Título: Esplanada da bisbilhotagem
Autor: Correia, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 27/11/2011, Política, p. 8

Parlamentares criticam tentativa do Senado, revelada pelo Correio, de comprar equipamento que rastreia grampos %u2014 ou os instala

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O pedido de compra de quatro maletas para rastreamento de grampos telefônicos e escutas ambientais, noticiado com exclusividade na semana passada pelo Correio, evidenciou a crescente tensão na Esplanada com a possibilidade de instalação de grampos em gabinetes ministeriais e de parlamentares. Os aparelhos cobiçados por serviços de segurança e de polícia de diferentes órgãos servem tanto para rastrear escutas quando para executar essa tarefa. Assim, a existência deles em número crescente faz aumentar - não diminuir - a sensação de insegurança.

"O fato é que existe, hoje, um Estado policial, e o incômodo com isso é evidente. Eu mesmo já tive informações de que fui grampeado várias vezes", diz o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Apesar da necessidade de se defender de grampos ilegais, o senador critica a possibilidade de a Polícia Legislativa do Senado investir em atividades de contrainteligência e afirmou que pedirá informações ao primeiro-secretário da Mesa Diretora do Senado e companheiro de partido Cícero Lucena (PB) sobre o processo de compra das maletas. "Esse é, por si, um fato inusitado e sem explicação. Acho que uma instituição como o Senado Federal tem coisas mais cruciais para se preocupar do que se este ou aquele senador está grampeado", criticou Dias.

Partiu do Serviço de Tecnologia e Projetos da Polícia do Senado (Setpro) o pedido para a compra do kit antiespionagem, sob a alegação da existência de "elevada demanda" por serviços de detecção de escutas na Casa. Na avaliação do deputado Protógenes Queiróz (PC do B-SP), delegado licenciado da Polícia Federal, a Polícia Legislativa do Senado não tem qualificação suficiente para trabalhar com a interceptação de grampos.

Polícia Federal "A Polícia Federal é, hoje, o único órgão que reúne a experiência necessária para lidar com dados de vigilância eletrônica ao amparo legal para exercer essa atividade", analisa o deputado. "Defendo inclusive que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e os setores de inteligência militar poderiam, hoje, já ter esse tipo de atribuição. Fora desses âmbitos, a atividade passa a ser pura bisbilhotagem".

Também delegado licenciado da Polícia Federal, o deputado Fernando Francischini (PSDB-PR) levanta uma questão ainda mais grave sobre a compra do kit antiespionagem pela Polícia Legislativa: a possibilidade de os equipamentos de detecção de escutas serem usados para identificar grampos legais, autorizados pela Justiça.

"O absurdo começa quando se pensa que um agente comum de campo passa a ter acesso a um equipamento que só deve ser operado pela polícia especializada, um equipamento que pode, sim, detectar escutas oficiais. Qual o interesse disso?", questiona Francischini. O deputado lembra que o Legislativo tem a prerrogativa de acionar a Polícia Federal para fazer varreduras em qualquer ambiente onde exista a suspeita de existência de grampos ilegais. O Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal (INC) é o órgão encarregado de investigar a existência de escutas, nesses casos. Segundo o Correio apurou, órgãos como o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também contam com equipamentos de rastreamento.

Hoje, a instalação de grampos legais obedece a regulamentações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo o último levantamento da CNJ, até agosto, ao menos 17,1 mil linhas telefônicas foram monitoradas por decisão da Justiça, só neste ano.

Acho que uma instituição como o Senado Federal tem coisas mais cruciais para se preocupar do que se este ou aquele senador está grampeado" Senador Álvaro Dias (PSDB-PR)