O Estado de São Paulo, n. 45018, 18/01/2017. Metrópole, p. A13

Presídio tem novo motim e detentos fazem barricadas

 
Marco Antônio Carvalho
Rafael Barbosa

 

Setenta e duas horas após a rebelião que deixou 26 mortos, no sábado passado, a Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na Grande Natal, ainda vivia momentos de tensão. Nesta terça, presos voltaram a se rebelar e integrantes de facções rivais montaram barricadas dentro da unidade prisional, trocaram ameaças e depredaram ainda mais a estrutura já afetada dos pavilhões.

Do lado de fora, eram ouvidos disparos de munição não letal e de munição verdadeira que partiam dos agentes penitenciários e de policiais militares que tentavam controlar o motim. O uso das armas foi feito para que o confronto entre as duas facções não voltasse a acontecer. Com rostos cobertos de lado a lado, presos ameaçavam avançar, no que seria uma batalha campal.

Vídeo obtido pelo Estado mostra um policial narrando a cena. “A gente atira para poder não deixar ter confronto porque, se houver confronto, vai ser morte demais. De um lado, tem 400 e poucos do Sindicato e, de outro, tem quase 600 que são do PCC”, disse o PM não identificado. “Então, a gente está numa situação difícil. Só tem dois oficiais presentes”, acrescentou o homem.

O policial temia que a contenção pelas forças de segurança não fosse suficiente para evitar novas mortes durante a madrugada. “A gente está na batalha para não deixar haver o confronto. Mas a gente acha que isso aqui não tem condições, não. Não tem condições de a gente segurar. A gente vai só tentar fazer para não ter o confronto, estamos usando a munição não letal. Se não houver agora, com certeza à noite vai haver o confronto”, disse.

Os detentos estavam armados com facões e voltaram a hastear bandeiras das organizações criminosas nos telhados dos pavilhões. Próximo do pavilhão 4, presidiários do Sindicato do Crime do RN (SDC) repetiram as ameaças durante a tarde, apesar da bandeira branca que compunha o cenário. Do outro lado, próximo do antigo pavilhão 5, hoje Presídio Rogério Coutinho Madruga, presos do Primeiro Comando da Capital (PCC) respondiam.

Desde o motim do sábado passado, os presos circulam soltos no interior dos pavilhões já que as estruturas de tranca das celas foram destruídas. Nesta terça, eles usaram o material para, fora dos pavilhões, montar barricadas e arremessar objetos uns contra os outros. A unidade já enfrentava problemas estruturais desde, ao menos, 2015, quando uma rebelião terminou em depredação.

 

Contratação. Para tentar resolver a situação, o governador Robinson Faria (PSB) anunciou, no final da tarde desta terça, por meio de nota, que contratará 700 agentes penitenciários temporários e convocará policiais militares da reserva para voltarem às ruas da capital e da região metropolitana.

O Mistério Público do Estado (MPE) anunciou a criação de uma comissão com cinco promotores para auxiliar a Polícia Civil na investigação das questões ligadas à crise no sistema carcerário, com ênfase na rebelião de Alcaçuz, inclusive na possibilidade de improbidade administrativa de servidores públicos na unidade.

A Polícia Militar do Rio Grande do Norte reforçou o patrulhamento em vários pontos de Natal no início da noite desta terça. O motivo seria um “salve” passado de dentro da Penitenciária de Alcaçuz. Os detentos do Sindicato do Crime do RN querem a transferência de todos os presos do PCC. No caso de descumprimento, ameaçaram atacar diferentes pontos da cidade.

Mais cedo, às 15 horas, a Polícia Militar já havia convocado todo o efetivo do Comando de Policiamento Metropolitano para ficar de prontidão no Quartel do Comando Geral da PM. O major Eduardo Franco, do setor de Comunicação da corporação, havia informado que a medida se dava por causa da necessidade de reunir as tropas para atuarem em alguma eventualidade, seja na capital ou no sistema carcerário.

Pelas ruas de Natal, à noite, era possível ver a passagem de várias viaturas da Polícia Militar em atividade ostensiva.

No fim de semana, alguns eventos violentos, em diferentes bairros da cidade, foram registrados por moradores. Nas zonas leste e oeste, houve relatos de tiroteio, o que forçou o acionamento do helicóptero da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social para sobrevoo na região. A polícia negou que os episódios tenham tido ligação com as rebeliões no sistema penitenciário.

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‘Foi uma retaliação às mortes no Amazonas’, diz governador do RN

 
Julia Lindner
Erich Decat

 

O governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSB), disse nesta terça-feira, 17, em Brasília que a morte de 26 presos durante rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, no fim de semana, foi uma retaliação ao “conflito” entre facções no Amazonas. Para Faria, o massacre de 56 detentos em Manaus, no início do ano, desencadeou uma “onda de sadismo” em outros Estados do País.

Faria tentou minimizar as responsabilidades do governo estadual e afirmou que o Estado “não pode adivinhar o que acontece dentro do presídio”. “Até hoje, nunca tinha havido um confronto dentro dos presídios entre PCC e Sindicato do Crime RN. Virou uma guerra (...). Essa briga não é do Rio Grande do Norte, é uma retaliação ao que aconteceu no Amazonas, é uma vingança que aconteceu no meu Estado, infelizmente”, afirmou, após encontro com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

Apesar de novo motim ontem em Alcaçuz, e das cenas de presidiários de facções diferentes formando barricadas a poucos metros uns dos outros, o governador disse que o Estado tem controle da situação. “Eles quebraram o pavilhão 5, onde estava o PCC, estão no telhado e o que podemos fazer? Vamos entrar e matar os presos? Não vamos fazer isso. Temos de dar segurança à população que está do lado de fora.” Segundo Faria, a área no entorno do presídio está cercada por policiais para evitar uma eventual fuga em massa.

 

Transferências. O governo do Rio Grande do Norte já transferiu seis líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC) e, segundo o governador, outros quatro também deverão ser levados para presídios federais. “Quando retirar os líderes, vai enfraquecer, mas a guerra continua”, disse.

De acordo com o governador, ao encampar a ação pela retirada dos líderes da facção paulista, as autoridades do Rio Grande do Norte foram ameaçadas. “Disseram que iam tocar fogo em Natal. Nesta terça, o PCC disse que ia emparedar o Estado. Temos de ter esse enfrentamento. Nosso Estado não recuou e não vai recuar.”