Título: Motoristas são mal-formados
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 02/12/2011, Cidades, p. 22

Associação Brasileira de Medicina de Tráfego diz que condutores ganham direito de dirigir sem instrução adequada. Detran-DF anuncia campanha voltada para a conscientização dos universitários

» Adriana Bernardes

Os números do Ministério da Saúde são bem superiores aos divulgados pelo Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). Enquanto o governo federal registra 548 mortes, o GDF considera apenas 461, menos 87. A discrepância dos números não ocorre somente na capital do país e se deve a vários fatores. Nem todas as unidades da Federação produzem estatísticas confiáveis sobre os mortos no trânsito. Alguns contabilizam apenas os casos em que a pessoa morre no local do acidente.

O Detran-DF, por exemplo, acompanha o estado de saúde dos sobreviventes por até 30 dias e, se nesse período, ele morrer, é incluído na estatística de mortos no trânsito. Nem mesmo o órgão executivo nacional de trânsito, o Denatran, é eficiente na coleta de dados e reúne informações incompletas e defasadas em pelo menos dois anos.

As estatísticas podem ser ainda piores não só em Brasília como em todo o país, na avaliação da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). "Se o órgão federal contabiliza 40 mil mortos no trânsito, seguramente esse número pode ser multiplicado por três", afirma Dirceu Rodrigues Alves Júnior, diretor da entidade.

As tragédias nas pistas brasileiras são resultado da formação precária do condutor, segundo Dirceu Júnior. Ele ressalta que, da pré-escola ao fim do ensino médio, o futuro motorista não tem nenhum ensinamento das normas de trânsito, o que contraria o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). "Ele chega aos 18 anos em um curso de formação que ensina a dirigir a 30km/h ou 40km/h, subir uma ladeira sem deixar o carro voltar, fazer baliza e, pronto, recebe a permissão para dirigir. Sai sem conhecer nada sobre direção veicular. Não conhece a máquina que está dirigindo", critica o diretor da Abramet.

A má-formação, aliada ao gosto pela aventura inerente aos jovens, à busca pela emoção, leva ao excesso de velocidade, segundo o especialista. Nas baladas, entram mais dois componentes arriscados: o uso de drogas ilícitas e da bebida. Condições que agravam as ocorrências de trânsito. "Isso é desastroso para o país. A nossa massa produtiva está sendo reduzida. Estamos com população de idosos e de crianças enorme. Daqui a pouco, não teremos como sustentá-los. As mortes no trânsito é a doença epidêmica ignorada pelo Estado", critica.

O crescimento da frota de motos é outro fator preocupante, segundo Dirceu Júnior. Nas grandes cidades, elas substituem o carro e o transporte público precário a um custo relativamente baixo e que facilita a mobilidade. "De cada 100 motociclistas, 69 vão sofrer acidente que terá como resultado a morte, ferimentos ou sequelas definitivas", afirma o especialista.

Agressividade Para conter as mortes no trânsito da capital do país, uma equipe do Detran-DF está fazendo estudos para definir estratégias de atuação mais eficientes. Já se sabe que um dos focos de atuação do órgão no próximo ano serão universidades. "Aos 18 e 19 anos, o jovem está com a permissão para dirigir e, nessa faixa etária, o registro de óbito e infrações é relativamente baixo. A partir dos 20, isso começa a mudar. Vamos levar a reflexão sobre a segurança no trânsito para um grupo que vai dos 20 aos 27 anos", antecipa o diretor de educação do Detran, Marcelo Granja.

Ao comentar a mortalidade entre pessoas com 20 a 39 anos, Granja ressalta que nesse grupo, a maioria das vítimas é homem e isso está ligada a questões culturais. "O homem usa o carro para se autoafirmar. O veículo é usado como uma extensão do seu corpo. Culturalmente, o homem é mais agressivo que a mulher. Esse comportamento também é percebido no trânsito e tudo isso contribui para que eles sejam as vítimas mais recorrentes", explica.

Questionado sobre o fato de ter mais homens habilitados que mulheres, Granja garante que a diferença não é suficiente para justificar a proporção de morte maior entre eles.