Gilmar diz que caixa 2 não é sempre ato de corrupção

Rafael Moraes Moura e Breno Pires

20/12/2016

 

 

Justiça Eleitoral. Após delação da Odebrecht, presidente do TSE afirma que análise da chapa Dilma-Temer ficará para o 2º semestre de 2017 se investigação for aprofundada

 

Depois de a delação da Odebrecht apontar que a campanha de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) recebeu dinheiro de caixa 2, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, disse ontem que a prática não significa corrupção ou propina a priori.

Para o ministro, é preciso saber a origem do dinheiro do caixa 2 no âmbito do processo do TSE, que apura se houve abuso de poder econômico e político praticado pela chapa Dilma-Temer.

Em entrevista para fazer um balanço do ano, Gilmar afirmou que, caso as investigações sejam aprofundadas, o julgamento do processo no TSE poderá ficar para o segundo semestre do ano que vem – como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, cabe ao ministro elaborar a pauta das sessões da corte.

“O caixa 2 não revela per se (em si mesmo) a corrupção, então temos de tomar todo esse cuidado. A simples doação por caixa 2 não significa a priori propina ou corrupção, assim como a simples doação supostamente legal não significa algo regular”, disse Gilmar, ressaltando que a Operação Lava Jato desvendou um esquema em que pagamento de propina era disfarçado como doação legal para campanhas de candidatos.

Conforme revelou o Estado ontem, a chapa Dilma-Temer recebeu dinheiro de caixa 2 da Odebrecht na campanha de 2014, segundo delação da empreiteira à força-tarefa da Lava Jato. Em pelo menos um depoimento, a Odebrecht informa que fez doação ilegal de aproximadamente R$ 30 milhões para a coligação que reelegeu a petista e o peemedebista em 2014.

 

‘Mosaico’. Segundo o ministro, há a possibilidade de se ter caixa 2, “puro e simples”, em virtude de uma determinada empresa fazer uma doação às escondidas, assim como os recursos podem ter como origem pagamento de propina.

“Misturou-se tanta coisa que até a doação legal, aquela registrada na Justiça Eleitoral, tem essa contaminação. Temos um quadro de grande insegurança, precisamos ter esse mosaico mais ou menos organizado para que se possa saber o que estamos falando. Há coisas envolvendo delitos fiscais, eleitorais e criminais”, afirmou.

Apesar das declarações de Gilmar, outro ministro do TSE e um outro do Supremo Tribunal Federal ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato acreditam que as novas suspeitas levantadas na delação da empreiteira podem reforçar a tese de cassação da chapa presidencial reeleita em 2014.

Para um deles, a suposta doação ilegal da Odebrecht é mais um elemento a ser considerado no processo, mas será fundamental que a investigação revele o alcance das irregularidades e de que forma os recursos obtidos pela chapa se revestiu em vantagem para a campanha.

“Caixa 2 é abuso de poder econômico”, afirmou essa fonte.

 

‘Mérito’. Para o presidente do TSE, o processo contra a chapa Dilma-Temer é extremamente complexo. “A toda hora muda de configuração, agora, se fala em caixa 2 com muita ênfase, com atribuição a pagamentos. Não se trata de cassar presidente, mas de saber como foi feita a campanha. Só isso terá mérito significativo, saber como as campanhas se faziam até aqui.

Espero que elas não repitam mais esse modo”, afirmou o ministro da corte.

 

PARA LEMBRAR

Relatório fica para 2017

O ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse ao Estado, em entrevista exclusiva publicada no dia 11 de dezembro, que deixou para o começo de 2017, provavelmente fevereiro, a apresentação do relatório-voto na ação que investiga a prática de abuso de poder político e econômico em benefício dos candidatos Dilma Rousseff e Michel Temer nas eleições de 2014. “Neste ano não será mais possível”, afirmou o relator do caso. “Ainda faltam mais perícias, eventuais manifestações das partes sobre elas, avaliação da força-tarefa sobre essas manifestações, alegações finais. E só então é que eu posso elaborar o meu voto. Diante desse quadro, objetivamente, é impossível fazer o relatório neste ano”, afirmou Benjamin.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 44989, 20/12/2016. Política, p. A2.