O Estado de São Paulo, n. 45029, 29/01/2017. Política, p. A8

Janot vai pedir que Suíça investigue aliado de Serra

 

Jamil Chade

 

O Ministério Público Federal vai pedir às autoridades suíças que investiguem e bloqueiem no país europeu recursos de Ronaldo Cezar Coelho, ex-deputado que atuou na campanha presidencial do atual ministro das Relações Exteriores, José Serra, em 2010. O assunto estava na pauta da reunião que ocorreria no dia 20 entre o procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, e o chefe do Ministério Público suíço, Michael Lauber.

A morte do ministro Teori Zavascki, no dia anterior, adiou o encontro.

O objetivo dos procuradores brasileiros com o pedido, segundo apurou o Estado, é tentar identificar eventual irregularidade em pagamentos relacionados à campanha do PSDB. Serra foi citado por funcionários da Odebrecht como destinatário de R$ 23 milhões repassados via caixa 2 para sua campanha presidencial de 2010, conforme publicou o jornal Folha de S.Paulo.

Parte desses recursos teria sido transferida por meio de uma conta na Suíça.

Por meio de seu advogado, o criminalista Antônio Claudio Mariz de Oliveira, Cezar Coelho admitiu que recebeu recursos do PSDB em uma conta na Suíça a título de ressarcimento por gastos que teve na campanha, da qual foi coordenador político.

De acordo com o advogado, o dinheiro depositado no exterior foi regularizado pelo empresário por meio do programa de repatriação de ativos, criado no início do ano passado para permitir que donos de recursos não declarados fora do Brasil pudessem informar ao Banco Central sem serem acusados de crimes financeiros.

Após pagar as multas e impostos previstos, o ex-deputado, porém, optou por manter os recursos no país europeu, o que é uma das possibilidades admitidas pela lei.

“É preciso que se tenha presente que os recursos da conta bancária na Suíça foram devidamente regularizados no Brasil e são fruto de suas atividades empresariais e do ressarcimento do PSDB em razão de despesas arcadas por Ronaldo Cézar Coelho durante a campanha em 2009 e 2010”, disse Mariz.

“Qualquer investigação apenas e tão somente irá verificar a veracidade do que já foi por ele declarado”, afirmou o criminalista.

 

Lavagem. Na avaliação do Ministério Público Federal, ao aderir ao programa de repatriação, Cezar Coelho pode ter escapado do crime de sonegação fiscal e evasão de divisas, mas não das suspeitas de lavagem de dinheiro.

Por isso, procuradores querem agora que a Suíça abra uma investigação e peça aos bancos envolvidos nas contas do ex-deputado os extratos para avaliar de quem recebeu e, eventualmente, a quem pagou.

Ao Estado, fontes de alto escalão próximas ao caso confirmaram que a suspeita é de que parte do dinheiro pode ter sido usada para alimentar a campanha de Serra nas eleições de 2010.

 

Defesa. Por meio de nota, Serra afirmou que as finanças de suas campanhas estavam sob responsabilidade do partido. “O ministro José Serra não tem conhecimento de nenhuma informação sobre suposto pedido da Procuradoria-Geral da República às autoridades suíças.

Todas as campanhas de José Serra foram conduzidas nos termos da legislação em vigor com as finanças sob a responsabilidade do partido.” Questionado, o Ministério Público suíço se recusou a dar informações à reportagem se já abriu inquérito em relação ao ex-deputado Cezar Coelho.

“O escritório do procurador-geral da Suíça não está em uma posição de revelar qualquer tipo de informação relacionada a pessoas possivelmente ligadas a processos criminais”, respondeu o MP suíço. / COLABOROU FAUSTO MACEDO

 

Despesas

“Os recursos da conta bancária na Suíça foram devidamente regularizados no Brasil e são fruto de suas atividades empresariais e do ressarcimento do PSDB em razão de despesas arcadas por Ronaldo Cézar Coelho durante a campanha em 2009 e 2010.”

