"Nós não temos um plano de segurança"

Eduardo Militão

16/01/2017

 

 

PONTO A PONTO ELIANA CALMON » Ex-corregedora nacional de Justiça afirma que a morosidade do Judiciário contribui para a superlotação em cadeias

 

Eliana Calmon acordou cedo em Salvador para fugir do trânsito e embarcar para Brasília na última quarta-feira. Era o fim das férias na cidade onde mora em frente ao Farol da Barra. Aos 72 anos, a ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ainda recebe telefonemas com queixas de magistrados. “Olha, agora sou só advogada”, explicou a uma senhora da Bahia que lhe telefonava com um problema na Justiça do Trabalho, horas depois de voar e chegar a um confortável apartamento na Asa Sul.

Ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e candidata derrotada a uma vaga no Senado pelo PSB em 2014 — um convite de Marina Silva (Rede) e do ex-governador pernambucano falecido Eduardo Campos —, Eliana quer distância da política. O objetivo agora é “ganhar um pouco de dinheiro” para dar condições aos netos de morarem fora do país. “Qual a expectativa?”, justifica. Para ela, o país está no fundo do poço. “Os partidos são uma espécie de clube, onde têm as cartas marcadas: fundo partidário, secretarias para aquela meia dúzia que funciona em torno do partido.”

Em conversa com o Correio, a ministra nega ser do Judiciário a maior parcela da culpa do colapso no sistema carcerário brasileiro, embora reconheça entre os motivos para o caos a morosidade das decisões — e não as decisões por prisões provisórias — e a falta de magistrados e promotores que inspecionem presídios regularmente.

Apesar da instabilidade econômica e política e das revelações da Operação Lava-Jato que envolvem peças-chaves do governo federal, Eliana defende a permanência de Michel Temer no poder até o fim do período de transição, em 2018. Na opinião dela, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve separar as contas de campanha da chapa dele das da ex-presidente Dilma Rousseff. Em 2014, por exemplo, ela foi pessoalmente pedir a Emílio Odebrecht doação para a campanha ao Senado. Quanto ao melhor candidato para 2018, Eliana considera Marina Silva “muito rígida e séria”, mas sem condições de gerenciar o país em um momento como este. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

 

Caos penitenciário

“A maior culpa da Justiça está na morosidade, ao não julgar, e os presos provisórios estarem misturados com os (permanentes). Isso é muito grave.Tentou-se resolver isso com os mutirões carcerários. Eles foram paralisados em 2014. Prisão temporária está na lei, mas a lei não manda ficar um, dois, cinco anos sem julgar. Os atuais juízes são jovens, muito preparados, mas eu questiono a pouca experiência. Não sabem o que é a realidade. A culpa é dos tribunais, que não fiscalizam. Os juízes não conhecem a realidade prisional. Muito juiz encarcera sem nunca ter visitado um presídio.”

 

Ministério da Segurança

“Não resolve. É mais um órgão para termos cabide de emprego e gastarmos as parcas verbas que temos com a atividade-meio e não com a atividade-fim. A questão principal de segurança não é dinheiro. É gestão. Nós não temos um plano de segurança. O plano de governo do PT nunca veio a prevalecer. Lula fez um plano, e este foi desprezado logo no segundo ano de governo. Ele deixou pra trás.”

 

 

Michel Temer

“Ele pegou uma massa falida, uma bomba, tudo está deteriorado. A equipe econômica é altamente competente. E esse trabalho é importante, na tentativa de salvar as empresas. Precisamos de muitas reformas e, para isso, precisamos do Congresso. E a gente já sabe que, em razão da lei eleitoral, esse sistema perverso e sujo... Precisa se corromper para ter dinheiro e se eleger. Isso vem ocorrendo ao longo dos anos e foi aperfeiçoado na gestão do PT. Eu não quero nem pensar na hipótese de (o governo Temer) não dar certo. Sem ele, será o caos. Com legitimidade ou sem legitimidade, nós não vamos encontrar ninguém. Se partirmos para nova eleição, como quer a Marina... Se for indireta, é com esse Congresso Nacional. Se for direta, no voto popular, que candidatos?”

 

Candidatos 2018

“Eles fariam melhor? Eles teriam equipe para administrar esse caos? Marina Silva tem a habilidade política de se manter no governo e negociar com esse Congresso que está aí? Eu acho que não. Ela é uma mulher muito rígida, séria. Ela não transaciona. Hoje, o que está se administrando é o possível, não o que se precisa. A questão é ter nome suficiente para fazer essa transição política. Todos esses que se põem (como candidatos) nasceram desse próprio foco. Vamos trocar seis por meia dúzia. É melhor ficar o que está dentro de uma legitimidade nessa fase de transição que está organizando o projeto econômico para partirmos em 2018 com uma situação mais estabilizada. A mudança agora para um presidente-tampão vai paralisar tudo o que vem sendo feito, sem nomes que apareçam para dizer que realmente vão fazer a diferença.”

 

Futuro político

“Os partidos são uma espécie de clube, onde têm as cartas marcadas: fundo partidário, secretarias para aquela meia dúzia que funciona em torno do partido. O meu pensamento foi: ‘Se o PT ganhar as eleições e der prosseguimento ao que está aí, eles não vão mudar nada’. Eu me afasto da política e vou cuidar da minha vida, porque quero ganhar um pouco de dinheiro para tirar meus netos do Brasil. Eu estou advogando, tendo uma renda maior, e preparando a saída dos meus netos. Qual é a expectativa? Gente altamente qualificada não está encontrando emprego.”

 

TSE e Odebrecht

“Eu acho que eles vão dividir (a chapa de Dilma e Temer). É jurídico. A prestação de contas é diferente. Muitas vezes você não controla. Eu recebi do meu partido um programa de televisão e o partido recebeu de uma empreiteira R$ 200 mil. Eu não tenho como dizer: ‘Não quero, não, porque foi de uma empreiteira’. Na minha prestação de contas, eu botei a OAS, uma empresa do Paraná, nunca estive com ninguém da empresa. A Odebrecht, sim. Eu estive com ele, mas eles doaram por meio do partido. O grande problema é quem dá em troca dos projetos que tramitam no Congresso. Eles dão para todo mundo, dão mais para quem tem mais chances. Foi por meio de pessoas amigas, engenheiros, que eu fui lá e me apresentei. Fui muito bem recebida por Emílio (Odebrecht) em Salvador. Ele disse: ‘Pois não, doutora Eliana, é um prazer e tal’. Ele sabia que eu não ia ganhar. Eu ia ganhar de Geddel (Vieira Lima, PMDB-BA) e Otto Alencar (PSD-BA, que acabou eleito)? Não tinha como”.

 

 

 

Correio braziliense, n. 19593, 16/01/2017. Política, p. 2.