Primeiro cara a cara

Gabriela Freire Valente

12/01/2017

 

 

ESTADOS UNIDOS » Na reta final dos preparativos para a posse, Donald Trump dá a primeira coletiva desde que foi eleito presidente. E confronta os jornalistas sobre a espionagem russa e o conflito de interesses em seu governo

 

Às vésperas de assumir a presidência dos Estados Unidos, Donald Trump concedeu ontem a primeira coletiva de imprensa em quase seis meses — com o mesmo tom que o levou à vitória nas urnas. Enquanto reiterava o compromisso de construir um muro na fronteira com o México e de revogar e substituir o “desastroso” Obamacare — como ficou conhecido o programa da atual gestão para subsidiar seguros de saúde —, o republicano bateu boca com a imprensa e, irritado, rejeitou como “falsos” os relatos de que a inteligência russa teria catalogado informações comprometedores sobre ele (leia mais na página ao lado). “São todas notícias falsas. Coisas mentirosas. Nunca aconteceu”, enfatizou. “Um grupo de opositores se juntou, gente doente, e produziu esse lixo.”

Acompanhado pelo vice-presidente eleito, Mike Pence, e por membros da equipe de transição, Trump chegou a acusar as agências de inteligência de terem vazado de forma “ilegal” um dossiê com supostos memorandos russos contendo informações não verificadas sobre sua vida pessoal e financeira. “Acho que é escandaloso que se permita que essa informação seja vazada”, protestou.

O presidente eleito chegou a comparar a disseminação de informações falsas à estratégia da “Alemanha nazista”. Quando um repórter da rede de televisão CNN insistiu em ter a palavra, o republicano se negou a permitir que o profissional o questionasse e ordenou que ele ficasse “quieto”. “Não seja rude, eu não vou te dar a pergunta. Seu noticiário é falso”, atacou.

Em meio à bateria de perguntas e respostas, transmitida ao vivo pela internet, Trump negou que alguém da equipe tenha estado em contato com autoridades de Moscou durante a campanha eleitoral. Ele considerou que os e-mails do Comitê Nacional Democrata foram invadidos por hackers russos por não terem sido protegidos adequadamente, e prometeu um apresentar um amplo relatório sobre a ameaça cibernética aos EUA, após ser empossado.

O republicano descartou apresentar informações sobre seus impostos, sob o argumento de que “apenas os repórteres estão interessados” na questão. E ainda tentou contornar as acusações de conflito de interesses em sua administração, ao pedir que a advogada Sheri Dillon apresentasse o plano desenhado para que as atividades do novo governo não esbarrem nos negócios da família Trump. Embora tenha salientado que não se deve esperar que o republicano “destrua a companhia que construiu”, Dillon adiantou que o plano é blindar o presidente eleito das atividades empresariais.

Além de passar o controle das empresas do grupo para os filhos do milionário, Don e Eric, as organizações Trump não farão novos acordos internacionais. “Se eles fizerem um mau trabalho, eu direi: ‘Estão demitidos!’”, comentou Trump, usando o bordão do reality show O aprendiz.

 

Promessas

O empresário prometeu ser “o maior criador de empregos que já existiu” no país, e voltou a defender a criação de uma “alta tarifa alfandegária” para empresas que queiram se instalar fora dos EUA. A aplicação de impostos foi uma das alternativas sugeridas pelo republicano para fazer com que o México custeie o muro que ele pretende erguer na fronteira entre os dois países. “O México pagará por ele, seja com um imposto ou com um pagamento.”.

Trump disse que não quer esperar nem um ano para começar a construir a muralha, cujos custos foram avaliados entre US$ 8 bilhões e US$ 12 bilhões. Outra proposta que ele quer levar a diante o mais rápido possível é revogar e substituir, simultaneamente, o programa de subsídios a seguros de saúde — o Obamacare. Segundo o empresário, o plano de sua equipe será apresentado ao Congresso assim que Tom Price for confirmado pelo Senado como secretário de Saúde. A proposta, no entanto, deve enfrentar forte resistência de legisladores democratas e da sociedade civil.

 

Rússia e Cuba no radar

O indicado de Donald Trump para o Departamento de Estado, Rex Tillerson, dedicou ontem os esforços a convencer os senadores de que não os negócios fechados por ele na Rússia, como executivo-chefe da petroleira ExxonMobil, não o cegam sobre o “perigo” representado por Vladimir Putin. “Enquanto a Rússia busca respeito e relevância no cenário mundial, suas atividades recentes desrespeitaram os interesses americanos”, disse Tillerson na primeira audiência de confirmação de sua nomeação para chefiar a diplomacia dos EUA. O engenheiro também fez reservas à reaproximação com Cuba e observou que a China “não tem sido um parceiro confiável”.

 

 

Correio braziliense, n. 19589, 12/01/2017. Mundo, p. 12.