O Estado de São Paulo, n. 44983, 14/12/2016. Política, p. A10

PF vê desvios no Museu do Trabalhador

Operação Hefesta prende dois secretários e um subsecretário municipal de São Bernardo do Campo; prejuízo apontado é de quase R$ 8 mi
Por: Fausto Macedo / Mateus Coutinho

 

Fausto Macedo

Mateus Coutinho

 

 

A Polícia Federal prendeu temporariamente ontem três secretários municipais de São Bernardo do Campo e cinco empresários suspeitos de desviar ao menos R$ 7,9 milhões das obras do Museu do Trabalho e do Trabalhador.

O prédio foi concebido para homenagear o movimento sindical do ABC paulista, que serviu de berço político para o PT e para ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Entre os presos estão o secretário de Obras de São Bernardo, Alfredo Luiz Buzzo, o subsecretário de Obras, Sérgio Suster, e o secretário de Cultura, Osvaldo de Oliveira Neto. Também foram apreendidos na operação, batizada de Hefesta, R$ 300 mil em espécie, além de dois carros de luxo.

Ao todo foram cumpridos oito mandados de condução coercitiva e 16 de busca e apreensão em oito cidades: além de São Bernardo do Campo, São Paulo, Santana do Parnaíba, Santos, São Vicente, Rio e Barueri e Brasília, onde a PF fez buscas no Ministério da Cultura.

O museu está em construção ao lado do Paço Municipal, no centro de São Bernardo do Campo, e é alvo de investigações da Polícia Federal, Ministério Público Federal e Controladoria- Geral da União desde, pelo menos, 2014 para apurar as suspeitas de irregularidade no empreendimento.

A investigação aponta que os três secretários do município formaram uma organização criminosa com empresários para fraudar a licitação e desviar o dinheiro do projeto, lançado em 2010 por meio de um convênio do Ministério da Cultura com a prefeitura de São Bernardo.

O acordo previa o financiamento de R$ 14 milhões do governo federal, com contrapartida de R$ 3,6 milhões do município, somando R$ 18 milhões.

A obra prevista para ser concluída em 2013, contudo, ainda segue inacabada e está suspensa por ordem da Justiça Federal.

O contrato teve três prorrogações e seu valor atual passa de R$ 21 milhões, sendo R$ 14,6 milhões do Ministério da Cultura e R$ 7 milhões da prefeitura de São Bernardo.

 

Irregularidades. Os procuradores afirmam ainda que, dentre as causas para o aumento do valor total do projeto, estão o superfaturamento de serviços de engenharia e arquitetura, o desvio de recursos mediante o pagamento em duplicidade pela realização de trabalhos, a modificação do projeto original com custo acima do teto legal e as prorrogações indevidas do contrato.

A investigação aponta também que há R$ 19 milhões aprovados pela Lei Rouanet, mas que também estão bloqueados. A Justiça ainda determinou o arresto e sequestro de bens de 29 pessoas, com o objetivo de garantir a reparação integral dos prejuízos causados ao erário. Os valores desviados poderiam ter chegado a R$ 11 milhões, mas parte dos recursos referentes ao convênio firmado entre o MinC e o município de São Bernardo do Campo para a criação do museu ainda não foi efetivamente paga às empresas envolvidas.

O nome da operação remete ao deus grego Hefesto, relacionado à metalurgia.

 

Fiscalização. Em agosto deste ano, a CGU realizou fiscalização na obra e verificou uma série de irregularidades. Foram constatadas falhas na licitação e na seleção da empresa contratada, bem como na taxa de bonificação e de despesas indiretas; terceirização irregular; aditivos irregulares ao contrato; superfaturamento por pagamento de serviços não executados; e indícios de falsificação de notas fiscais.

Além disso, as investigações conjuntas também apontam que a prefeitura de São Bernardo do Campo fraudou informações do Sistema Oficial de Convênios do Governo Federal (Siconv), fez alterações não autorizadas no projeto que causaram aumentos substancias nos custos da obra e cometeu irregularidades no processo licitatório.

Houve, ainda, pagamentos em duplicidade e por serviços não prestados que eram pretensamente comprovados por meio de notas fiscais inidôneas.

A procuradora da República Fabiana Rodrigues de Sousa Bortz, que integra a força-tarefa da Hefesta, disse ontem que a empresa contratada para o empreendimento, a Construções e Incorporações CEI Eirelli, “não tinha empregados, não tinha maquinário, não tinha nada, nem sede ela tinha, mas mesmo assim venceu a licitação”. Em 2010, a empresa contabilizou uma receita de apenas R$ 41 mil.

 

Defesas. A reportagem tentou contato com a companhia por telefone, mas o número que consta no registro da empresa na Receita Federal é de uma residência sem relação com a construtora.

A reportagem também encaminhou e-mail para a empresa, mas não obteve resposta.

Por meio de nota, a prefeitura de São Bernardo do Campo afirmou “ser a maior interessada em que tudo seja esclarecido e está à disposição para fornecer as informações necessárias”.

“A prefeitura tem certeza que nenhum desvio institucional foi cometido nesta obra.”

 

’Não tinha nada’

“(A empresa) não tinha empregados, não tinha maquinário, não tinha nada, nem sede, mas mesmo assim venceu a licitação.”

Fabiana Bortz

PROCURADORA DA REPÚBLICA

 

PARA LEMBRAR

Projeto foi alvo de polêmica

O projeto do Museu do Trabalho e do Trabalhador foi iniciado em 2010, quando o Luiz Inácio Lula da Silva ainda era presidente e o ministro da Cultura era Juca Ferreira (então no PV). A intenção era de que o museu recebesse imagens, objetos e instalações que lembram a história dos trabalhadores, incluindo as greves comandadas pelo expresidente nas décadas de 1970 e 1980. Desde o início, o projeto foi alvo de polêmica pela ligação com o PT e com o próprio ex-presidente. Durante a campanha eleitoral deste ano, o prefeito eleito da cidade, Orlando Morando (PSDB), disse que usaria o espaço para outros fins.