O globo, n. 30491, 29/01/2017. País, p. 4

Militares vivem o isolamento dos pelotões na imensidão amazônica

Crimes e recursos naturais marcam regimentos nos limites do Brasil
Por: RENATA MARIZ*

 

RENATA MARIZ*

renata.mariz@oglobo.com.br


Encravado na floresta amazônica e às margens de um rio que muda de nome e de nacionalidade ao longo de sua extensão, o lugar ganha uma definição resumida nas palavras do coronel do Exército Júlio Cesar Nagy: “um cenário de riquezas naturais e cometimento de ilícitos”. Ele se refere aos mais de oito mil quilômetros monitorados, na linha de frente, pelos 24 pelotões especiais de fronteira sob o Comando Militar da Amazônia. A região inclui a chamada rota Solimões, por onde entram armas e drogas, palco de uma disputa de mercado entre facções com reflexos nos presídios brasileiros.

Nesses 24 pelotões especiais de fronteira, que são os pontos terrestres mais avançados do Brasil naquela região, estão 1.500 militares, baseados nos estados de Rondônia, Acre, Amazonas e Roraima. Eles atuam no limite com cinco países: Peru, Bolívia, Venezuela, Colômbia e Guiana. Cada pelotão é formado por cerca de 60 homens. A idade média é de 25 anos. O isolamento nos recônditos da floresta amazônica leva os jovens combatentes a viverem de forma mais exacerbada o conceito de irmandade desenvolvido no meio militar. Orgulham-se da saudação “Selva!”, puxada por um e respondida por todos, e não raro mencionam a tríade “vida, combate e trabalho” quando questionados sobre a rotina numa área tão inóspita.

No pelotão de Vila Bittencourt, uma espécie de distrito do município de Japurá (AM) com acesso apenas por barco ou avião, a exuberância e aparente tranquilidade da floresta ao redor se confunde com a tensão durante as inspeções no rio, que também leva o nome Japurá, um afluente do Solimões. Na margem oposta, que pode ser alcançada por lancha sem dificuldades, já é território colombiano. O trânsito de embarcações não para na região, que tem a via fluvial como meio de transporte mais comum. No primeiro dia deste ano, porém, um barco sem ocupantes chamou a atenção dos militares.

A embarcação parecia ter naufragado após se chocar num banco de areia e foi abandonada pelos ocupantes. Pacotes lacrados estavam boiando rio abaixo com 905 quilos de skunk, uma maconha com efeitos mais fortes. Mas nem todas as apreensões ocorrem de forma tranquila. Menos de um mês antes, guarnições militares abordaram duas lanchas. Houve confronto. Um traficante colombiano acabou ferido e morreu. Outros cinco homens que estavam a bordo, com 320 quilos de cocaína e identidades falsas, foram presos.

 

BÔNUS DE RECOMPENSA

O Ministério da Defesa não informa quantos militares morrem em área de fronteira por “questões de sigilo”. Em média, os homens das Forças Armadas servem nos pelotões especiais, localizados no limite terrestre do Brasil, por um ano. Cabos e soldados costumam ficar um pouco mais de tempo. Todos vão para o destacamento de forma voluntária. Para compensar o sacrifício, recebem gratificação de 20% sobre o soldo básico, acrescida de 2% a cada dia trabalhado. Essa espécie de diária é limitada em seis meses no ano.

Apesar de jovens, cerca de 40% dos militares nos pelotões de fronteira são casados. O próprio comando do Exército prefere recrutar voluntários acompanhados, por considerá-los mais estáveis para viver numa área de difícil acesso. A estrutura montada pelas Forças Armadas no local minimiza os contratempos. Há consultório médico e de dentista, equipamentos de comunicação, rede wi-fi, cozinha industrial e até uma padaria.

Marília Nunes Celes está há um ano na Vila Bittencourt com o marido e duas filhas. Acostumada com uma rotina mais agitada em Tabatinga (AM), a duas horas de avião de lá, fez amizade com outras mulheres de servidores para driblar o tédio.

— Eu gosto de festa e aqui é mais tranquilo. Mas a gente tenta fazer a nossa própria festa. Fazemos churrascos, reuniões — conta Marília, ao lado de uma amiga, também casada com militar. (*A repórter viajou a convite do Ministério da Defesa)