O Estado de São Paulo, n. 45031, 31/01/2017. Espaço aberto, p. A2
Cármen Lúcia homologa delação da Odebrecht
 
Breno Pires
Rafael Moraes Moura
Beatriz Bulla
 

No penúltimo dia do recesso do Judiciário, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, homologou ontem as delações de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht. A ministra manteve o sigilo do conteúdo dos depoimentos. Com a decisão, ela procurou sinalizar à opinião pública o compromisso de não retardar as investigações da Operação Lava Jato no âmbito do Supremo após a morte do relator, ministro Teori Zavascki.

Cármen Lúcia homologou o acordo atendendo a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que solicitou na semana passada urgência na análise das delações.

Caberá a Janot eventualmente pedir ao STF a retirada do sigilo do material sobre a Odebrecht.

No fim do ano passado, o procurador-geral disse a parlamentares que pretendia solicitar o fim do sigilo assim que possível.

Nos bastidores, a Procuradoria- Geral da República também aguarda a definição do novo relator da Lava Jato no Supremo para avaliar a estratégia a ser usada na investigação.

O nome pode ser conhecido amanhã. Cármen Lúcia deve anunciar na sessão de abertura do ano Judiciário o modo como será redistribuída a relatoria dos processos relacionados à operação que investiga o esquema de corrupção na Petrobrás.

A tendência é de que o sorteio ocorra no mesmo dia. Na ocasião, também será feita uma homenagem a Teori, morto em desastre aéreo no dia 19.

A presidente do STF tem conversado nos últimos dias com colegas da Corte para encontrar a melhor saída para o caso.

A tendência é de que determine o sorteio do novo relator entre os integrantes da Segunda Turma – composta atualmente pelos ministros Dias Toffoli, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Também se discute internamente uma eventual mudança do ministro Edson Fachin da Primeira para a Segunda Turma, como forma de evitar empates nos julgamentos da Lava Jato e retirar das costas do novo indicado à Corte o ônus de ser nomeado para o colegiado que julga a operação.

De acordo com fontes ouvidas pelo Estado, alguns ministros defenderam nos bastidores a indicação de um magistrado da Corte para assumir a Lava Jato – evitando um sorteio. A presidente, no entanto, teria sido desaconselhada por integrantes do tribunal a tomar essa decisão, inclusive pelo decano, Celso de Mello.

Ontem, poucas horas depois de o Supremo comunicar a homologação, Janot fez uma visita rápida a Cármen Lúcia para buscar os documentos. Abordado por jornalistas, o procurador disse que “não é hora de falar nada”.

Com a homologação, a Procuradoria- Geral da República pode começar a analisar formalmente o material para solicitar inquéritos e oferecer denúncias contra políticos e autoridades com foro privilegiado citadas pelos delatores. Os 77 executivos produziram cerca de 950 depoimentos, nos quais relataram propinas em diversos Estados e em ao menos 12 países.

A partir de agora, em tese, os delatores da Odebrecht podem começar a cumprir a pena acertada entre os advogados e o Ministério Público. O único executivo do grupo que ainda permanece preso é o herdeiro e ex-presidente do conglomerado, Marcelo Odebrecht. Ele deve ficar até o fim de 2017 em regime fechado, antes de progredir para o regime domiciliar. O pai de Marcelo, o patriarca Emílio Odebrecht, ganhou prazo no acordo para continuar à frente da empresa e fazer uma transição, tentando reerguer o grupo e reestruturar a empreiteira de acordo com regras de compliance.

 

Reações. “O recado que passa para a sociedade é que as instituições estão funcionando e, para os investigados, que não houve paralisação. Ou seja, eles não podem simplesmente apostar no tempo”, afirmou ao Estado o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, sobre a homologação.

Marco Aurélio disse que recebeu com naturalidade a decisão da ministra de validar as delações.

“Eu não supunha que ela fosse homologar, mas recebi com naturalidade.” Em nota, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) afirmou que Cármen Lúcia demonstrou “o seu compromisso com a celeridade processual”.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, disse que a homologação das delações é um “ato de justiça”. “Não apenas à memória do ministro Teori Zavascki, mas de garantia à sociedade de que o julgamento da Lava Jato não será interrompido ou mesmo atrasado, beneficiando corruptos e corruptores”, disse Lamachia também em nota à imprensa.

 

Andamento

“O recado para a sociedade é que as instituições estão funcionando e, para os investigados, que não houve paralisação.”

Marco Aurélio Mello

MINISTRO DO STF

 

ACORDO

● Presidente do STF, Cármen Lúcia homologou delações da Odebrecht, mas manteve sigilo

 

2016

FEV

Começam as primeiras conversas para negociar um acordo de delação

 

MARÇO

Marcelo Odebrecht é condenado a 19 anos e 4 meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa

 

MAIO

Após condenação da cúpula da empreiteira, executivos assinam acordo de confidencialidade, considerado o primeiro passo para uma delação

 

DEZ

77 executivos e ex-executivos assinam acordo. Delação da Odebrecht chega ao STF, que analisa a colaboração e faz audiências com delatores

 

2017

JAN

Após a morte de Teori Zavascki, juízes auxiliares concluem audiências com os delatores. Ontem, Cármen Lúcia homologou as delações da empreiteira

 

Próximos passos

Relator STF
precisa decidir quem herda a Lava Jato no lugar de Teori e, portanto, quem assume a condução das investigações sobre a delação da Odebrecht

 

Sigilo

Procuradoria-Geral da República pode pedir a retirada do sigilo das delações, que terá de ser avaliada pelo novo relator

 

Fatiamento

Procuradoria pode pedir para o STF redistribuir casos que não envolvam autoridades com foro privilegiado a outras instâncias da Justiça por todo o País

 

Inquéritos e denúncias

Cabe à Procuradoria solicitar abertura de inquérito contra políticos com foro privilegiado ou, eventualmente, oferecer denúncias

 

A empreiteira na Lava Jato

77 Delatores

950 Depoimentos

R$ 6,9 bilhões Multa

R$ 3,4bilhões

Propina admitida em 12 países