Massacre gera críticas e cobranças

Patrícia Rodrigues

04/01/2017

 

 

VIOLÊNCIA » Diante da execução de 56 mortos em presídio de Manaus, especialistas em segurança pública e em direitos humanos destacam descaso das autoridades com as condições de detentos no país, com o sistema penitenciário e com a mudança nas formas de utilização do Funpen

 

O problema da superlotação em presídios brasileiros voltou à tona após duas facções realizarem um massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, onde 56 pessoas foram executadas, decapitadas e queimadas no início desta semana. O local tem capacidade para 450 detentos, mas abriga, atualmente, 1.147 internos. E, na opinião de especialistas, a tendência para os próximos anos é piorar. Isso porque, segundo eles, na medida provisória nº 55, de dezembro do ano passado, que retira recursos do sistema carcerário. Ao alterar a Lei Complementar nº 79, o governo federal modificou as formas como os recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) devem ser utilizados. A crise em Manaus fez com que a Organização das Nações Unidas (ONU) cobrasse uma investigação “imediata” sobre o caso.

Em uma tentativa de ajudar o Amazonas neste momento de crise, o governo federal anunciou que o estado receberá R$ 44,7 milhões do Funpen para melhorar a infraestrutura prisional. O fundo, que é utilizado por estados para construir presídios, reformá-los, comprar equipamentos permanentes e educar os presos, passará a ser aplicado também para financiar e apoiar “políticas e atividades preventivas, inclusive de inteligência policial”. “A MP vai na contramão do que precisamos no sistema penitenciário e o afeta diretamente, que já começa 2017 com menos recursos”, criticou o professor de sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Arthur Trindade.

O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, ressalta que a tentativa de inovar o sistema não é ruim, mas a forma como foi feita, por meio de uma MP, merece cautela. “O dinheiro do fundo, mesmo que somado, é insuficiente para enfrentar a crise”, disse. No fim do mês passado, o presidente Michel Temer autorizou o repasse de R$ 1,2 bilhão do fundo aos estados. O professor lembra que o dinheiro estava contingenciado e agora só existe por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). “Caso não liberasse o dinheiro, o ministro da Justiça cometeriam crime de responsabilidade”, ressaltou.

Na opinião do professor Arthur Trindade, a superlotação piora exponencialmente com o combate ao tráfico de drogas e a prisão de pequenos traficantes. “Com o aumento da população carcerária, é óbvio que se precisa de mais investimentos, e a MP vai afetar isso.” A assessoria do Ministério da Justiça garante que o dinheiro do sistema prisional não está sendo transferido para outras áreas. Segundo o Ministério, o fato de a MP “autorizar a União a repassar percentuais da dotação orçamentária do Funpen, a título de transferência obrigatória, aos fundos dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, independentemente de convênio ou instrumento congênere” desburocratiza e melhora as ações no sistema penitenciário.

A superlotação das cadeias é observada em todas as unidades da Federação, dando ao Brasil a quarta colocação no ranking de países com a maior população carcerária do mundo. E a falta de recursos tende a favorecer ainda mais o crescimento de facções criminosas, como a Família do Norte (FDN) e o Primeiro Comando da Capital(PCC), responsáveis pelo massacre em Manaus. “Esse sistema prisional caótico tornou-se o ambiente perfeito para determinadas facções criminosas. Grupos pequenos surgem a partir do convívio dentro dos próprios presídios”, explicou Trindade.

 

Motivos extras

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, no entanto, acredita que o massacre não pode ser explicado simplesmente por uma guerra entre facções criminosas. “Isso tem uma questão muito mais profunda, que é a entrada de armas nas penitenciárias, em virtude da corrupção, e a possibilidade de presos perigosos ficarem submetendo, independentemente de facções, outros presos”, disse o ministro. “Dos 56 mortos, menos da metade tinha ligação com alguma facção ou organização criminosa”, afirmou.

Moraes disse, ainda, que líderes do massacre serão transferidos para presídios nacionais. “Aqui, nos colocamos à disposição para ajudar na transferência das lideranças e ainda para a identificação dessas lideranças. Colocamos também à disposição do Instituto Médico Legal (IML) todo o apoio técnico e pessoal necessário para acelerar a identificação dos corpos. Vamos reforçar o apoio à segurança pública”, prometeu. Até o fechamento desta edição, 36 corpos tinham sido identificados, 54 fugitivos, recapturados, e 130 seguiam foragidos.

Hoje, pela manhã, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia  — que encomendou no ano passado um censo para verificar a real situação dos presídos — conversou com o ministro para entender mais detalhes da situação em Manaus. Ela iniciará uma agenda de dois dias para discutir a situação carcerária do Amazonas e da região Norte do Brasil.

 

Muito além da capacidade

O Amazonas conta com quatro presídios principais e todos enfrentam o problema de excesso de presos por cela:

 

Unidade     Capacidade     Quantidade                  de internos

 

Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj)     450     1.224

Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM)     568     1.568

Presídio Desembargador Ataliba David Antônio     3     62

Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa     250     520*

 

Confira abaixo as unidades da Federação com mais superlotação em presídios*

 

UF    Capacidade    Quantidade     Acima da             de internos    capacidade (%)

Pernambuco    11.010    31.242    183,8%

Amazonas    3.437    9.459    175,2%

Alagoas    2.632    5.948    126%

Ceará    10.611    22.480    111,9%

Mato Grosso do Sul    7.019    14.047    100,1%

Brasil    371.459    615.933    65,8%

 

*Números até dezembro de 2015

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Amazonas

 

 

Correio braziliense, n. 19581, 04/01/2017. Brasil, p. 5.