O globo, n. 30478, 16/01/2017. Economia, p. 15

CULTURA, RAÍZES E NEGÓCIOS

BID cria programa para ampliar a participação de negros e pardos entre grandes empresas
Por: GLAUCE CAVALCANTI

 

GLAUCE CAVALCANTI

Um funil invertido. É o retrato da participação de afrodescendentes no quadro pessoal das 500 maiores empresas do Brasil. Nos cargos executivos, em 14 anos, a fatia jamais chegou à tímida marca de 5%. É participação contrastante com os 57,5% de negros e pardos na categoria de entrada nessas companhias, dos aprendizes. Para ajudar a mudar esse quadro, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) implementou um programa piloto no Brasil de apoio a afroempreendedores, perseguindo a meta de aumentar a participação deles entre os grandes grupos do país.

— O Brasil tem 70% da população negra da América Latina. São 11 milhões de empreendedores afrodescendentes. Ficou claro que o programa tinha de começar pelo Brasil. Ele atua na capacitação de empreendedores para que possam desenvolver o plano de negócios e, depois, captar recursos junto a investidores — explica Luana Garcia, especialista em Desenvolvimento Social da Divisão de Gênero e Diversidade do BID, explicando que não há aporte financeiro nos negócios.

O Inova Capital, implementado no Brasil no fim do ano passado, receberá US$ 500 mil em investimento até o fim de 2017, e já tem um portal na internet. Selecionou 30 afroempreendedores de todo o Brasil — três deles do Rio — em parceria com Endeavor, Anjos do Brasil e Key Associados. O filtro para entrar no grupo pedia empreendedores com ideias inovadoras, negócios de alto potencial de crescimento e com impacto social e ambiental.

Marina Ferro, assistente executiva da diretoria do Ethos, afirma que os avanços na inclusão de profissionais negros e pardos são muito lentos no Brasil, principalmente pela falta de políticas corporativas com esse foco:

— O afunilamento hierárquico para profissionais negros e pardos é um problema real. Vemos uma subascensão, com pouquíssima melhora. Nós atuamos com foco em políticas públicas e melhores práticas empresariais, estimulando as empresas a adotar um modelo de negócio que privilegia a geração de emprego com inclusão social.

Ela destaca que o percentual de companhias com políticas específicas é muito baixo. Apenas 3,9% das 500 maiores empresas têm alguma ação afirmativa para aumentar a presença de afrodescendentes em seus quadros. E 11% tem alguma política para elevar a presença de mulheres. Entre os 548 diretores executivos dessas companhias em 2015, eram apenas duas mulheres negras. Mais da metade (53,92%) da população brasileira é composta de negros e pardos — ou 110,46 milhões de pessoas em 2015, segundo o IBGE — , no entanto, eles equivalem a pouco mais de um terço do quadro de colaboradores das maiores empresas. No empreendedorismo, porém, são maioria.

 

METADE DE EMPREENDEDORES NEGROS E PARDOS

Dados do Sebrae mostram que, entre 2003 e 2013, o número de donos de negócios no Brasil subiu 10%, para 23,5 milhões. Nesse período, a fatia de empreendedores negros ou pardos subiu de 44% para 50% do total, enquanto a de brancos encolheu de 55% para 49%. Maior acesso ao ensino superior e ganho de renda, além da valorização da cultura afrobrasileira, colaboraram para essa expansão.

É o caso da carioca Karen Franquini, de 25 anos, uma das selecionadas pelo Inova Capital, que foi bolsista do Prouni e se formou em engenharia de produção pela PUC-Rio. Depois de formada, ela teve dificuldade para se inserir no mercado de trabalho porque não tinha outra especialização nem curso de inglês.

— Comecei a pesquisar programas de crédito para complementar os estudos, e vi que era uma demanda de outros recém-formados de baixa renda. Como fiz formação em empreendedorismo junto à graduação, decidi criar uma empresa que ajudasse a dar bolsas de estudos e a inserir jovens de baixa renda no mercado — conta ela.

