Tensão nas cadeias tira autoridades da letargia

Julia Chaib

17/01/2017

 

CRISE NOS PRESÍDIOS » Um dia após o massacre de 26 detentos, presos subiram no telhado do presídio em Natal exibindo bandeiras de facções. Caos fez poder público se mexer. Ministro se reúne hoje com secretários de segurança e Temer se encontra amanhã com os governadores

 

 

Um dia depois da morte de pelo menos 26 detentos na Penitenciária de Alcaçuz, na Grande Natal, o presídio amanheceu novamente tumultuado. No início da tarde de ontem, presos apareciam em cima do telhado do maior presídio do Rio Grande do Norte. No princípio da noite, a situação aparentava estar mais controlada, mas havia registros de ameaça de invasão de  integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) a módulos, onde há membros da facção rival Sindicato do Crime RN. A polícia fazia ontem uma recontagem de mortos e procurava por corpos nas fossas do presídio. Também nesta segunda, o governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria, afirmou que pedirá mais reforço da Força Nacional para ajudar o estado.

Homens da corporação estão no estado desde o ano passado, quando a penitenciária foi palco de outros motins. A rebelião de Alcaçuz é a terceira maior do ano, após quase 100 presos mortos no Amazonas e Roraima. Nesta terça, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, se reunirá com os secretários de Segurança Pública de todos os estados e, amanhã, o presidente Michel Temer terá encontro com os governadores. O governo federal quer a construção de novos presídios estaduais e federais, para cerca de 30 mil vagas, em um ano. A intenção é assinar acordos de cooperação e sensibilizar as autoridades para cumprir as diretrizes do Plano Nacional de Segurança, lançado neste mês como resposta à crise nos presídios.

Integrantes de entidades que trabalham na crise do estado afirmam que, segundo as famílias, há mais mortos do que o número divulgado oficialmente. Os parentes dos presos aguardam respostas. No presídio, há mais de 10 fossas. A companhia de Àgua e Abastecimento do estado ajuda na busca por corpos. Dos 26 mortos divulgados pelo governo, dois foram queimados e 24 decapitados. A rebelião, que começou na tarde de sábado, só foi controlada no domingo de manhã. Assim como nos outros estados em que houve matanças, a situação no presídio do Rio Grande do Norte já vinha sendo alertada.  Relatório da Pastoral Carcerária mostrava a situação degradante de vida dos presos e a presença de facções rivais no local.

A delegada para o Brasil da Associação para a Prevenção da Tortura (APT), Sylvia Dias, diz que a rebelião não surpreende. “Tendo um sistema superlotado como o de hoje, é quase impossível dizer que podemos resolver outros problemas, porque a superlotação impede que tenhamos melhoria em outras áreas. O que temos feito é promover o uso de medidas alternativas, incentivar as audiências de custódia”, diz. No Brasil, há mais de 620 mil presos, dos quais cerca de 40% são provisórios. O deficit de vagas no sistema supera 200 mil.

Na tentativa de minimizar o problema, a Defensoria Pública da União apresentou uma reclamação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo uma série ações para desafogar as prisões no Amazonas. Entre elas estão a aplicação do regime domiciliar com monitoramento eletrônico na falta de vagas e garantia imediata de aplicação da progressão de pena. Requerem ainda que só sejam mantidos em regime fechado presos e presas que atendam à capacidade do presídio.

 

Ordens judiciais

O defensor público-geral federal, Carlos Eduardo Paz, rebateu críticas que foram feitas à ação e disse que não se trata de “invenções” da Defensoria. “Não se trata de deixar solto ou colocar [na prisão]. Se trata de cumprir ordens judiciais. O que não se pode é ter uma situação limítrofe de mortes. Se tem gente que tem direito à progressão, que se faça”, disse, após sair de encontro com a presidente do STF, Cármen Lúcia.

O governo federal busca mostrar respostas à crise e promoverá reuniões hoje e amanhã com autoridades para tratar do assunto. O presidente Michel Temer quer concluir em um ano a construção dos cinco presídios federais anunciados nas últimas semanas. Ele pretende adotar como modelo o tipo de presídio construído no Espírito Santo, modulado. As orientações foram repassadas ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que levará ao encontro com secretários de Segurança a proposta. A ideia é motivar os estados a seguirem a União e repetirem o modelo na construção das penitenciárias estaduais. O investimento nos presídios federais será de 40 milhões a R$ 45 milhões por unidade.

O ministro também deverá conversar com os secretários sobre a proposta para a área de inteligência e pedir aos governos a colaboração para que as informações sejam constantemente compartilhadas.

 

Governador troca comando da polícia

O governador do Amazonas, José Melo (Pros), anunciou ontem a troca do comandante-geral da Polícia Militar após as rebeliões que deixaram 67 mortos no Estado nos primeiros dias do ano. O coronel David de Souza Brandão vai substituir o coronel Augusto Sérgio Farias, que estava no cargo desde junho de 2016. Já o coronel Walter Rodrigues da Cruz será subcomandante e o coronel Domingos Sávio de Souza, chefe do Estado Maior da PM.

 

 

Correio braziliense, n. 19593, 16/01/2017. Política, p. 5.