Um plano como resposta à crise

Julia Chaib e Paulo de Tarso Lyra

06/01/2017

 

 

Planalto antecipa plano nacional de segurança para minimizar o caos no sistema prisional do país e isenta poder público ao alegar que penitenciária onde ocorreram mortes é terceirizada

 

Brasília - Após ser criticado pelo silêncio diante da maior rebelião em um presídio desde o massacre do Carandiru, em 1992, o presidente Michel Temer falou pela primeira vez sobre a tragédia em que 56 presos foram mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, entre domingo e segunda-feira, e classificou o episódio como “acidente pavoroso”. A fala acabou retificada à noite em uma mensagem nas redes sociais explicando que o termo “acidente” é sinônimo de “tragédia”. O discurso do presidente ocorreu em reunião ministerial sobre o Plano Nacional de Segurança, cujo lançamento acabou apressado como uma resposta da União à crise, acompanhado do anúncio de verbas para a construção de penitenciárias, embora sem previsão de data. Embora adote o discurso formal de que o episódio no Amazonas é um fato isolado, o governo tem informações sobre riscos de rebeliões em outros presídios do país. A Procuradoria-Geral da República informou que investigará a situação do sistema penitenciário do Amazonas, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rondônia. Depois que os dados tiverem sido levantados, o órgão  avaliará se entra com ação de intervenção federal no Supremo Tribunal Federal (STF).

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, atribuiu à empresa terceirizada Umanizzare a maior parte da culpa. Mas o receio de que a briga da facção Família do Norte, ligada ao Comando Vermelho (do Rio de Janeiro), com o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, reverbere pelo país acabou discutida durante a reunião com nove ministérios. “O presídio é terceirizado, então, de cara, houve falha da empresa. Não é possível que entrem armas brancas e de fogo, inclusive escopetas. Quem tinha responsabilidade imediata é a empresa, que faz a segurança”, afirmou. O ministro deu a declaração durante a apresentação de pontos do Plano Nacional de Segurança, que será lançado hoje.

No discurso de abertura, Temer eximiu a União da responsabilidade pelo massacre. Ele classificou como “fenômeno curioso” recorrentes pedidos de ajuda de estados à União para dar suporte na segurança pública, mas ponderou que o problema nas penitenciárias é nacional. Em seguida, anunciou investimento de R$ 430 milhões para a construção de cinco presídios federais, que ainda não tem local nem prazo definido.

A fala ocorreu após Temer lamentar o acidente. “Quero solidarizar-me com as famílias que tiveram seus presos vitimizados naquele acidente pavoroso que ocorreu no presídio de Manaus. Nossa solidariedade é portanto governamental e apadrinhada por todos aqueles que aqui se acham”, disse. Temer reconheceu a situação caótica dos presídios superlotados e disse que é preciso separar os detentos por tipo de crimes, idade e sexo. Em 2014, havia no Brasil 622 mil presos, mas apenas 372 mil vagas. O complexo de Manaus, por exemplo, poderia receber 454 presos, mas abrigava 1.244 pessoas.

O ministro Alexandre de Moraes explicou que o recurso de R$ 1,2 bilhão transferido do Fundo Penitenciário aos estados na semana passada deverá ser dividido para a construção de presídios, aquisição de scanners e instalação de bloqueadores de celular. sHoje, o Brasil tem quatro penitenciárias federais, e uma que está com as obras atrasadas, no Distrito Federal.

 

PRINCIPAIS MEDIDAS

Pontos do Plano Nacional de Segurança antecipados pelo presidente Michel Temer

» Foco na redução do número de homicídios, combate ao tráfico de drogas e armas e modernização dos presídios.
» R$ 800 milhões para construção de pelo menos um presídio por estado.
» Os recursos fazem parte do repasse de R$ 1,2 bilhão do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) aos estados, liberado pelo governo federal no fim de 2016.
» Mais R$ 200 milhões (recursos extras) serão destinados para construção de cinco presídios federais, além dos quatro prontos e um em obra. Licitação será imediata, mas não há prazo para as obras nem definição dos locais desses presídios.
» Objetivo é ampliar em 30 mil vagas o sistema penitenciário nacional.
» Do total de recursos, R$ 150 milhões serão destinados à transferência de tecnologia de bloqueadores de celulares e R$ 80 milhões para a compra de scanners corporais.
» Ações do programa vão envolver cooperação entre União, estados e municípios.
» Parceria com os países vizinhos, em especial para combater o tráfico de armas e de drogas.
» Cada capital terá um núcleo de inteligência para levantar dados sobre o narcotráfico e crime organizado, com agentes da inteligência da Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), polícias Militar e Civil e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do sistema penitenciário.
» Serão investidos R$ 450 milhões no monitoramento de fronteiras do país, segundo o ministro da Defesa, Raul Jungmann.
» Pessoas que praticaram crimes sem violência ou grave ameaça serão punidas com penas alternativas, restrição de direitos e uso de tornozeleira eletrônica.
» Unidades da federação terão que seguir a determinação constitucional de separação física dos presos seguindo critérios de idade, sexo e gravidade da pena.
» Aumento do tempo de cumprimento de pena em regime fechado de condenados por corrupção ativa e passiva e por crimes praticados com violência ou que representem grave ameaça.
» Alteração da Lei de Execuções Penais para endurecer a progressão da pena.

 

 

Correio braziliense, n. 19583, 06/01/2017. Brasil, p. 2.