O Estado de São Paulo, n. 44977, 08/12/2016. Política, p. A8

Decisão é recebida como vitória pelo Planalto

Mantido no cargo, Renan liga para Temer e confirma votação da PEC dos Gastos

Por: Tânia Monteiro / Carla Araújo / Vera Rosa

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter Renan Calheiros (PMDB-AL) no comando do Senado representou uma vitória do Palácio do Planalto, que atuou para salvar o aliado desde segunda- feira, logo após a liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello.

Mantido no cargo, Renan telefonou para o presidente Michel Temer e confirmou para a próxima terça-feira a votação do segundo turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos públicos e é considerada um dos pilares do ajuste fiscal. Também está na pauta a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

O Planalto tenta ainda desconstruir a tese de que houve um “acordão”. “Não é acordão, mas entendimento entre Poderes”, disse um auxiliar.

Temer estava satisfeito com a “retomada da normalidade institucional”, que considera fundamental para devolver estabilidade política ao País e criar condições para o crescimento.

A fórmula encontrada pelo Supremo foi costurada com a ajuda do Planalto, ao longo de anteontem, quando Renan, depois de se recusar a receber a notificação para se afastar da presidência do Senado, se reuniu com o presidente.

O líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), disse que a decisão do Supremo foi muito positiva.

“A partir de agora as votações ocorrerão sem sobressaltos”, afirmou. “Claro que tudo isso deixa sequelas, mas é muito bom ter essa questão resolvida de forma razoável.” Para um assessor do presidente, o importante é afastar o clima de crise entre os Poderes.

“Na política, vaca voa.” A equipe de Temer também avalia que o vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), “contribuiu muito” para o desfecho do imbróglio. “Eu advoguei neste caso em meu desfavor e procurei ajudar para que não houvesse ruptura entre os Poderes”, afirmou Viana.

O governo mandou emissários para conversar com o petista para que, caso assumisse o lugar de Renan, garantisse a votação da PEC do Teto no dia 13.

O senador deu sinais de que não atrapalharia os planos do Executivo, apesar da pressão do seu partido.

 

TV ligada. Temer estava em seu gabinete, no terceiro andar do Planalto, acompanhando a votação com a TV ligada, entre uma audiência e outra. Em todas as conversas, reiterou que a decisão do STF foi “a mais acertada”, já que a garantia da votação da PEC do Teto é “fundamental para o País”.

O presidente insistiu em que o momento é de “atravessar a ponte” e tentar sair da recessão. Se a decisão não fosse essa, a avaliação era de que poderia haver um baque no mercado, com queda das bolsas, nova alta do dólar e fuga de investidores.

Mais cedo, ao sair de uma cerimônia, Temer já havia dito que “seguramente” a PEC seria votada na terça-feira.

 

Críticas. O governo considerou “excessiva” a liminar de Marco Aurélio Mello afastando Renan do cargo. A decisão monocrática, segundo assessores, provocou instabilidade “inaceitável” e “desnecessária”. Isso porque Temer não pretende viajar para o exterior, o que o obrigaria a transmitir o cargo para seu sucessor.

Mesmo em caso de ausência, o segundo na linha sucessória seria o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A única viagem que poderia ocorrer até a saída de Renan do cargo, em fevereiro, seria para Davos, entre 16 e 20 de janeiro, mas não há previsão na agenda.

 

Viagem

Assessores dizem que a possibilidade de Renan Calheiros assumir a Presidência estava descartada, uma vez que Temer não vai nem à posse de Donald Trump.

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'O Supremo resolveu recuar e adotar uma postura política'

Para acadêmico, decisão faz STF correr o risco de enfraquecer sua imagem diante da opinião pública ao favorecer senador

Por: Valmar Hupsel Filho

 

O professor de Direito Público da FGV, Carlos Ari Sundfeld, considera que o Supremo Tribunal Federal adotou uma postura política ao permitir que Renan Calheiros (PMDB-AL) continue na presidência do Senado, mesmo na condição de réu. Essa postura, segundo ele, diminui o Supremo e pode prejudicar sua credibilidade a ponto de ele correr risco de passar a ser alvo de manifestações de rua. A seguir trechos da entrevista ao Estado:

 

Como o sr. avalia a decisão do Supremo em relação a Renan?

O STF claramente resolveu recuar e adotar uma postura política, mais moderada. Portanto, cedeu um pouco na tese que exige ficha limpa (com base na Lei da Ficha Limpa) em função das circunstâncias, numa decisão claramente de acomodação política.

 

O Supremo não se diminui ao decidir politicamente?

Sem dúvida. O STF corre um risco porque sua legitimidade vem da função de aplicar a norma e da coerência que se mantém no tempo. Isto é, nos casos duvidosos, se ele mantém coerente com as interpretações que já fez, legitima-se. Neste momento, ele acabou flexibilizando algo que já tinha sinalizado. Agiu de maneira que, de algum, modo vai gerar o enfraquecimento da sua imagem pública. Não se trata de uma questão nova, que aparece pela primeira vez. Os ministros já vinham dando a interpretação de que a ficha limpa era algo essencial para exercer o cargo de presidente do Senado. No caso concreto, quando o presidente do Senado faz uma pressão política violentíssima, o STF vem e diz: “Bem, continua sendo verdade aquilo, mas, nesse caso específico, não precisamos aplicar”.

