Congresso tem lista de soluções paradas

Denise Rothenburg e Juliana Cipriani

09/01/2017

 

 

COLAPSO PENITENCIÁRIO » Em meio a crise nos presídios, parlamentares prometem acelerar tramitação de projetos que preveem, entre outras medidas, redução da superlotação. Para especialista em Código Penal, o problema maior está na falta de cumprimento das leis existentes

 

Com a autoridade de quem comandou a comissão que propôs o anteprojeto do Código Penal em 2012, o jurista Gilson Dipp não enxerga no horizonte qualquer solução que possa resolver a médio prazo a situação dos presídios e não poupa ninguém quando o assunto é o sistema penitenciário brasileiro. O poder público e a sociedade, em todas as esferas, são culpados do caos reinante nos presídios. Em conversa com o Correio, Dipp distribui a tragédia nas mãos do Executivo, que não proporciona recursos ao sistema; do Judiciário, que não investe em varas de execuções penais de excelência; e, para completar, do Legislativo, que demora a apreciar projetos — e olha que, nesse pacote, ele não coloca a proposta que modifica a Lei de Execuções Penais: “A Lei de Execuções Penais é moderna. Não precisa ser modificada. Precisa é ser cumprida”.

Como exemplo de algo que não é cumprido na atual legislação, Dipp cita o tamanho das celas: “Você já viu alguma penitenciária destinar 6m² por preso? E quanto aos governadores, já viu dar prioridade a presídios? Preso não dá voto. Nenhum deles quer se desgastar mudando o sistema carcerário. Assim, as facções tomaram o poder que era do Estado. Os estados não investem em agentes penitenciários, psicólogos, assistentes sociais. O Judiciário também fica inerte, hoje quer prender como se a privação de liberdade fosse a única maneira de punir”, diz. O Ministério Público também não ficou de fora do giro do descaso feito por Dipp. “O MP vai atrás de qualquer prefeitinho do interior que tenha cometido uma improbidade, mas não faz o mesmo com o descaso reinante nos presídios.”

Quanto ao Executivo, Dipp, como destacou o Correio durante a semana que passou, limita-se a lançar pacotes quando surgem as rebeliões. “Se houvesse um trabalho consistente do Estado, as facções teriam menos condições de se expandir. Mas, como não há esse trabalho, todas as vezes que tem uma convulsão social e não se sabe como resolver, faz-se um pacote requentado, que não será cumprido, como outros também não foram”, afirma, e acrescenta: “Parece até o nosso Pacotão do carnaval, que sai todos os anos”, diz o jurista, comparando o irreverente bloco carnavalesco de Brasília com os sucessivos planos nacionais de segurança lançados nos últimos 18 anos.

Diante de um problema sem solução, o que se vislumbra para ação mais urgente, depois do lançamento do Plano Nacional de Segurança, é uma reunião do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, com os secretários estaduais daqui a nove dias para tratar do sistema prisional. O encontro será 17 dias depois do primeiro massacre do ano, no Amazonas, estado onde mais cinco detentos foram executados na madrugada de ontem (leia mais na página 3). O ministério informou ainda que Moraes autorizará o envio de tropas federais a estados que precisarem de ajuda para conter as rebeliões.

Da parte do Legislativo, os parlamentares prometem dar prioridade justamente ao que Dipp considera desnecessário: a mudança na Lei de Execuções Penais. O relator do projeto, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), afirma que pretende colocar a proposta a votos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) do Senado antes mesmo do carnaval. “Nosso trabalho foi todo feito de acordo com o que sugeriram os especialistas”, diz Eunício.

No Congresso, pelo menos 13 propostas que poderiam melhorar as condições dos presídios brasileiros estão paradas, incluída aí a tal Lei de Execuções Penais à qual Eunício promete dar celeridade. As mudanças estão travadas desde agosto de 2016 na CCJC. Entre as 200 alterações que o projeto prevê, há algumas que deveriam ser feitas sem precisar de lei. Por exemplo, um mutirão para verificar as condições dos detentos, todas as vezes que um presídio atingir a capacidade máxima de acomodação. A proposta prevê ainda medidas como inspeções do Ministério Público Federal e incentivos ao estudo e à contratação de presos para reinserção na sociedade. A penitenciária fica destinada somente ao condenado à pena de reclusão, ficando vedada a presença do custodiado provisório, aquele sem sentença. O texto concede um prazo de quatro anos para o fim das carceragens em delegacias de polícia.

