Rebelião violenta mata 26 presos de forma cruel

16/01/2017

 

 

CRISE NOS PRESÍDIOS » Motim na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na Grande Natal, foi contido após 14 horas e, mais uma vez, os corpos dos mortos foram mutilados. Secretário da Justiça do Estado não confirma ligação com casos de Manaus e Boa Vista, mas afirma que líderes são do PCC

 

 

Na mais sangrenta rebelião do Rio Grande do Norte, pelo menos 26 presos foram mortos de forma violenta na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na região metropolitana de Natal, informou, no fim da tarde de ontem, a Secretaria de Segurança do estado. O motim começou na tarde de sábado e só foi controlado, após 14 horas, no início da manhã do domingo, com a entrada de policiais militares e agentes penitenciários no local.

Pelo menos seis homens, pertencentes à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), foram identificados como os responsáveis pela rebelião. Eles serão transferidos para unidades penitenciárias estaduais ou federais. Em coletiva no domingo, o secretário de Estado da Justiça e da Cidadania do Rio Grande do Norte, Walber Virgolino Ferreira da Silva, confirmou que a rebelião foi a maior já registrada no complexo prisional, fundado no fim da década de 1990. “É a maior rebelião em número de mortos, mas não iremos superar Roraima”, afirmou o secretário. No dia 7 de janeiro, 31 presos foram mortos em penitenciária de Boa Vista (RR). Porém, o diretor do Instituto Técnico de Perícia (Itep/RN), Marcos Brandão confirmou que foi montada uma estrutura com capacidade para receber até 100 corpos. Um caminhão refrigerado com espaço para armazenar 50 cadáveres foi alugado para auxiliar o trabalho. O secretário não confirmou se a rebelião teria ligação com os casos registrados em Manaus e Roraima, que levou à morte cerca de 93 presos. “A situação do Norte estimulou aqui. Mas são coisas diferentes”, disse apenas. Desde março de 2015, o sistema prisional potiguar enfrenta uma séria crise estrutural. A população carcerária do Estado gira em torno de 7,7 mil pessoas. O deficit de vagas se aproxima das 4 mil. Em Alcaçuz, o maior presídio do estado, há 1.150 presos, quando a capacidade é para 620 detentos.

O governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD), não participou da entrevista. A única manifestação do mandatário do estado foi por meio da nota divulgada pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. “O governador agradeceu o apoio da Força Nacional, que está no Estado desde o ano passado e cuja presença por mais 60 dias foi autorizada pelo Ministério da Justiça na semana passada”.

Moraes lamentou as mortes ocorridas no Rio Grande do Norte e disse ainda que autorizou, a pedido do governador, parte dos R$ 13 milhões do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), liberados no dia 29 de dezembro de 2016, para modernização e aquisição de equipamentos, a ser utilizados em construções que reforcem a segurança no presídio”. Na mesma nota, o ministro agradeceu — em nome do presidente Michel Temer — o empenho das forças policiais que atuaram “em defesa da sociedade, evitando fugas e controlando a situação”.

Uma força-tarefa foi montada para a identificação das vítimas fatais. “Tem muita decapitação. Precisamos identificar todas as cabeças e corpos para depois remontá-los”, disse o diretor do Itep, Marcos Brandão. Para o atendimento aos familiares dos presos mortos, uma central de informações com psicólogos e assistentes sociais será montada nas proximidades do Itep.

Privados de qualquer informação sobre o número de feridos e mortos, familiares dos presos em Alcaçuz continuavam chegando e se alojando em frente ao complexo prisional. Familiares exaltados se armaram com pedaços de madeira e quase iniciaram um confronto. De um lado, mulheres dos apenados do Pavilhão 2. Do outro lado, familiares dos detentos do Pavilhão 5. Uma das mulheres, armada com um canivete, acabou se ferindo no princípio do tumulto, que foi logo controlado.

 

Mortes e fugas no PR e em MG

Enquanto os presos estavam amotinados na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, de sábado para domingo, foram registradas fugas de outras duas penitenciárias, no Paraná e em Minas Gerais. Na Região Metropolitana de Curitiba, a fuga de 23 presos da Penitenciária Estadual de Piraquara (PEP 1) provocou a morte de dois presos. Quatro suspeitos de terem participado da ação que fizeram refém uma família de Quatro Barras, cidade vizinha ao local do presídio, já foram detidos. Eles estavam com armas de alto calibre e se entregaram sem resistência. A fuga teve início perto das 7 horas, quando foram ouvidas as primeiras explosões nos muros da cadeia, realizadas por homens que estavam do lado de fora do presídio. Por causa disso, a segurança do Estado determinou o cancelamento de todas as visitas por uma semana e o fechamento dos acessos aos portões até que a situação esteja totalmente normalizada. Segundo informações do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná (Depen), um grupo de presos da Casa de Custódia de Piraquara (CCP) iniciou uma briga com o objetivo de atrair a atenção dos policiais ao mesmo tempo em que os muros eram explodidos.

Na capital mineira, 10 detentos fugiram na madrugada do Presídio Regional de Ibirité, na Grande Belo Horizonte (MG). A Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) negou que se tratasse de rebelião. Em nota, a Seap afirmou que a fuga ocorreu por volta das 3h. Os presos teriam escapado cerrando grades das celas. A capacidade do presídio é para cerca de100 detentos, mas abriga acima de 150 presos. A Seap informou que “a direção da unidade prisional irá apurar, em procedimento próprio, se houve ilícito administrativo no caso”. Até o fim do dia, nenhum dos fugitivos havia sido recapturado.

 

Linha do tempo

Rebeliões em presídios desde 1º de janeiro

 

1 e 2 de janeiro – Manaus: rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) deixa um total de 56 presos mortos. A rebelião começou após uma briga entre presos de uma das alas da unidade prisional. Essa foi a maior chacina em presídios desde a tragédia do Carandiru. Outros quatro presos foram mortos na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP)

2 de janeiro – Manaus: Cerca de 60 detentos fogem do Instituto Prisional Antônio Trindade (IPAT). Um dos fugitivos postou uma foto no Facebook quando se escondia na mata. A polícia acredita que essa fuga serviu como uma “cortina de fumaça“ para a rebelião no Complexo Anísio Jobim.

6 de janeiro – Boa Vista: 33 presos são mortos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), em Roraima. A maioria teve a cabeça decapitada e o coração arrancado pelos outros detentos.

6 de janeiro – Alexânia: dez detentos fogem do presídio de Alexânia. Não houve mortes e os criminosos foram encontrados na mata. Um helicóptero da Polícia Militar do DF ajudou nas buscas. A Polícia Militar de Goiás não comentou se o fato teve ligação com a briga de facções.

8 de janeiro – Manaus: quatro presos são mortos em uma rebelião na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, no centro da cidade. O local estava desativado, mas o governo do estado resolveu utilizar a cadeia para receber 284 internos após a rebelião no Compaj.

14 de janeiro – Alcaçuz: Pelo menos  27 internos são mortos de forma violenta na Penitenciária de Alcaçuz, o maior presídio do Rio Grande do Norte. A rebelião começou por volta das 14 horas da tarde. Presos pularam o muro de outras salas e começaram a atacar os demais internos. Como já era noite, a polícia não entrou no presídio e o motim durou 14 horas. Até mesmo telhas quebradas foram usadas nos homicídios.

 

 

 

Correio braziliense, n. 19593, 16/01/2017. Política, p. 4.