ENTREVISTA - Marcos Lisboa

Alexa Salomão

21/12/2016

 

 

O economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, se espantou com a aprovação do projeto de renegociação das dívidas dos Estados sem as contrapartidas que tinham sido previamente acertadas. “Querem empurrar a conta para o outro que vier lá na frente, na próxima eleição”, diz. Lisboa lembra que essa prática, foi responsável por aprofundar a crise atual e vai agravar ainda mais o cenário: “Ao invés de quimioterapia, querem dar anestesia. Assim não tem cura”. A seguir trechos da entrevista que concedeu ao Estado.

 

Como o sr. viu a aprovação do pacote de socorro aos Estados sem as contrapartidas?

Com muita preocupação. A impressão é que desejam apenas aumentar o endividamento e transferir o problema para o outro que vier lá na frente, na próxima eleição. Vários Estados já são incapazes de pagar as suas despesas correntes e essas despesas vão continuar a crescer. Aí aparecem soluções como securitização de dívidas a receber, de royalties de petróleo. No fundo, estão vendendo receita futura para pagar receita corrente. Ou seja: os problemas vão continuar.

 

Alguns deputados alegaram que as contrapartidas eram “draconianas” e feriam “direitos trabalhistas”. Como o sr. vê esses argumentos?

O que fere os direitos da sociedade é a falta de responsabilidade de gestores públicos que deixam os problemas atingirem o nível de gravidade que vemos hoje. Existe um componente surpreendente nessa crise. Há anos, o problema da previdência dos Estados é conhecido. Há anos, a gente sabe que muitos funcionários recebem acima do teto. Há anos era certo que as Previdências dos Estados se tornariam insustentáveis. Há anos estão empurrando a solução, não fazem as reformas e as mudanças estruturais necessárias. Em 2013 já tinham aumentado endividamento, com aval da União, que é corresponsável por toda essa crise que estamos vendo. Infelizmente, quem vai pagar a conta é a sociedade. Ela vai ter de carregar, sustentar, Estados incapazes de lhe oferecer os serviços básicos necessários.

 

A expectativa agora é o presidente Michel Temer vete...

Da política, eu não sei. Sei é que o diagnóstico está errado desde o início. O problema dos Estados não são as dívidas. São as despesas crescentes, principalmente com a folha de pagamento e a Previdência. Esses problemas não serão resolvidos sem medidas duras, sem reformas profundas. Mas ao invés de quimioterapia, querem dar anestesia para esse doente crônico. Assim não tem cura. Vai ficar pior.

 

 

SEM PEDIR NADA EM TROCA

9/8/2016

Câmara aprova texto da renegociação da dívida dos Estados, que alonga o prazo em 20 anos. Governos ganham carência (suspensão) de pagamento por seis meses e descontos por mais 18. Custo para a União é de R$ 50 bi. Projeto é aprovado com uma contrapartida: a instituição de um teto de gastos por dois anos. Exigências, como veto a reajustes para servidores, caem.

 

13/12/2016

Relator do projeto no Senado, Armando Monteiro (PTB-PE), apresenta parecer incluindo contrapartidas, como suspender contratações por dois anos e elevar a alíquota da contribuição previdenciária de servidores a 14%. Parecer aprovado em comissão vai ao plenário, onde sofre mais mudanças. Teto de gastos é estendido a dez anos. Fazenda articula inclusão do Regime de Recuperação Fiscal de Estados e Distrito Federal, para casos de calamidade. Principal item é suspensão da dívida por até 36 meses.

 

14/12/2016

Plenário do Senado aprova texto com contrapartidas mais duras e inclusão do Regime de Recuperação Fiscal. Texto retorna à Câmara dos Deputados.

 

15/12/2016

Relator do projeto na Câmara, Esperidião Amin (PP-SC), retoma o texto aprovado inicialmente, apenas com uma contrapartida.

 

20/12/2016

Líderes acertam a derrubada de todas as contrapartidas ao regime de recuperação. O líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tentam alternativa. Câmara aprova texto sem contrapartidas.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 44990, 21/12/2016. Economia&Negócios, p. B3.