Hora da recuperação
Julia Chaib, Patrícia Rodrigues e Maiza Santos
01/01/2017
ANO-NOVO, VELHOS PROBLEMAS » Dois gargalos crônicos, as áreas de educação e segurança pública sofreram com a mudança de governo em 2016, a falta de recursos e de planejamento a longo prazo
Segurança pública e educação, duas áreas complementares nas quais o país vem sendo reprovado nos últimos anos, tampouco apresentam boas perspectivas para 2017. Em mais uma reportagem da série Ano-novo, velhos problemas, especialistas dos dois setores apontam tudo o que deu errado até aqui e o que precisa ser melhorado a partir de agora. “Ficamos presos ao discurso fácil e, muitas vezes eleitoreiro, de mais armas e mais viaturas para enfrentar o crescente poder de fogo dos criminosos”, criticou o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. “É hora de rever as metas. Educação é um dos maiores bens, independentemente de crise econômica e política”, alertou o professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) Célio da Cunha.
Em um ano no qual o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff fez com que o país começasse com um governo e saísse dele com outro, as trocas de equipes nas duas pastas — Justiça e Educação — complicaram ainda mais as coisas. Só na Justiça foram três ministros diferentes ao longo dos últimos 12 meses. Para Renato Lima, a segurança segue como um dos calcanhares de Aquiles da democracia brasileira.
Ele ressalta como um ponto positivo do ano que passou a aprovação do Projeto de Lei que cria a Lei de Acesso à Informação em Segurança Pública, pela Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados. “Desfez-se o mito de que dados são inimigos da segurança e passa-se a incentivar a ideia de otimizar o trabalho policial por intermédio do uso intensivo de informações e de análises criminais, tal como é feito nas democracias mais pacíficas e consolidadas do mundo”, diz o especialista.
Ausência de metas
Sociólogo, professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal, Arthur Trindade diz não conseguir citar avanços efetivos na área em 2016. “Tivemos um momento de turbulência, onde tudo ficou parado. E depois assumiu o ministro Moraes (Alexandre Moraes), anunciando um plano de segurança, que ainda não merece sequer o nome de plano. Não está claro como é, não sabemos as metas, só os eixos”, afirma. “Os dados que temos dizem que a violência se concentra nas cidades de interior. Então, há um problema de foco. Aparentemente, esse plano foi feito sem ler os números”, critica. O ex-secretário considera a proposta muito evasiva. “Ele tem um primeiro eixo que é a redução de homicídios. Me parece razoável. O problema é que não estabelece metas nem objetivos a serem alcançados pelos estados. Tem uma série de ações muito genéricas. Nós precisamos de metas”, afirma.
Outra reclamação feita por Trindade é em relação a uma medida provisória publicada no fim de 2016 determinando a destinação de 30% do saldo do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para o Fundo Nacional de Segurança Pública. Hoje, o fundo tem cerca de R$ 3 bilhões e acaba com boa parte das verbas congestionadas. “O Funpen é pouco executado. Chega a ser abaixo de 50% dos recursos. Há vários problemas. Nenhum município quer receber uma penitenciária. Ainda assim, é importante deixar o recurso com ele”, avalia.
A exemplo da segurança, a educação também sofreu um processo de descontinuidade com a troca de guarda no governo federal. Mas a situação ficou de fato crítica após duas propostas centrais enviadas pela gestão Michel Temer ao Congresso Nacional: a emenda constitucional que estabelece um limite de teto aos gastos públicos ao longo dos próximos 20 anos e a medida provisória que propõe uma reforma do ensino médio. Escolas foram ocupadas em todo o país, ruas foram tomadas para manifestação e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve de ser realizado em duas etapas.
