No Senado, Moro fala em 'criminalização'

Isadora Peron, Isabela Bonfim, Julia Lindner e Fabio Serapião

02/12/2016

 

 

Juiz de Curitiba diz que não é momento para votar ‘abuso de autoridade’; Gilmar afirma que não se pode esperar ‘ano sabático’ das operações

 

Responsável pela Operação Lava Jato, o juiz federal Sérgio Moro foi alvo de críticas e embates com senadores e até mesmo com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), durante evento no Senado para tratar do projeto que revisa a lei de abuso de autoridade. Após os questionamentos, Moro afirmou não ter dúvidas de que a proposta tem como objetivo “criminalizar” as investigações sobre o esquema de corrupção da Petrobrás.

O principal ataque partiu do líder da oposição no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ), que teve a sua investigação arquivada na Lava Jato. O petista criticou a atuação de Moro nas investigações que miram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O magistrado foi o responsável por autorizar a condução coercitiva de Lula e também por liberar a divulgação, em março, de conversas telefônicas entre o ex-presidente e a então presidente Dilma Rousseff.

“Sei que Vossa Excelência é uma figura muito importante, mas não está acima da lei”, disse o senador petista.

Moro, por sua vez, reagiu e afirmou perceber na fala do senador a tentativa de criminalizar a operação. Para o juiz, o petista deixou claro que considera que ele, ao conduzir as investigações sobre o esquema de corrupção na Petrobrás, cometeu abuso de autoridade e deve ser punido. “Parece-me claro que a intenção que subjaz, não digo em relação a todos, é de que o Projeto de Lei de Abuso de Autoridade seja usado especificamente para criminalizar condutas de autoridades envolvidas na Operação Lava Jato”, disse o juiz de Curitiba.

Em sua fala inicial, Moro afirmou acreditar que este não era o momento ideal para votar um projeto sobre abuso de autoridade e isso poderia passar “uma mensagem errada à sociedade brasileira”. “Independentemente das intenções dos ilustres senadores e senadoras, uma nova lei de abuso de autoridade poderia ser interpretada no presente momento como tendo o efeito prático de tolher investigações e persecuções penais”, disse.

 

‘Sabático’. Gilmar, por sua vez, rebateu a posição de Moro. “Qual seria o momento adequado?”, questionou. “Teríamos que, daqui a pouco, então, buscar um ano sabático das operações para que o Congresso pudesse deliberar sobre um tema como este? Não faz sentido algum.” O ministro do STF afirmou que a Operação Lava Jato “não precisa de licença especial” para fazer investigações e os instrumentos que existem hoje são “mais do que suficientes”.

Gilmar disse que está “absolutamente convencido” da necessidade de se atualizar a lei, pois há situações inequívocas de abuso.

“Quando alguém fica preso por 11 anos provisoriamente, creio que não há dúvida de que há abuso. Então, a mim me parece que é oportuno que se discuta esse projeto.” Moro e o ministro do STF também divergiram sobre o pacote das medidas anticorrupção que foi aprovado pela Câmara.

Enquanto o juiz da Lava Jato fez um apelo para que os senadores alterassem a proposta, Gilmar elogiou as mudanças.

A principal crítica de Moro foi quanto à inclusão da possibilidade de punir magistrados e integrantes do Ministério Público por crime de abuso de autoridade.

“Essas emendas da meianoite, que não permitem uma avaliação por parte da sociedade, que não permitem um debate mais aprofundado por parte do Parlamento, não são apropriadas tratando de temas assim tão sensíveis”, disse.

Gilmar afirmou que a Câmara “andou bem” ao retirar itens que tratavam da restrição da concessão de habeas corpus e do uso de provas ilícitas obtidas por boa-fé. O ministro também ironizou o apoio popular que o pacote das dez medidas anticorrupção, apresentado pelo Ministério Público Federal, recebeu, reunindo mais de 2 milhões de assinaturas. “Duvido que esses 2 milhões de pessoas tivessem consciência disso, ou de provas ilícitas, lá no Viaduto do Chá.

Não vamos canonizar iniciativas populares.” / ISADORA PERON, ISABELA BONFIM, JULIA LINDNER e FABIO SERAPIÃO

 

Audiência. Gilmar Mendes, do STF, Renan Calheiros, presidente do Senado, e juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, debateram lei de abuso de autoridade

 

 

EMBATES

“Parece-me claro que a intenção é de que o projeto de abuso de autoridade sirva para criminalizar condutas de autoridades na Lava Jato.”

Sérgio Moro

JUIZ FEDERAL

 

“O que eu quis dizer aqui é que ninguém está acima da lei, nem o juiz nem um senador, ninguém está acima da lei.”

Lindbergh Farias (SP)

SENADOR DO PT, QUE CITOU GRAVAÇÕES ENVOLVENDO DILMA E LULA

 

“Não que as medidas não poderiam ser discutidas. Talvez não seja o momento mais oportuno, dada a contaminação das paixões.”

Sérgio Moro

JUIZ FEDERAL

 

“Teríamos que, daqui a pouco, então, buscar um ano sabático das operações para que o Congresso pudesse deliberar sobre um tema como este?”

Gilmar Mendes

MINISTRO DO SUPREMO

 

 

O Estado de São Paulo, n. 44971, 02/12/2016. Política, p. A6.