou de 1,5% para 1,1% a estimativa de crescimento do PIB em 2017 e aprofundou de 3,35% para 3,5% a previsão de queda neste ano.

Borges acredita que o cenário adverso, mais pessimista, está ganhando força e poderá se concretizar se a crise política se agravar. “O governo tomou medidas desequilibradas e esqueceu o gerenciamento de curto prazo, centrando os esforços apenas no longo prazo. Na verdade, os dois são importantes e não se pode olhar apenas para um deles”, afirma.

Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, prevê queda no PIB de 0,6% no terceiro trimestre, mas ainda não revisou as previsões. “A lua de mel com o mercado acabou. As reformas cruciais ficarão para o ano que vem e, no máximo, a PEC do teto dos gastos avança até dezembro”, destaca. “O quadro está feio. A retomada será bem mais lenta do que estávamos imaginando. Os desequilíbrios fiscais foram grandes e colocar a casa em ordem vai demorar. As contas públicas só devem voltar ao azul na próxima década”, alerta.

Ao comparar os governos de Dilma e Temer, a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, evita críticas à gestão atual, mas reconhece alguns equívocos. “É preciso tomar cuidado ao pedir decisões de curto prazo. Isso pode ser uma recaída das medidas que foram tomadas no passado e se mostraram equivocadas. É preciso avançar mais rápido nas reformas estruturais para o país ter uma economia mais eficiente e o Estado ser mais funcional”, avisa. O mais importante, para ela, é a adoção de uma agenda microeconômica no sentido de reduzir a distorção tributária e melhorar a competitividade.