De líder a guardião

Gabriela Freire Valente

19/01/2017

 

 

Durante a última entrevista coletiva, Barack Obama promete defender os “valores fundamentais” do país e enaltece a liberdade de imprensa. Com aprovação popular de 60%, democrata avisa que não ficará insensível a possíveis ameaças contra a democracia

 

Assim que Donald Trump prestar juramento, amanhã, Barack Obama deixará de ocupar uma das cadeiras mais poderosas do mundo e entrará para o seleto rol de ex-presidentes dos Estados Unidos. Embora planeje dedicar o “tempo livre” à escrita e à família, o democrata reiterou ontem o aviso de que estará disposto a usar sua voz para defender os “valores fundamentais” do país. Na última entrevista coletiva antes de deixar a Casa Branca, transmitida pela internet, Obama descartou concorrer a um cargo eletivo no futuro próximo, mas lembrou que continuará sendo um “cidadão” americano.

Em uma reflexão sobre o significado da mudança na condução do Executivo e no futuro da democracia da nação, o primeiro presidente negro dos EUA considerou que a vitória do opositor nas urnas faz parte da dinâmica da política. No entanto, Obama salientou que “há uma diferença entre o funcionamento normal da política e o momento em que nossos valores fundamentais podem estar em jogo”. Apesar de ter afirmado que deseja “ficar quieto um pouco”, ele avisou que não assistirá, impassível, à criação de obstáculos para que o povo exerça direito ao voto, tentativas de “silenciar a imprensa ou dissentes”, ou esforços para cercar “crianças que cresceram aqui e são americanas para enviá-las a outro lugar”.

Ante a conturbada relação entre Trump e os jornalistas, o presidente iniciou a fala enaltecendo o trabalho dos repórteres que acompanham de perto as atividades da Casa Branca e qualificou a liberdade de imprensa como “essencial” para a democracia. “Vocês não devem ser aduladores, vocês devem ser céticos. Minha esperança é que vocês pressionem os que estão no poder por uma melhor versão de nós”, afirmou, antes de desejar “boa sorte” aos profissionais.

O democrata, que encerra dois mandatos consecutivos com aprovação popular de 60%, segundo pesquisa encomendada pela rede de televisão CNN, evitou críticas diretas a Trump e buscou demonstrar otimismo sobre o futuro. “Eu acredito neste país, acredito no povo americano. Acredito que as pessoas são mais boas do que más”, disse.

Obama relatou que as filhas — Malia e Sasha — ficaram “desapontadas” com o resultado das eleições. “Nós tentamos ensinar resiliência e esperança a elas. Então, você cai, se levanta e volta a trabalhar”, relatou. O presidente observou que, embora as filhas não tenham intenção de seguir a carreira política, as duas “amam o país” e serão cidadãs ativas.

 

Conselhos

Questionado sobre a transmissão de cargo para Trump, Obama contou que ofereceu os seus “melhores conselhos sobre questões externas e domésticas” para o republicano. “Ele venceu a eleição se opondo a muitas de minhas iniciativas. Ele pode chegar a algumas das mesmas conclusões que tive quando cheguei aqui”, ponderou. Ao considerar que boa parte das posições de Trump serão definidas pela opinião de  conselheiros, o democrata destacou a formação de uma equipe capaz de trazer as “melhores informações” como a sua melhor dica para o sucessor. “Quando se isola e não se escuta pessoas que discordam de você, é aí que se começa a cometer erros”, disse.

O presidente salientou a importância de garantir oportunidade para todos, independentemente de raça ou credo, e afirmou ter esperança em ver presidentes americanos das mais diversas origens. “Temos mais trabalho a fazer sobre questões raciais, mas não é verdade que as coisas ficaram piores do que eram”, observou. Ele considerou que a sociedade americana se transformou positivamente para o apoio aos direitos dos homossexuais, com a ajuda de ativistas.

A respeito da agenda externa, Obama reiterou a posição de que “não existe outra alternativa” para a solução do conflito entre israelenses e palestinos além da criação de dois estados. Ele admitiu ser um interesse do país manter “relação construtiva” com os russos, mas defendeu a manutenção das sanções a Moscou, à medida que a Rússia continuar ameaçando a soberania ucraniana. “É importante que os EUA defendam o princípio básico de que grandes países não invadam outros”, defendeu. Apesar das diferenças de posicionamento sobre a política de Washington para o Kremlin, o democrata encorajou Trump a retomar as negociações para a redução do arsenal nuclear dos dois países.

 

Frases

“Há uma diferença entre o funcionamento normal da política e o momento em que nossos valores fundamentais podem estar em jogo”

 

 

“Temos mais trabalho a fazer sobre questões raciais, mas não é verdade que as coisas ficaram piores do que eram”

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos

 

 

Correio braziliense, n. 19595, 19/01/2017. Mundo, p. 12.