Investigação prossegue

Matheus Teixeira

22/01/2017

 

 

TRAGÉDIA » Caixa-preta com gravação de voz chega a Brasília para análise, mas peças do avião continuam no mar. Profissionais do Cenipa ouvem testemunhas para tentar desvendar o acidente que matou o ministro do STF Teori Zavascki

 

 

A morte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, relator no STF do maior escândalo de corrupção da história do país, suscitou inúmeras teorias da conspiração. Até o filho do juiz, Francisco, disse estranhar a casualidade de o acidente ter ocorrido às vésperas da homologação da delação premiada dos executivos da Odebrecht, que vai atingir nomes graúdos do meio político. “Foi uma coincidência e tanto, não foi?”, questionou em entrevista exclusiva publicada ontem pelo Correio. Para entender quais procedimentos serão realizados na investigação que desvendará a causa da tragédia, o jornal ouviu especialistas que participaram das apurações dos principais desastres aéreos dos últimos anos.

O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) promete trabalhar intensamente para resolver o caso do voo que levava o magistrado e mais quatro pessoas. Ontem, o gravador de voz (caixa-preta) do avião chegou a Brasília e foi encaminhado para o Laboratório de Análise e Leitura de Dados de Gravadores de Voo (Labdata). O Labdata é o único local especializado em lidar com esse tipo de equipamento da América do Sul.

O presidente do Cenipa na época em que ocorreu um dos maiores desastres do Brasil, a queda do voo da Gol, que matou 154 pessoas, em 2006, brigadeiro Jorge Kersul Filho, alerta que degravar o conteúdo da caixa-preta não é um procedimento simples. “O resgate do equipamento é delicado. Depois, tem que ter muito cuidado para abri-lo e pegar o chip, que é onde realmente estão armazenados os áudios”, explica. Ele afirma que o fato de a queda ter sido no mar é um dificultador. “Quando fica em água salgada é mais preocupante, pois ela corrói o material, pode ter mais contatos elétricos, age quimicamente com mais facilidade. Requer cuidado, mas o Cenipa tem capacidade para fazer isso”, acredita.

 

Gravação

Caso não aconteça algo similar ao voo que matou o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, que não tinha nada registrado na caixa-preta, a tendência é que se obtenha até 90% das informações necessárias para desvendar o motivo do acidente, segundo o brigadeiro. O que deve facilitar a análise da gravação é o fato de o Brasil ter montado um laboratório especializado nisso em 2007. Antes disso, as autoridades brasileiras dependiam da boa vontade de outros países para realizar esse tipo de serviço. “Tínhamos que ir para os Estados Unidos, para a Inglaterra, para a França. Precisávamos contar com a boa vontade deles. Não lembro de termos problema diplomáticos, mas era mais um fator para atrasar a investigação”, diz.

A quantidade de combustível que tinha o avião, as condições psicológicas do piloto, o histórico da aeronave, se já tinha tido problema de motor são fatores a ser investigados. Outra frente importante da investigação é a análise dos destroços. A retirada dos restos do avião, porém, nem começou. Segundo Cenipa, isso é responsabilidade da empresa responsável pelo avião, que planeja começar o trabalho hoje.

Enquanto a aeronave permanece na água, os profissionais do Cenipa aproveitaram o dia de ontem para entrevistar testemunhas que presenciaram o acidente. De acordo com  Kersul, essa é outra etapa importante para entender os motivos do desastre. “As testemunhas oculares podem contribuir muito. Todos têm de ser interrogados, mas só se deve levar em consideração o que for coerente. Tem que ter muito cuidado porque, às vezes, o que eu vejo não é a mesma coisa que você vê. O leigo pode se confundir e enxergar uma coisa e imaginar que está vendo outra”, diz. Não é porque um barqueiro que trabalha na região viu uma fumaça saindo da asa esquerda que isso de fato aconteceu, explica o especialista. “Em algumas circunstâncias, o avião deixa um rastro de condensação, que pode ser confundido com fumaça”, diz.

 

Ceticismo

O ex-presidente da Infraero Adyr da Silva acredita que não será tão difícil descobrir a causa da tragédia. “Parece ser um caso menos complicado de resolver. Primeiro, porque tem testemunha, segundo, porque os destroços do avião e a caixa-preta foram recuperados, terceiro, pelo fato de sabermos exatamente a meteorologia da região naquele momento”, prevê. Silva, no entanto, é mais cético em relação ao gravador de voz. “Ele estava sozinho, não estava conversando com um copiloto. Além disso, o local não tem controle, não tem comunicação com uma torre”, observa.

Ele aposta que não se trata de um crime premeditado. O ex-presidente da Infraero afirma que, além de estar chovendo no momento da queda, aquela região é muito perigosa. “Pousar naquela área é complicado. A praia fica espremida na serra. Tem que voar entre o mar e a montanha. As pistas são muito curtas e o pessoal costuma forçar a barra. São 700m de comprimento por 10m de largura. Isso é muito pouco”.

Pilotar em voo visual (leia Para saber mais) também aumenta o risco. “Por instrumento você é controlado por regras específicas, fica mais difícil de cometer algum desvio. Esse tipo de voo permite ter uma precisão de pouso muito maior”, explica.

 

Outro caso

O então candidato a presidente da República pelo PSB, Eduardo Campos, morreu, em 2014, após o avião em que estava, um Cessna, decolar do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e cair em Santos, no litoral de São Paulo. Além dele, outras seis pessoas faleceram. O embarque da ex-senadora e candidata a vice na chapa de Campos, Marina Silva, também estava previsto, mas ela desistiu no dia anterior. Um ano e meio depois, o Cenipa apontou os fatores da queda, a maioria relacionada ao piloto. Algumas perguntas, porém, ficaram sem resposta, como o motivo para o avião ter arremetido momentos antes da queda e por quê o avião estava em queda livre com o bico voltado para baixo.

 

Para saber mais

Tipos de voos

O piloto pode voar seguindo as regras de voo visual ou de voo por instrumentos. No momento da queda do avião que levava o ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, o piloto estava em visual, também conhecido por VFR, que só pode ser usado em aviões de pequeno porte.

O uso do VFR só ocorre quando as condições atmosféricas permitem ao piloto controlar a aeronave sem ajuda do equipamento de bordo e da torre de tráfego aéreo. Nesses casos, a altitude do avião não pode ultrapassar 14.500 pés. Em VRF, o piloto tem de sobrevoar áreas com visibilidade e evitar passar perto de nuvens, sendo proibido realizar pouso com o tempo fechado, que exijiria uso de instrumentos.

Quando a altitude é grande ou o tempo não ajuda, os pilotos trafegam por instrumentos, ou IFR. Com o IFR ligado, é a torre de controle que mantém a aeronave longe do tráfego aéreo e de obstáculos, como montanhas e prédios. O piloto é orientado por instrumentos e o avião tem de ser homologado para este tipo de procedimento.

 

 

Correio braziliense, n. 19599, 22/01/2017. Política, p. 9.