Longo caminho para as penas alternativas

Julia Chaib e Hamilton Ferrari

13/01/2017

 

 

VIOLÊNCIA » Medida é apontada por especialistas como uma das soluções para diminuir a superlotação nos presídios, mas esbarra na falta de estrutura e de dinheiro na maioria dos estados. Supremo pede agilidade aos TJs estaduais na análise dos processos penais

 

Com o debate intensificado devido às recentes tragédias em presídios brasileiros, o país ainda tem um longo caminho para avançar na aplicação de penas alternativas, apontada como uma das soluções para diminuir a superlotação dos presídios. Instaurada em 2000 e revisada desde então, a política que trata do assunto precisa de mais investimentos. Até hoje, somente 19 estados implementaram as Centrais de Acompanhamento de Alternativas Penais (Ceapas). Mesmo onde há a estrutura, no entanto, a maioria dos estados não garante verbas nem cargos públicos para o correto funcionamento dos órgãos, considerados fundamentais para fazer a política prosperar.

O problema passa também pelo investimento financeiro. Consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para o modelo de gestão e alternativas penais, em parceria com o Ministério da Justiça, Fabiana de Lima Leite aponta que o percentual de recursos do Fundo Penitenciário Nacional no ano passado destinado às penas alternativas não alcançou 3% do previsto para reforma e construção de presídios. A situação ficou pior no fim de 2016, quando uma medida provisória alterou a destinação dos recursos do fundo e acabou com a fixação específica de valores para a área. Especialistas afirmam justamente que não adianta criar presídios para acabar com o deficit de 250 mil vagas sem atacar o problema estruturalmente. Nas duas primeiras semanas do ano, mais de 100 pessoas morreram em presídios de Manaus e Roraima. Um dos motivos apontados foram brigas entre facções.

Fabiana avalia ainda que as 64 centrais conveniadas pelo Ministério da Justiça, distribuídas em 19 estados, não são expressivas. “Não é um número significativo. Eu rodei bem os estados. Na prática, a maioria das centrais fica nas capitais, então, não há interiorização de uma política de alternativas penais. E ainda assim, nas capitais, o que a gente vê é que as estruturas são muito frágeis. Não existem funcionários públicos específicos. O recurso disponível depende de gestores públicos que não têm padrão de atendimento”, disse a advogada. Segundo a consultora do Pnud, os estados fazem o acompanhamento da aplicação das penas da maneira como querem, e de maneira indevida.

A advogada ressalta também a falta de informações das alternativas penais. Há uma previsão de sistematização dos dados com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Uma medida de ampliação da política de alternativas penais, com diretrizes estabelecidas, foi assinada no ano passado e vinha sendo construída entre o ministério, o Pnud e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Especialistas afirmam que um dos pontos que travam o aprimoramento da política de penas alternativas é a cultura do encarceramento e, nesse sentido, o Judiciário tem um papel central. “Os profissionais se formam dentro da perspectiva do sistema penal, considerando que a única resposta é o encarceramento”, disse. Do total de presos no país, cerca de 40% são provisórios. Uma das formas de desafogar os presídios é resolver a situação desses detentos, que em grande parte são de menor potencial ofensivo.

 

“Terapia”

Pesquisa do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com o Ministério da Justiça, elaborada em 2014, mostra que, em 37% dos casos estudados de presos provisórios, não houve condenação ao fim do processo, sendo 17,3%  absolvidos, 9,4% condenados a penas alternativas, 3% tiveram de cumprir medidas alternativas. Outros 3,6% dos casos foram arquivados e 3,6% prescreveram. Uma parcela ínfima (0,2%) cumpriu medidas de segurança. O mesmo estudo do Ipea de 2014 aponta que há algumas variantes na manutenção das prisões, como as detenções “estratégicas”, para “réus em situação de rua”. Outra variante considera a medida como “terapêutica”, para desintoxicação dos suspeitos. Para Fabiana Leite Lima, a Lei de Cautelares, de 2011, contribuiu para a redução desses números, mas deveria ser ainda mais aplicada.

Ela Wiecko, pesquisadora de penas alternativas e professora de direito da Universidade de Brasília (UnB), afirma que faltam estatísticas atualizadas das execuções das medidas alternativas no Brasil. Um dos dados disponíveis, da pesquisa do Ipea, mostra que de 1.394 processos concluídos com condenação, apenas 20,7% receberam penas alternativas. “Há cinco anos, o número de pessoas que cumpriam as penas alternativas era igual ao das pessoas presas, segundo dados do Ministério da Justiça. Hoje, pode ser um número bem maior”, avaliou. Ela reforça a cultura punitiva e de criminalização. “Há uma possibilidade de conceder penas alternativas a crimes que não necessitam de prisão, mas os juízes, promotores e a própria sociedade veem isso com sensação de impunidade”, declarou.

O número de detentos provisórios também é um problema apontado. E mesmo nas audiências de custódia, quando preso em flagrante é levado para o juiz dar a pena, avalia a professora, os casos não são avaliados de forma correta. “O que a gente vê, na prática, é o juiz que nem olha para o preso, assim como o Ministério Público, e coloca no ‘bonde’ da cadeia. E o pior é que na cadeia ele precisa escolher ou é escolhido por uma facção criminosa, voltando para a sociedade mais perigoso”, declarou. Segundo o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), com base nos dados do Ipea, os principais crimes que geram aplicação de penas alternativas são: acidentes de trânsitos, crimes contra a honra, ameaça e porte ilegal de drogas.

O Ministério da Justiça informou que não há um sistema compartilhado entre o governo federal e os estados para compilar dados sobre a aplicação das penas alternativas. “Por fim, cabe ressaltar que, no ano de 2015, houve aporte federal de R$ 55.136.852,28, praticamente triplicando os recursos destinados à política de alternativas penais em todo o período anterior, haja vista a priorização dessa política no âmbito do governo federal”, afirmou, em nota.

 

* Estagiário, sob a supervisão de Roberto Fonseca

 

Diagnóstico

Confira dados sobre o sistema penitenciário e a aplicação de penas alternativas

 

Brasil

622.202 presos

Provisórios    249.668

 

Distrito Federal

15 mil presos

Provisórios    4,1 mil

 

Varas especializadas em alternativas penais: 20

Centrais de Acompanhamento de Alternativas Penais (Ceapas):    19 estados / 62 unidades

Investimento total: R$ 30.128.519,31

 

Contratos vigentes com o Departamento de Penitenciário Nacional (Depen), estabelecidos entre 2012 e 2015

Acre, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Paraíba, Paraná, Roraima, Rondônia, Sergipe, Santa Catarina    1 cada

Piauí    2

Minas Gerais    16

São Paulo    26

 

Fonte: ONG Sou da Paz, Ministério da Justiça, Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT)

 

 

Correio braziliense, n. 19590, 13/01/2017. Política, p. 02.