 

Só no papel

Os problemas de superlotação e falta de segurança nos locais que abrigam os presos tornaram-se mais uma vez preocupação para todos os poderes dos estados e da União. Como resposta, o governo falou em uma série de readequações no processo de encarceramento e lançou um Plano Nacional de Segurança Pública. Várias das soluções apresentadas, como a separação das pessoas por graus de periculosidade e o bloqueio de celulares nos estabelecimentos, já poderia vigorar se um dos textos, hoje engavetado na Câmara, tivesse sido aprovado.

Na Câmara dos Deputados, também está pronta para o plenário uma proposta (PL 4862/01) que aumenta a pena para quem chefia, dirige ou participa de motim ou rebelião em presídios. A punição é a reclusão de dois a quatro anos. Já o PL 851/15 obriga o governo federal a construir presídios para custodiar todos os condenados por crimes federais. O difícil é encontrar cidades que queiram receber presídios. Essa, diz Dipp, é a parcela de culpa da sociedade.

Em nota, a Frente Parlamentar da Segurança Pública manifestou-se ontem sobre os últimos acontecimentos nas cadeias e criticou o governo federal. “Sabemos da gravidade, no entanto, não é normal o governo federal ignorar os profissionais de segurança pública, eleitos, que estão no exercício de seus mandatos. Parece coisa de ciúmes! Seria descabido alguns desses deputados serem chamados, por quem quer que seja, para discutir essa pauta? Se a resposta for negativa, temos que reagir e buscarmos algumas respostas.”

“Projetos de Lei existem aos montes, mas são ignorados. Recentemente concluímos a CPI do Sistema Carcerário e apresentamos 20 propostas para melhorar o sistema prisional, no entanto, em nenhum momento os ministros se referiram a essa comissão de inquérito e suas propostas. Durante a CPI, alertamos o governo sobre as facções que estavam dominando os presídios, mas a questão não foi tratada com a devida atenção e o resultado foi a tragédia que aconteceu na última semana”, acrescentou a nota assinada pelo presidente da Frente, deputado Alberto Fraga (DEM-DF).

 

Gaveta cheia

Na Câmara

PL 4.862/01 (tramita apensado com mais dois PLs)

Define e aumenta a pena para quem chefia, dirige e/ou participa de rebelião em presídios. Pronto para o plenário.

 

PL 7.223/06 (tramita com 37 projetos sobre o mesmo tema anexados)

Determina o bloqueio de celulares e radiotransmissores em penitenciárias. Aguarda designação de relator em comissão especial.

 

PL 3.669/08

Obriga a construção de creches e/ou locais para amamentação em presídios femininos. Aguarda relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

 

PL 1.819/11

Estabelece condições para cumprimento de pena privativa de liberdade em hospitais-presídios. Aguarda parecer na Comissão de Finanças e Tributação.

 

PL 851/15

Obriga a União a construir presídios para custodiar todos os condenados por crime federal. Aguarda relator na Comissão de Finanças e Tributação.

 

PEC 573/06 (tramita anexada a uma PEC)

Inclui atividades exercidas em presídios e centros de ressocialização infantojuvenil na contribuição para aposentadoria. Aguarda análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

 

PEC 263/04 (tramita anexada a outra PEC)

Define regras distintas de ICMS para municípios que tenham presídios. Aguarda criação de comissão temporária.

 

No Senado

PLS 513/11

Regulamenta as parcerias público-privadas para a construção e administração de presídios. Aguarda parecer na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC).

 

PLS 513/13

Altera a lei de execução penal proibindo, entre outras coisas, a superlotação no sistema carcerário. Aguarda parecer na CCJC.

 

PLS 700/15

Determina que novas unidades prisionais obedeçam requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Aguarda designação de relator na CCJC.

 

PLS 239/15

Incentiva a criação de polos industriais nas proximidades de complexos penitenciários. Pronto para votação na CCJC.

 

PLS 309/16 (complementar)

Estabelece que recursos do Fundo Penitenciário Nacional sejam transferidos diretamente para estados e municípios em caso de calamidade pública. Aguarda designação de relator na CCJC.

 

PEC 14/16

Cria as polícias penitenciárias federal, estaduais e distrital. Aguarda parecer na CCJC.

 

 

Correio braziliense, n. 19586, 09/01/2017. Política, p. 2