O Estado de São Paulo, n. 44987, 18/12/2016. Política, p. A8

Sem presidir, Renan terá aliados em comissões

Senador deixará presidência e vai assumir liderança do PMDB e pôr parceiro na CCJ

Por: Isabela Bonfim

 

Renan Calheiros (PMDB-AL) deixará a presidência do Senado em fevereiro do próximo ano, mas permanecerá no epicentro do poder da Casa. Com o intuito de se blindar contra o aprofundamento dos processos que enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF), o peemedebista não voltará à condição de um senador comum. Ele pretende articular seus pares para indicar os aliados mais fiéis para a composição da Mesa Diretora e das principais comissões da Casa.

Sem a blindagem do cargo de presidente, Renan vai assumir a liderança do PMDB e confiar a seus aliados postos-chave. O enredo será semelhante ao seguido no início de 2015, quando foi reconduzido ao comando do Senado.

À época, ele bancou a montagem de uma Mesa leal que pôs o PSDB longe do poder e da divisão de cargos. O resultado de sua estratégia pôde ser visto neste mês – seu grupo endossou o desacato à decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, que o afastava da presidência do Senado.

Renan chega a 2017, porém, com algumas desvantagens.

Além de perder a prerrogativa de presidente do Congresso Nacional, o que lhe assegura decisões em favor próprio, passou de investigado a réu no Supremo, acusado por crime de peculato no caso de suposto pagamento de contas por uma empreiteira em um relacionamento extraconjugal. Além disso, Renan foi denunciado na Lava Jato e responde a 12 processos no STF.

Agora o PSDB ganhou espaço no governo Michel Temer – antes era oposição da presidente cassada Dilma Rousseff – e terão suas vagas na Mesa e em comissões.

Renan, contudo, já costura a participação de tucanos de perfil mais conciliador.

Os aliados de Renan deverão assumir a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), principal órgão colegiado da Casa, além do Conselho de Ética, para onde são enviados processos de suspensão e cassação de mandatos. Hoje, os cargos são ocupados, respectivamente, por José Maranhão (PMDB-PB) e João Alberto Souza (PMDB-MA) – senadores próximos tanto de Renan quanto de José Sarney. A ideia é manter nas funções aliados cumpridores de ordem.

De posse da liderança do PMDB, Renan ficará responsável pela indicação da maior parte dos membros de seu partido às comissões da Casa. Ele ainda deterá força de barganha com os demais senadores da bancada.

 

Cargos. Renan também trabalha para aparelhar cargos cruciais da estrutura do Senado e que não são ocupados por parlamentares, como a Advocacia- Geral do Senado, a Secretaria- Geral da Mesa e a Polícia Legislativa.

O advogado-geral é o responsável, por exemplo, pela elaboração de pareceres que o Senado envia ao Supremo. Atualmente, o cargo é ocupado por Alberto Cascais, chefe de gabinete de Renan.

A maior dificuldade estaria em pactuar todas essas indicações com Eunício Oliveira (PMDB-CE), principal candidato à presidência do Senado. De acordo com interlocutores do PMDB, Eunício estaria disposto a abrir mão de indicações na Mesa Diretora para não criar disputas internas no partido nem dificultar sua própria indicação.

Entretanto, ele gostaria de colocar seus aliados na Advocacia- Geral e na Secretaria-Geral.

À semelhança de como agiu nos últimos anos, parlamentares acreditam que a atuação de Renan fora da presidência do Senado deve ser alinhada com o governo – independentemente de quem esteja no comando.

Durante o impeachment, Renan defendeu até onde pôde a ex-presidente Dilma Rousseff, com uma cartada final que permitiu que, mesmo afastada, a petista pudesse ocupar cargos públicos.

Rapidamente, migrou para o governo Temer e defendeu a agenda do Planalto, tendo papel decisivo na manobra que permitiu a contagem do prazo e a manutenção do calendário para aprovação da PEC do Teto.

 

CRONOLOGIA

Percalços do peemedebista

1º de dezembro

Réu por peculato

O STF torna Renan Calheiros réu sob acusação de desvio de recursos da verba indenizatória do Senado por meio da contratação de locadora de veículos em 2005.

 

5 de dezembro

Afastamento

O ministro do STF Marco Aurélio Mello concede medida liminar afastando Renan da presidência do Senado, no âmbito de ação ajuizada pela Rede que pede que réus não possam estar na linha sucessória da Presidência.

 

6 de dezembro

Decisão não cumprida

Renan desafia a decisão de Marco Aurélio e se recusa a receber a notificação judicial antes da decisão do plenário do Supremo.

 

7 de dezembro

Manutenção no cargo

Plenário do Supremo decide, por 6 votas a 3, manter Renan no comando do Senado, mas o impede de assumir a Presidência em caso de ausência de Michel Temer.

 

12 de dezembro

Denunciado na Lava Jato

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, oferece ao STF denúncia contra Renan em um dos inquéritos contra o peemedebista no âmbito da Lava Jato.