Ensino médio
A protagonista do ano foi a MP do Ensino Médio (nº 476), aprovada pela Câmara dos Deputados no último mês e na espera para ser apreciada no Senado. De acordo com o texto, os alunos poderão cursar disciplinas obrigatórias como português, matemática e inglês e terão a possibilidade de escolher os demais temas que desejam estudar. As disciplinas obrigatórias foram determinadas com fundamentos da Base Nacional Comum (BNC), que ainda não existe. A BNC, prevista no Plano Nacional de Educação (PNE), deveria ter sido aprovada em julho, mas foi adiada para 2017. “Não se pode basear uma reforma em algo que não existe”, criticou o professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília Erasto Fortes Mendonça.
Erasto também demonstra preocupação com o estabelecimento de limites para os gastos públicos. “As crianças não param de nascer e crescer. Como o governo pode ofertar educação se não tem recursos? O contingenciamento ocorrerá”, preocupa-se Mendonça. Somam-se a isso os péssimos resultados obtidos pelos estudantes brasileiros nos índices que medem a qualidade no setor, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Para o professor Remi Castioni, da UnB, o Governo do Distrito Federal (GDF) precisa trabalhar para melhorar os resultados. “Brasília tem professores com os melhores salários e mais titulados em comparação aos demais estados, mas os resultados não refletem isso”. Segundo o professor, a capital federal, que é uma exceção, precisa se espelhar em projetos que deram certo e aprimorar a gestão, uma vez que já tem profissionais capacitados.
Para manter os docentes estimulados a ministrarem boas aulas, Remi acredita que os estados e municípios devem pagar os pisos salariais e criar planos de carreira. Uma pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), realizada em março, constatou que mais da metade dos estados não cumpre o salário estipulado na lei do piso dos professores, que é R$ 2.135,64.
Muda-se a etapa educacional, das séries iniciais para o ensino superior, mas as dificuldades permanecem. Em setembro, 1,8 milhão de estudantes tiveram problemas em renovar o financiamento do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) após bancos se recusarem a realizar o aditamento dos contratos por falta de pagamento do governo. Desde julho, o Estado não repassava R$ 700 milhões para o Banco do Brasil e para Caixa Econômica Federal, agentes financeiros do Fies. O sentimento de insegurança se espalhou entre os alunos e foi necessário o Congresso aprovar a liberação de R$1,1 bilhão em crédito adicional para a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e quitar as dívidas do fundo.
*Estagiária sob a supervisão de Paulo de Tarso Lyra, repórter especial de Política
Frases
“Ficamos presos ao discurso fácil de mais armas e mais viaturas para enfrentar o crescente poder de fogo dos criminosos”
Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
“É hora de rever as metas. Educação é um dos maiores bens, independentemente de crise econômica e política”
Célio da Cunha, professor da Universidade Católica de Brasília
Onde melhorar - A opinião de especialistas sobre o que precisa ser melhorado nas áreas de educação e segurança pública
EDUCAÇÃO
Esfera federal
» Aprovar a Base Nacional Comum;
» Desburocratizar a universidade;
» Criar sistemas de financiamento mais estáveis;
» Ampliar a distribuição de recursos para estados e municípios;
Esfera estadual
» Capacitar profissionais;
» Oferecer mais vagas para os ensinos fundamental e médio;
» Aprimorar a gestão e replicar boas práticas que deram certo;
Esfera municipal
» Ampliar a oferta de vagas para creches;
» Criar plano de carreira para os professores;
» Pagar o piso salarial aos profissionais da educação.
SEGURANÇA PÚBLICA
Federal
» Uma nova política penitenciária;
» Estabelecimento de parcerias entre as forças de segurança;
» Planos de accountability, obrigando a prestação de contas às instâncias controladoras;
» Estabelecimento de metas específicas e factíveis no Plano Nacional de Segurança;
» Debate sobre a eficácia das ações de combate ao tráfico de drogas;
Estadual
» Implementação de programas de segurança pública específicos, focando na redução de homicídios;
» Debater a unificação das polícias civil e militar.
Municipal
» Estabelecimento de divisões de atribuições entre polícia militar e guarda municipal;
» Priorizar o combate ao crime, não apenas ao criminoso
Correio braziliense, n. 19578, 01/01/2017. Política, p. 2.