O globo, n. 30478, 16/01/2017. País, p. 3

REBELIÕES EM SÉRIE

Já são 125 mortes em presídios nos primeiros 15 dias do ano, e sistema vive caos
Por: AURA MAZDA*

 

AURA MAZDA*

-NATAL- O sistema penitenciário evidenciou novamente seu descontrole no último final de semana após mais uma rebelião causada por uma guerra de facções criminosas, elevando o número de mortes em presídios para 125 este ano. Dessa vez, os detentos tomaram o controle da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na Região Metropolitana de Natal, por 14 horas. Havia 26 mortos confirmados pelas autoridades até a noite de ontem. A maioria deles teria sido decapitada.

Esse é o terceiro massacre em 15 dias. Antes, foram registradas mortes em penitenciárias do Amazonas, de Roraima e Paraíba. No fim de semana, também houve três fugas de 76 presos no Paraná, em Minas Gerais e na Bahia. Há duas semanas, quando já haviam acontecido dois massacres, o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, disse que a situação “não estava fora do controle”.

Dessa vez, Moraes esteve em contato permanente com o governo local e autorizou a liberação de recursos federais para reforçar a segurança no presídio de Alcaçuz. O presidente Michel Temer usou o Twitter para informar que estava acompanhando a situação e que colocou os recursos de sua gestão à disposição do governo estadual. O presidente, que chegou a classificar os massacres de “acidente pavoroso”, se reúne com secretários estaduais de Justiça amanhã, quando espera adesão ao Plano Nacional de Segurança Pública.

A rebelião na Região Metropolitana de Natal durou 14 horas e foi iniciada no final da tarde de sábado. Dos 26 corpos encontrados, dois estavam carbonizados e “a maior parte”, segundo autoridades locais, estaria decapitada. De acordo com o diretor do Instituto Técnico-Científico de Polícia (Itep), a perícia dos corpos deve durar em torno de 30 dias. O governo do estado ainda não divulgou a lista com os nomes das vítimas e nem deu dados de quando isso vai ocorrer.

De acordo com o secretário de Justiça e Cidadania, Wallber Virgulino, a segurança em Alcaçuz é muito frágil e o policiamento foi reforçado para que não haja fugas da unidade. Ele também confirmou que todos os mortos eram integrantes do chamado Sindicato do RN, facção rival ao Primeiro Comando da Capital (PCC). O secretário não quis relacionar as mortes a uma retaliação ao massacre ocorrido em presídios de Manaus, onde 64 membros do PCC foram mortos por facção local. Segundo a Polícia Civil, seis presos prestarão depoimento na Divisão de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) a uma comissão especial formada por delegados.

Equipes de delegados da DHPP e 15 homens fizeram a perícia dos locais de crime. A Polícia Militar continua com o patrulhamento externo, com o helicóptero Potiguar 01, com o Batalhão de Choque e Batalhão de Operações Especiais (Bope) fazendo a contenção e recontagem dos presos e na intensificação do trabalho nas guaritas da unidade. De acordo com o secretário de Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed), Caio Bezerra, foi pedida ajuda ao governo federal para que o efetivo da Força Nacional no Rio Grande do Norte aumente, atualmente 60 oficias da estão no estado.

Embora disponha de duas câmaras frias com capacidade para abrigar 31 corpos em cada uma delas, o instituto alugou um contêiner frigorífico para armazenar os corpos que chegarem de Alcaçuz. A ideia é garantir que não falte espaço caso o total de presos seja maior que o que vem sendo divulgado. As autoridades ainda estão concluindo a busca por corpos.

Os bloqueadores de sinal de celular do presídio de Alcaçuz foram desativados pelos próprios detentos, segundo Virgolin. Sem eles, os detentos divulgaram, durante a rebelião, vídeos da chacina dentro da unidade, o que também ocorreu nas rebeliões anteriores.

— Eles cortaram os fios dos bloqueadores e por isso eles não estavam funcionando. Foram eles também que cortaram a energia — disse Virgolino.

 

TENSÃO DOS FAMILIARES

Durante toda a rebelião, as mulheres de presos dos pavilhões 1 e 2, armadas com pedaços de pau, falavam em armar confusão com as mulheres dos presos do Pavilhão 5. No tumulto, duas delas foram feridas levemente. Desde a noite do sábado, policiais que fazem a segurança no entorno de Alcaçuz tentam evitar confronto entre os grupos de parentes que aguardam notícias dos presos que estão em Alcaçuz. Foi necessário inclusive que a PM utilizasse armas não letais para conter tumulto.

Inaugurada em 26 de março de 1998, a Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, registrou mais de duas centenas fugas ao longo dos 18 anos de História. A rotina de trabalho da penitenciária explica muito as grandes fugas registradas em Alcaçuz no período de pouco mais de um ano, em 2016. A última rebelião em Alcaçuz foi registrada em novembro de 2015. Houve quebra-quebra após a descoberta de um túnel escavado a partir do pavilhão 2.

Apenas sete agentes durante cada turno de 24 horas atuam para custodiar todos os presos, com quatro das dez guaritas de vigilância desativadas por falta de efetivo. Estas últimas são operadas pela guarda da Polícia Militar. Nos quatro pavilhões principais da penitenciária, onde estão divididos 1.050 homens atualmente, existem estruturas de túneis subterrâneos. Somente no Pavilhão 4, entre janeiro e dezembro de 2010, por exemplo, 25 presos fugiram utilizando a mesma estrutura de túneis. (*Especial para O GLOBO)