Nasceu a Ganbatte — termo em japonês que significa “faça o seu melhor” —, que atualmente oferece capacitação profissional, cursos on-line de competências comerciais de trabalho, funcionando como um coaching de carreira. O negócio ainda não é sustentável e funciona na casa da jovem, que utiliza um espaço da RioCriativo, incubadora da Secretaria estadual de Cultura, no Centro, para reuniões. Oportunidade. A carioca Karen transformou dificuldade pessoal em negócio, inserindo jovens de baixa renda no mercado Cultura afro. Elaine Rosa, à esquerda, com colaboradores da Rainha Crespa: aposta em feira étnica no Rio Com o apoio do BID, está ampliando a operação.

João Carlos Nogueira, coordenador geral da Rede de Afroempreendedores Brasil (Reafro), destaca que a situação do mercado de trabalho é um reflexo das condições de negros e pardos no país:

— Afrobrasileiros historicamente têm menor acesso à educação e qualificação, mas é um quadro que vem mudando. Barreiras do racismo, no entanto, ainda impedem salto nos negócios.

Criada em 2015, a Reafro, em parceria com o Instituto Adolpho Bauer (PR), conduziu um estudo para identificar o perfil desses negócios, as dificuldades enfrentadas e as principais demandas.

— Todos buscam capacitação, oportunidades de negócio, consultoria, acesso a linhas de crédito, que é o que queremos prover ao constituir a rede — diz Nogueira, que prevê saltar dos atuais 1.500 associados para 150 mil em cinco anos.

Foi o mergulho nos valores da cultura afrobrasileira que levou Elaine Rosa, carioca da Pavuna de 28 anos, a criar a produtora de eventos Rainha Crespa, em 2014.

— Estava num processo de transição com meu cabelo. Queria usar mais natural, afro e não encontrava canais de troca presenciais. Isso foi puxando discussões em várias frentes. E surgiu a ideia da Feira Crespa, uma feira étnica que já tem mercado consolidado em São Paulo — conta ela.

Elaine transferiu o escritório da Rainha Crespa e a equipe de sete a nove pessoas para o espaço que passam a ocupar esta semana no RioCriativo, após vencer premiação da Prefeitura do Rio:

— A Agência Redes para a Juventude nos deu o primeiro incentivo financeiro para realizar a feira. Estamos criando diferentes formatos para precificar a feira. E já conseguimos pagar salários, embora ainda não sejam nos valores de mercado.

O rendimento médio dos donos de negócios negros ou pardos era de R$ 1.246 por mês em 2013, o equivalente a 1,8 salário-mínimo. É menos da metade do rendimento médio do empreendedor branco, de R$ 2.627, ou 3,9 salários.

Carla Teixeira, coordenadora do projeto Comunidade Sebrae, que tem como foco trabalhar o empoderamento da cultura negra junto a empreendedores focados nesse perfil de público e negócio, está concluindo uma pesquisa sobre as feiras afro na Região Metropolitana do Rio.

— A pesquisa derruba a ideia de que afroempreendedores têm poucos anos de estudo e iniciam negócio por necessidade. No caso das feiras, eles criaram para reforçar a importância da cultura negra na sociedade e a maioria tem ensino médio ou superior — explica. — É importante que eles atuem em rede, para crescer, diversificar o perfil dos colaboradores e ampliar oportunidades.

Hamilton Henrique da Silva, um dos selecionados pelo BID, fluminense de São Gonçalo, criou o Saladorama, para ampliar o consumo de alimentos saudáveis em comunidades e, ao mesmo tempo, gerar renda.

— Percebi que faltava a cultura de consumir alimentos saudáveis nas comunidades, principalmente pela falsa ideia de que custa caro. Então criei um misto de negócio de montagem de saladas para entrega e plataforma de aprendizado. Cada núcleo tem cultivo próprio de legumes e verduras e equipe de funcionários. Já treinamos mais de 200 meninas negras de comunidades — conta ele, que já tem cinco núcleos do projeto em quatro estados.

Já a gaúcha Alyne Jobim, também selecionada pelo programa do BID, abriu a Integrare Consultoria dois anos atrás, focada em seleção e inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho:

— A diversidade modifica o ambiente corporativo, agrega pontos de vista, estimula a inovação. A inclusão por gênero e raça também traz esses benefícios.