O globo, n. 30476, 14/01/2017. País, p. 3

CRÉDITO FÁCIL

PF aponta ligação de Geddel com esquema para facilitar liberação de empréstimos na Caixa
Por: ANDRÉ DE SOUZA / EDUARDO BRESCIANI

 

ANDRÉ DE SOUZA

EDUARDO BRESCIANI

opais@oglobo.com.br

 

Obrigado a deixar o cargo de secretário de Governo no final do ano passado depois de ter sido flagrado numa tentativa de defender interesses pessoais no Executivo, Geddel Vieira Lima virou alvo principal de uma nova operação da Polícia Federal. Ontem cedo, a PF apreendeu documentos e aparelhos na casa e no apartamento do peemebista. Na operação batizada de “Cui Bono?” (A quem beneficia?), o ex-ministro é acusado de participar de um suposto esquema de fraudes na Caixa Econômica Federal. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Geddel e outras três pessoas “faziam parte de uma verdadeira organização criminosa”. Eles são suspeitos de facilitar a liberação de empréstimos da Caixa Econômica Federal a empresas e, em troca, receber propina. Geddel foi vice-presidente de Pessoa Jurídica do banco entre 2011 e 2013.

Também são citados o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e duas pessoas ligadas a ele: o doleiro Lúcio Bolonha Funaro; e o ex-vicepresidente de Fundos de Governo e Loterias da Caixa Fábio Cleto, que atualmente colabora com a Justiça. Os três são investigados em outros inquéritos e não foram alvos da operação de ontem. “A narrativa exposta demonstra que Geddel Quadros Vieira Lima, juntamente com Eduardo Consentino da Cunha, Lúcio Bolonha Funaro, e ainda contando em alguns momentos com a participação de Fábio Ferreira Cleto, agiram de forma ilícita para a liberação de créditos da área da Vice-Presidência de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, a qual era dirigida por Geddel Quadros Vieira Lima”, diz a PF.

Entre as empresas beneficiadas estariam a J&F Investimentos, controladora do frigorífico JBS; a BR Vias e Oeste Sul Empreendimentos Imobiliários, do grupo da família Constantino; além de Marfrig, Digibras (controladora da CCE), Inepar e Dinâmica. A PF afirma também que o esquema destinou recursos para o PMDB e aponta possíveis repasses para o PSC. Cita ainda o atual vice-presidente de Governo da Caixa, Roberto Derziê, que é uma indicação pessoal de Temer para o cargo. Segundo a PF, Cunha mandou uma mensagem em 3 de agosto de 2012 a Geddel reclamando que o empresário Henrique Constantino não estava conseguindo falar com Derziê, então diretor de Pessoa Jurídica da Caixa, sobre um empréstimo. Geddel afirma que Derziê fará a ligação “agora”. Exatos 27 minutos depois, Geddel manda outra mensagem a Cunha informando que o contato entre Derziê e Henrique Constantino já foi feito.

As buscas, assim como as quebras dos sigilos, foram autorizadas pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do DF, em 19 de dezembro de 2016. Os mandados, porém, foram cumpridos apenas ontem, na Bahia, Distrito Federal, Paraná e São Paulo. As investigações começaram após a apreensão de um telefone celular em 2015, na residência oficial da Câmara, quando Cunha ainda presidia a Casa. Ele está preso em Curitiba desde outubro, em razão da Operação Lava-Jato.

“Os elementos de prova colhidos até o presente momento apontam para a existência de uma organização criminosa integrada por empresários brasileiros e agentes públicos que, ocupando altos cargos na Caixa Econômica Federal e no Parlamento brasileiro, desviavam de forma reiterada recursos públicos a fim de beneficiarem a si mesmos, por meio do recebimento de vantagens ilícitas, e a empresas e empresários brasileiros, por meio da liberação de créditos e/ ou investimentos”, escreveu o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes.

Segundo o MPF, a organização criminosa era composta por Geddel, pelo ex-vice-presidente de Gestão de Ativos da Caixa Marcos Roberto Vasconcelos, pelo funcionário do banco José Henrique Marques da Cruz, e por Marcos Antonio Molina dos Santos, fundador da Marfrig.

Como o pedido para realizar as buscas foi feito em novembro, quando Geddel ainda era ministro, o caso estava no STF. Após deixar o cargo e perder o foro, o processo foi encaminhado pelo ministro Teori Zavascki à Justiça Federal do DF. Segundo o MPF, as provas obtidas ontem vão ajudar outras investigações ligadas a fraudes em fundos de pensão.

Geddel Vieira Lima foi procurado ao longo do dia, mas não respondeu à reportagem. A Caixa informou que “está em contato permanente com as autoridades“e presta “irrestrita colaboração”. O Palácio do Planalto limitou-se a confirmar que Derziê é uma indicação pessoal de Temer. O PSC disse não ter tido acesso à operação, mas que as doações ao partido seguem a lei. O PMDB não se manifestou. A JBS, a J&F e a Marfrig disseram que não foram alvos da operação e negaram irregularidades. A Marfrig também defendeu a legalidade de seus empréstimos. As empresas da família Constantino disseram que estão à disposição das autoridades. O GLOBO não conseguiu entrar em contato com as demais empresas.