O Estado de São Paulo, n. 44977, 08/12/2016. Política, p. A11

ImpeachmentdeTemer deve tramitar,diz ministro

Em ofício à Câmara, Marco Aurélio Mello questiona por que comissão para analisar afastamento do presidente não foi instalado após liminar

Por: Julia Lindner e Igor Gadelha

 

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), cobrou ontem, explicações da Câmara dos Deputados sobre a demora na instalação da Comissão Especial de Impeachment do presidente Michel Temer. Em abril, ele havia ordenado ao então presidente da Casa, deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-AL), a criação de um colegiado para analisar o pedido de impedimento.

O atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que ainda está à espera das indicações dos líderes para formar o colegiado. Na época da decisão de Marco Aurélio, Cunha, contrariado, só aceitou a denúncia por crime de responsabilidade contra Temer após ordem judicial. Ele cumpriu parcialmente a determinação: criou a comissão, mas fez um acordo nos bastidores com os líderes de partidos aliados para que ninguém indicasse os membros do órgão.

Oito meses depois, apenas 16 dos 66 membros titulares foram sugeridos pelas legendas e a comissão ainda não foi instalada. Ontem, então, Marco Aurélio encaminhou um ofício ao comando da Câmara com o pedido de esclarecimentos.

Na época da denúncia, Temer ainda era vice-presidente da República. O advogado responsável pela queixa, Mariel Márley Marra, alega que Temer cometeu os mesmos crimes de responsabilidade atribuídos à presidente cassada Dilma Rousseff, ao assinar, como interino, quatro decretos para autorizar a abertura de crédito suplementar sem consentimento do Congresso Nacional e em desacordo com a meta fiscal vigente.

Para Marra, como os partidos estão descumprindo a ordem judicial, caberia ao atual presidente da Câmara indicar os membros da comissão. Até o momento, apenas PEN, PCdoB, PT, PR, PMB, PDT, Rede, PSOL E PTdoB fizeram as indicações.



À espera. Maia afirmou ontem que já havia recebido o ofício de Marco Aurélio. “Já recebemos e vamos responder com toda clareza, até usando argumentos do próprio ministro Marco Aurélio anteriormente”, disse ele em entrevista coletiva.  De acordo com Maia, em uma ação sobre o processo de impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff, o próprio Supremo “deixou claro” que não cabe ao presidente da Câmara indicar membros da comissão no lugar dos líderes. 
“Ela (comissão) não foi instalada porque essa é atribuição dos líderes, e os líderes ainda não indicaram os membros. Isso é uma casa política, a decisão política dos líderes foi essa”, afirmou o presidente da Câmara.



Respeito. Maia ressaltou que vai seguir as diretrizes do STF. “Essa foi a decisão do Supremo na ação que tratou do julgamento do processo de impeachment da presidente Dilma. É a decisão do próprio Supremo. E acho que não devo desacatar o próprio Supremo.”

Em abril, Marco Aurélio concedeu liminar determinando a instalação da comissão especial. A maioria dos líderes da hoje base aliada de Temer, porém, ignorou a decisão e não indicou os membros para o colegiado. No mês passado, Marra questionou o STF sobre os motivos de a Câmara não cumprir a decisão judicial, o que levou o ministro a pedir os esclarecimentos.

 

Partidos. Maia diz que indicação é atribuição de líderes

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A imperdoável mágoa de Dilma com Meirelles

Livro diz que petista vetou atual ministro em seu governo porque ele queria ser o candidato em 2010

Por: Ricardo Galhardo

Não foram apenas divergências em relação à economia e o histórico de rusgas acumuladas durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva que fizeram a então presidente Dilma Rousseff resistir à nomeação do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda como substituto de Joaquim Levy, segundo conta um dos ex-assessores da petista em livro a ser lançado hoje.

