Avanço da tecnologia revoluciona a medicina

Simone Kafruni

20/01/2017

 

 

 

Inovações cada vez mais sofisticadas permitem maior precisão em prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças. Investimentos globais em aplicações da chamada internet das coisas alcançarão US$ 117 bilhões até 2020. Desafio é reduzir custos para pacientes

 

 

No início do século passado, a expectativa de vida dos seres humanos era de apenas 33 anos. Na década de 2000, dobrou para 70. Hoje, já se fala que a maioria das pessoas chegará facilmente aos 100 anos. A explicação para esse salto está nas inovações tecnológicas da medicina. A cada ano, dezenas de importantes descobertas científicas garantem mais tempo e qualidade de vida. Embora continue a busca pela cura do câncer e por antídotos de vírus mortais, muito foi feito para mitigar o sofrimento e o impacto de doenças graves. O futuro, no entanto, reserva ainda mais conquistas.

Além da modernização de equipamentos para auxiliar os médicos a chegarem a diagnósticos precisos e rápidos, as novas tecnologias permitem a prevenção de doenças crônicas, responsáveis por 72% das mortes antes dos 60 anos de idade, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A área de cuidados com a saúde, que combina internet das coisas (IoT, internet of things, na sigla em inglês) industrial e comercial, é a que mais tem a ganhar com avanços. Pesquisa da Market Research aponta que o segmento de IoT aplicado à saúde vai movimentar US$ 117 bilhões até 2020.

Os chamados wearables, aparelhos “vestíveis”, garantirão o monitoramento de pacientes de baixo risco, sem que necessitem ficar internados em hospitais. Os mesmos tipos de sensores poderão acompanhar o dia a dia de idosos e monitorar sinais vitais e níveis de glicose no sangue, no caso de diabéticos. Frascos de medicamentos emitirão alertas caso o paciente deixe de ingerir seu remédio. E todas as informações apuradas serão enviadas diretamente aos profissionais de saúde.

 

Monitoramento

Na opinião de Rubens Sakay, especialista em comportamento humano, o monitoramento do indivíduo por meio de equipamentos inteligentes que serão colocados dentro do organismo, injetados, ingeridos ou tatuados, já é uma realidade. “A tecnologia existe. São pequenos computadores que vão entrar no organismo ou que vamos vestir. Coisas testadas nas guerras para medir sinais vitais foram aprimoradas. Hoje, é possível enviar as informações ao computador e tornar o acesso disponível para médicos em qualquer lugar do mundo”, afirma.

Sakay vai além. “Num futuro próximo, as tecnologias de reconhecimento facial e multimetria, que existem hoje, serão aplicadas na área da saúde. Vão estar no seu espelho, e, pela manhã, será possível saber se você está bem ou não”, revela.

Para Anna Carolina Faleiros Martins, professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em inteligência artificial médica, a substituição completa de profissionais dificilmente vai ocorrer, por maior que seja a evolução da robótica e dos sistemas de diagnóstico. “Os sistemas de apoio a diagnósticos são programas inteligentes, mas é o profissional que alimenta o software com os sintomas que o paciente tem. A máquina apenas colabora na investigação das doenças”, afirma.

A professora da UnB ressalta, ainda, que a nanotecnologia, que fará monitoramento interno no corpo humano, também só chegará com o futuro no Brasil. “São possibilidades testadas em laboratório, no campo teórico. A aplicabilidade é fantástica, mas ainda temos muito tempo pela frente. Existem questões éticas a serem respeitadas”, alerta.

Além das inovações para prevenção, os investimentos mais consistentes estão na área de células-tronco e no desenvolvimento de robôs e de materiais compatíveis com o corpo humano para serem usados em impressoras 3D. Um dos objetivos é replicar órgãos para acabar com as filas de transplantes e reduzir os problemas com rejeição.

A professora de engenharia biomédica Maria Elizete Kunkel, coordenadora da Câmara Técnica de Extensão e Cultura do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de São Paulo, explica que a impressão 3D é uma realidade com o uso de polímeros de plástico na elaboração de próteses ósseas. “Para desenvolver um órgão, precisamos fazer uma mistura de gel com células da própria pessoa”, conta.  “Já é possível construir um fígado, por exemplo, o problema é mantê-lo vivo e fazê-lo comportar-se como um fígado dentro da pessoa”, detalha. Para isso, ainda são necessárias outras tecnologias.

 

Limitações

A especialista explica que grande parte das novas tecnologias depende da internet. “Isso é uma das limitações no Brasil. Muitos hospitais têm dificuldade de ter redes e computadores bons”, diz. Cirurgias remotas já ocorrem na Alemanha. “A de próstata é mais segura do que a convencional. Os médicos dão preferência para o corte robótico, porque a precisão é maior”, assinala.

Outro grave problema, no país, são os recursos humanos. “O médico não têm condições de saber tudo. Por isso, precisa ter ao lado um engenheiro biomédico”, explica Maria Elizete. Nos Estados Unidos e na Europa, existem cursos de engenharia biomédica há mais de 30 anos. No Brasil, eles surgiram nos últimos 5 anos e as primeiras turmas formadas são recentes.

A professora também ressalta que o país compra as tecnologias de outros países, que, de tão caras, não chegam ao Sistema Único de Saúde (SUS). “Próteses biônicas custam em torno de R$ 300 mil, totalmente fora do padrão brasileiro. A esperança é que esses novos profissionais possam desenvolver tecnologias nacionais”, pontua.

Na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, há profissionais desenvolvendo tecnologias nacionais na área de diagnóstico por imagem aplicadas na medicina fetal. Heron Werner Júnior, médico da Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI) do Rio, explica que a inovação possibilita reunir informações captadas por exames básicos de ultrassonografia e ressonância magnética com a impressão 3D do feto para identificar uma possível má-formação. “A tecnologia tem uma interface para que médicos de outras especialidades possam estudar os casos também”, comenta.

 

 

Correio braziliense, n. 19597, 20/01/2017. Economia, p. 10.