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PMDB é ‘coadjuvante’ mais bem-sucedido da América Latina

Estudo mostra que partido é o que mais teve sucesso entre os que evitam disputas presidenciais e focam no Legislativo

Por: Alexandra Martins

 

O PMDB vive no centro da crise política atual. Para o Palácio do Planalto, o partido virou a bola da vez dos investigadores da Lava Jato. Agora no poder, o PMDB é o partido mais exitoso entre os que têm vivido na zona de conforto das disputas presidenciais na América Latina. Essa é uma das conclusões do estudo financiado pela Fundação Getulio Vargas – Muito Difícil de Administrar, Muito Grande para Ignorar –, dos pesquisadores Carlos Pereira, Samuel Pessôa e Frederico Bertholini.

O trabalho, inédito com previsão de lançamento no Brasil no próximo trimestre, localizou partidos de toda a região com características atribuídas formalmente ao PMDB. A identidade peemedebista, portanto, consiste em partidos com ampla distribuição nacional, grande representação legislativa nos municípios e Estados, fragmentação interna por interesses regionais e individuais, ideologia amorfa e sem uma agenda política definida.

Esse perfil é denominado na pesquisa como “legislador mediano”, ou seja, partido coadjuvante em presidencialismo multipartidário que prefere atuar nos domínios legislativos a apresentar candidatos competitivos em disputa majoritária. Vive sem correr muitos riscos.

“São partidos que preferem trilhar um caminho fundamentalmente legislativo ao não apresentar candidatos competitivos para a Presidência da República.

Ou seja, têm grande flexibilidade política e ideológica para fazer parte de governos com perfil mais liberal ou mais conservador”, diz o cientista político Carlos Pereira.

Na América Latina, o PMDB é o partido que aproveita mais as oportunidades da condição de legislador mediano. Essa trajetória começou com a derrota de seu último candidato ao Palácio do Planalto, Orestes Quércia, em 1994. Manteve-se nessa posição até o impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff, em maio deste ano. A partir daí, tornou-se majoritário sem ter lançado candidato à Presidência em 2014. “As derrotas eleitorais de Ulysses (Guimarães, em 1989) e Quércia geraram não apenas perdas dos seus respectivos candidatos à Presidência, mas também para o partido em todas as esferas municipal, estadual e legislativa. Essas derrotas foram um duro aprendizado para o PMDB, pois ajudaram a solidificar uma trajetória eminentemente legislativa para o partido”, confirma Pereira.

A chegada não programada teria gerado desconforto entre seus quadros, segundo os pesquisadores.

“Com o impeachment, foi alçado à trajetória majoritária presidencial, o que gerou bastante desconforto e resistências de algumas de suas lideranças regionais que não estavam tão dispostas a correr os maiores riscos inerentes dessa rota. Desde que o presidente Temer assume a Presidência, várias lideranças do PMDB pagaram preços muito altos, tais como Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Geddel Vieira Lima, entre outros”, aponta.

A mudança de posição do PMDB lançou automaticamente o PSDB à uma colocação provisória de partido mediano, no sentido definido pela pesquisa daquele que desempenha um papel de apoio à atual Presidência, ainda que tenha apresentado candidatos ao Palácio do Planalto em todas as eleições majoritárias do período da redemocratização.

“Para mim, o PSDB é hoje o PMDB do PMDB”, diz.

Um cálculo vitorioso não pode prescindir de uma legenda peemedebista em nenhuma disputa presidencial, visto que sai, inclusive, até mais barato para a aliança, o que vem a ser a outra descoberta da pesquisa. “É mais caro para o presidente quando ele governa com muitos partidos pequenos do que com um partido com perfil do PMDB”, revela Pereira.

 

PEEMEDEBISMO NA AMÉRICA LATINA

● Pesquisa mostra índices* de partidos da região com características peemedebistas, segundo os aspectos abaixo, levantadas por questionários aplicados a 123 pesquisadores

FREQUÊNCIA EM PARTICIPAÇÃO DE COALIZÕES PRESIDENCIAIS

MANCHA ELEITORAL

PODER DE APROVAR OU VETAR LEIS

COESÃO INTERNA

POSIÇÃO IDEOLÓGICA

CANDIDATURAS PRESIDENCIAIS JÁ APRESENTADAS COM CHANCES REAIS DE VITÓRIA

RELAÇÃO ENTRE NÚMERO DE PARLAMENTARES E ESPAÇO ADQUIRIDO NO EXECUTIVO

 

BRASIL / PMDB – 1

ARGENTINA / PJ – 0,7

BOLÍVIA / MNR – 0,5

CHILE / PDC -  0,8

COLÔMBIA / PSUN -  0,8

COSTA RICA / PLN -  0,7

GUATEMALA / PP -   0,6

MÉXICO / PRI -  0,8

URUGUAI / PN -  0,7

VENEZUELA / AD -  0,6

*Os índices variam de 0 a 1 em unidades criadas pelos próprios pesquisadores

FONTE: AUTORES DA PESQUISA