Antônio Claudio Mariz de Oliveira

ADVOGADO DO EX-DEPUTADO RONALDO CEZAR COELHO

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O ‘arquivo’ da Lava Jato no STF

 
Beatriz Bulla

 

Considerado a memória da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, o juiz auxiliar Márcio Schiefler Fontes acompanhou, ao lado do ministro Teori Zavascki, morto no dia 19 em acidente aéreo em Paraty, no Rio, a investigação do esquema de corrupção na Petrobrás desde o início, em 2014. Na última semana, coube a Schiefler e mais dois juízes instrutores a condução das audiências com executivos e ex-executivos da Odebrecht, reta final antes da homologação dos acordos de delação.

Schiefler chegou ao STF em 2014 e, na época da abertura dos primeiros inquéritos contra políticos, um ano depois, já tinha a confiança do chefe. Discreto, mantinha contato constante com Teori – no tribunal e fora dele – e sabia que o ministro viajaria a Paraty. No dia do acidente, fez a “ponte” entre a família de Teori, a presidência do STF e o Palácio do Planalto.

 

‘Parceria fina’. Como braço direito do ministro, Schiefler participou de decisões sobre a Lava Jato e foi incumbido por Teori de ouvir delatores sobre os acordos assinados. Nesse período, evitou conversas com a imprensa.

Ministro e auxiliar tinham uma “parceria muito fina”, segundo integrantes do gabinete.

“Ele (Schiefler) é o arquivo de toda a história da Lava Jato no gabinete do Teori”, disse o procurador regional da República na 4.ª Região Douglas Fischer, que coordenou o grupo montado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para atuar na Lava Jato no início das investigações. Para Fischer, Schiefler é “o juiz certo no lugar certo”. “Equilibrado, ponderado e discreto, as mesmas características do Teori.” Também foi Schiefler quem recebeu a equipe da Procuradoria- Geral da República em março de 2015 para a entrega da primeira leva de investigações contra políticos – a “lista de Janot”.

O auxiliar é juiz de direito no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Apesar de Teori ter nascido no mesmo Estado, os dois não trabalharam juntos antes do período em Brasília.

Teori não só orientava os juízes a manter absoluto sigilo das informações da Lava Jato como escolhia os auxiliares de acordo com o que avaliava ser necessário para o seu gabinete. “Como brincávamos no gabinete, urubu não anda com garça”, lembrou Ludmila de Oliveira Lacerda, ex-chefe de gabinete do relator da Lava Jato, ao comparar o perfil dos juízes e da equipe de Teori a do próprio ministro.

 

Equipe. Além de Schiefler, Teori tinha mais dois juízes auxiliares, que entraram na equipe no ano passado. Paulo Marcos de Farias, que era titular do Tribunal do Júri em Santa Catarina, foi convocado para o STF no início de 2016. O mais novo a chegar foi Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho, juiz federal em Goiás, que entrou para o gabinete de Teori em setembro.

O momento, agora, é de incerteza para os juízes auxiliares.

O novo relator – a ser definido – pode aproveitar a equipe, mas os cargos de juiz auxiliar e instrutor são de confiança.

Em regra, ministros do STF podem ter dois magistrados para ajudar no dia a dia dos processos. Mas a própria Corte autorizou Teori a ter um juiz extra, por causa do volume de trabalho como relator da Lava Jato.

 

Perfil

“Ele (Schiefler) é o arquivo de toda a história da Lava Jato no gabinete do Teori (...) Equilibrado, ponderado e discreto, as mesmas características do Teori.”

Douglas Fischer

PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA

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Sem apoio do PT, ex-tesoureiro 'sofre' para pagar fiança

 

Ricardo Galhardo

 

O gaúcho Paulo Ferreira tem duas coisas em comum com Delúbio Soares e João Vaccari Neto. Foi tesoureiro nacional do PT e acabou na cadeia. Mas, diferentemente de Delúbio e Vaccari, que sempre contaram com a solidariedade do partido nos momentos difíceis, Ferreira, réu na Lava Jato e na Custo Brasil, tem enfrentado sozinho as dificuldades para pagar a fiança de R$ 200 mil fixada pela Justiça.