Isso mostra um tribunal com pouca força, a que vem da coerência. Neste momento, o tribunal adotou uma postura que vai lhe custar a acusação de que é pouco coerente em questões-chave.

 

Quais são as consequências?

O Supremo pode se colocar pela primeira vez como alvo da ira da população e ocorrer uma divisão interna dentro do mundo da Justiça, porque parte importante da opinião pública esclarecida via na Justiça um caminho de reforma do País. E se a opinião pública passar a duvidar dele, seu enfraquecimento poderá fazer com que ele seja alvo, inclusive, de manifestação de rua. E isso pode enfraquecer o Supremo quando ele precisar agir de maneira forte, como já agiu em outras circunstâncias, como no caso do afastamento de Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara), na prisão do (ex-senador) Delcídio (Amaral).

 

Houve a justificativa de que o afastamento de Renan criaria uma crise institucional, mas não se viu essa mesma cautela no caso do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Não há uma incoerência?

Não tenha a menor dúvida.

 

Como explicar para a população que um réu pode ocupar a presidência de um Poder, mas não de outro?

Não faz muito sentido. É uma decisão que não tem coerência interna porque se a Constituição estabeleceu um princípio, que impede o exercício de um réu na Presidência da República, e era isso que o Supremo vinha dizendo antes. Parece ter sentido que esse mesmo princípio se aplique ao exercício em funções de relevância, como o de presidente da Câmara e do Senado. Quando se abre essa exceção, ao menos para o caso concreto, o Supremo está confrontando a ideia de ficha limpa, que se tornou obrigação legal por conta de um projeto de lei com maciço apoio popular.

 

Além da perda de credibilidade do Supremo, qual a consequência jurídica dessa decisão?

É uma situação muito específica a de haver um réu na presidência do Senado. Então, como precedente, não vale tanto. Agora, isso retém algo que poderia ser um movimento de avanço da ideia de ficha limpa. Porque se o Supremo acompanhasse o ministro Marco Aurélio (de afastar Renan), viria a mesma exigência de ficha limpa aplicada em outras situações para presidentes de Assembleias, Câmaras etc.. Isso teria um efeito dominó, que o STF segurou.

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Tucano ganha força para assumir Secretaria de Governo

Imbassahy assistiu com Temer a julgamento de Renan; deputado deve assumir vaga aberta após saída de Geddel
 
Por: Vera Rosa / Tânia Monteiro
 

O líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA), ganhou força para ocupar a Secretaria de Governo, vaga desde o dia 25 do mês passado, quando Geddel Vieira Lima caiu, na esteira da crise política. No mesmo dia em que o Palácio do Planalto obteve uma vitória no Supremo Tribunal Federal (STF), com a manutenção de Renan Calheiros (PMDB-AL) no comando do Senado, o presidente Michel Temer intensificou as conversas para dar mais espaço ao PSDB na equipe.

Imbassahy se reuniu ontem com Temer no Palácio do Planalto.

Ele acompanhou os governadores tucanos Beto Richa (PR) e Marconi Perillo (GO), além do senador Paulo Bauer (PSDB-SC), para a discussão do ajuste das contas estaduais. Todos assistiram com o presidente, pela televisão, a trechos da sessão do STF que decidiu pela permanência de Renan. Em conversas reservadas, aliados dizem que o líder do PSDB na Câmara assumirá a vaga de Geddel na próxima semana.

O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), trabalhou para emplacar Imbassahy – ex-governador da Bahia e exprefeito de Salvador – na Secretaria de Governo, que é responsável pela articulação do Planalto.

Embora uma ala do partido avalie que essa função representa “mais ônus do que bônus”, a direção da sigla acredita que se trata do primeiro passo para o PSDB ter assento no “núcleo duro” do Planalto.

Geddel foi abatido após ter sido acusado pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero de tentar interferir para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) alterasse decisão que embargou a construção de um prédio de luxo, nos arredores de uma área tombada, em Salvador. Geddel comprou na planta um apartamento.

A crise política se agravou com o imbróglio envolvendo Geddel e, desde então, Temer tem dito, nos bastidores, que vai escolher com “muita cautela” o seu sucessor. O PSDB quer maior protagonismo no governo e também gostaria de ser mais ouvido sobre os rumos da política econômica.

Desde que vieram à tona notícias de que os tucanos querem “fritar” o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, porém, criou-se um clima de constrangimento.

Temer não gostou das críticas do PSDB e saiu em defesa de Meirelles.

Disputa. Interlocutores do presidente disseram ao Estado que ele só não anunciou Imbassahy ainda porque espera acalmar os ânimos da bancada do PMDB na Câmara. “É claro que ter mais um quadro do PMDB na Secretaria de Governo seria motivo de orgulho para nós, mas este não é um governo do PMDB; é de todos”, contemporizou o deputado Mauro Pereira (PMDB-RS).

Na semana passada, Imbassahy viajou com Temer, de Brasília para São Paulo. Tanto essa viagem como suas “incursões” na articulação política, ao lado de governadores do PSDB, provocaram “ciúmes” nos peemedebistas. / V.R. e T.M.