“Além das diferenças do que fazer na economia, havia um motivo pessoal para ela recusar toda a pressão feita em nome de Henrique Meirelles: Dilma jamais perdoaria o ex-presidente do Banco Central pela reação deste quando ela descobriu que tinha câncer, já candidata à Presidência da República em 2010 (na verdade em 2009). A então ministra soube que Meirelles aproveitara a notícia para dizer a Lula que se Dilma não se recuperasse, ele estaria ali, com saúde e à disposição para ser o candidato.”

O episódio, negado por Meirelles, recheia “À Sombra do Poder” (editora Leya), do jornalista e cientista político Rodrigo de Almeida. Em 219 páginas Almeida, que foi assessor de imprensa de Levy e secretário de Imprensa da Presidência da República entre abril de 2015 e maio de 2016, relata, de um ponto de vista privilegiado, histórias de bastidores sobre o processo que levou ao impeachment de Dilma. Entre elas a desavença com o atual ministro da Fazenda.

 

Solidário no câncer. “Em nome da sua vontade incessante de ser presidente da República, Meirelles não foi solidário nem no câncer, ela (Dilma) pensou, num raciocínio que evidentemente nunca externou em público”, escreve Almeida.

Meirelles, por meio de sua assessoria, negou enfaticamente que tenha feito a movimentação. “Essa história é falsa e jamais ocorreu. Eu não cometeria essa indelicadeza. O autor demonstra desconhecimento dos eventos e das minhas características pessoais”, disse o ministro ao questionamento feito pelo Estado.

Boa parte do livro é dedicado à relação entre Dilma e o então vice-presidente Michel Temer, começando pelo esforço do peemedebista para recompor a relação entre o Planalto e o Congresso no início do segundo mandato da petista, “dinamitado” pelo então ministro da Casa Civil Aloizio Mercadante.

“O ex-presidente Lula havia tentado pacificar o PMDB no início do segundo mandato. Mercadante dinamitou a estratégia. Dilma ainda fez uma tentativa quando Temer assumiu a coordenação política, em abril de 2015, mas se esqueceu de tirar Mercadante do caminho.”

Segundo o livro, a presença de Mercadante no caminho de Temer não foi um ato de inabilidade de Dilma mas, ao contrário, um primeiro sinal de desconfiança da presidente em relação ao vice.

 

O vice. “Dilma sabia, no entanto, da movimentação de seu vice. Sabia que Cunha o avisou previamente da decisão de aceitar o pedido de impeachment contra ela. Sabia que uma parcela significativa do PMDB discutia com setores do governo e da oposição sobre o dia seguinte à sua queda”.

A ruptura, no entanto, só se tornaria pública em abril de 2016, quando vazou o áudio de um possível discurso de posse de Temer. “Não estou acreditando. Eu não ouvi direito ou ele mostrou a todos que é, de fato, um golpista”, reagiu Dilma, segundo Almeida.

O jornalista também relata com riqueza de detalhes o longo processo de fritura de Levy. Segundo ele, Dilma soube da demissão do auxiliar quando um repórter telefonou para repercutir a informação. “A presidente balançou a cabeça em sinal de reprovação e sorriu para mim como quem pergunta: 'O que posso fazer?!'”.

Antes disso, em setembro de 2015, Dilma havia recebido uma visita do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, descrito como um dos mais próximos conselheiros da presidente. “Naqueles dias de tensão, muita gente primeiro torcera o nariz contra a visita. Mas uma segunda conclusão sugeriu que Trabuco era, no fundo, o portador de uma importante mensagem do sistema financeiro para a presidente da República. Nas entrelinhas, ele lhe dizia:'se Joaquim Levy não for fortalecido no seu papel de ministro da Fazenda, os bancos tiram o apoio ao governo'”.

O livro será lançado na Casa do Saber, no bairro do Itaim Bibi, na zona sul de São Paulo.

 

 

À Sombra do Poder
Autor: Rodrigo de Almeida
Editora: Leya (224 págs., R$ 39,90)