Até agora, nem petistas mais próximos de Ferreira se mobilizaram para ajudar o companheiro preso. A direção do partido também já disse que não vai fazer nenhum movimento para auxiliar o ex-dirigente a arrecadar o montante.

No caso de Delúbio, que foi condenado a 8 anos e 11 meses de prisão e pagamento de R$ 466 mil de multa por envolvimento no mensalão, a militância se mobilizou e em poucos dias arrecadou mais de R$ 1 milhão. O excedente ainda ajudou a pagar a multa de outros condenados.

Ele ficou preso entre novembro de 2013 e setembro de 2014.

Já Vaccari, detido desde abril de 2015 pela Lava Jato, foi objeto de defesas públicas da direção partidária e até do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A solidariedade petista se fez presente até no caso do desconhecido João Gois Neto, ex-vereador pelo PT de Osasco, na Grande São Paulo, preso preventivamente por suposto envolvimento em um esquema de funcionários fantasmas na Câmara Municipal. Em pouco mais de 24 horas, os petistas da cidade conseguiram juntar o total de R$ 300 mil para pagar a fiança do ex-vereador.

Enquanto isso, Ferreira, que ocupou um dos cargos mais importantes na hierarquia partidária, revira os bolsos para conseguir sozinho os R$ 200 mil estipulados pela juíza federal Gabriela Hardt, que substitui o juiz Sérgio Moro em suas férias.

O valor da fiança determinado por Moro era de R$ 1 milhão.

 

Desabafo. “Se os militantes do PT não simpatizam com o Ferreira, problema deles”, desabafou o advogado do ex-tesoureiro, Luiz Bueno de Aguiar. De acordo com o advogado, Ferreira colocou à disposição da Justiça o único bem que possui, um carro usado no valor de R$ 38 mil, e tenta sacar R$ 158 mil de um consórcio habitacional, mas enfrenta dificuldades. “Agora a juíza quer fazer uma perícia no carro. Nem sabemos se juntando tudo vai dar os R$ 200 mil”, afirmou Aguiar.

A única ajuda dada pelo partido é o pagamento da defesa.

Aguiar é contratado pelo PT desde 2005, recebe valores fixos e seu contrato prevê a defesa de integrantes da direção da sigla. Além dele, outros quatro advogados contratados pelo PT por valores simbólicos auxiliam na defesa do ex-tesoureiro.

“O PT está fazendo o que a lei permite”, disse o advogado.

 

Indiferença. Segundo lideranças petistas, a indiferença em relação a Ferreira se deve à discrepante postura do gaúcho em relação aos outros ex-tesoureiros que foram presos. Enquanto Delúbio e Vaccari pagaram o preço por controlar o caixa 2 partidário, atuando como “soldados” do PT, Ferreira teria usado propinas da Petrobrás em interesse próprio. Ele é acusado de entregar R$ 45 mil da estatal para a escola de samba Estado Maior da Restinga, de Porto Alegre, em troca de apoio político na campanha para deputado federal em 2010. Além disso, teria repassado outros R$ 61 mil à rainha da bateria da escola, Viviane Rodrigues da Silva. O ex-tesoureiro nega as acusações.

Segundo o advogado, a situação financeira de Ferreira é dramática. “Quando sair da cadeia ele vai ter que morar de favor na casa da filha.”

 

TRATAMENTO

Paulo Ferreira

Preso desde junho, o ex-tesoureiro,  réu na Lava Jato e na Custo Brasil, não obteve ajuda do PT para pagar fiança de R$ 200 mil.

 

Delúbio Soares

Condenado no mensalão, Delúbio (acima) teve de pagar multa de R$ 466 mil. A militância arrecadou mais de R$ 1 milhão e sobra quitou outras multas.

 

João Vaccari Neto

O ex-tesoureiro, detido pela Lava Jato desde abril de 2015, recebeu defesas públicas da direção partidária e de Lula.