Título: Direito negado pelo Detran
Autor: Laboissière, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 03/12/2011, Cidades, p. 41

Detran Departamento de Trânsito do DF não concede desconto do ICMS na compra de veículo a servidora pública que adquiriu paralisia parcial em um dos braços após tratamento de um câncer de mama. Agora, ela luta na Justiça para ter o direito reconhecido

Uma servidora pública luta na Justiça para ter o reconhecimento de deficiência junto ao Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF). A mulher de 49 anos pretende comprar um veículo adaptado e conseguir benefícios tributários aos quais afirma ter direito por ser portadora de uma paralisia parcial no músculo do braço, sequela da operação de retirada de câncer de mama. Para isso, no entanto, Fátima Lantyer precisa de uma nova habilitação, com observações referentes à necessidade especial que possui. Após ser submetida a exames médicos no Detran, contudo, profissionais avaliaram-na como apta a dirigir um carro comum.

Após receber o diagnóstico da doença, em 2009, Fátima passou por uma mastectomia — procedimento cirúrgico para a retirada da glândula mamária, com esvaziamento axilar. Depois da intervenção, ela precisou fazer quimioterapia e radioterapia, procedimentos que lhe renderam uma monoparesia, paralisia incompleta de um nervo ou de um músculo. Embora a servidora pública tenha dois laudos que atestam o fato — um do médico que a acompanhou e outro de uma junta de especialista do Hospital de Base do DF —, nenhum deles foi considerado quando da realização da avaliação no Detran.

Fátima relata que o médico fez apenas uma avaliação superficial, insuficiente para identificar as reais limitações. "O médico fez o exame de vista, mediu a minha pressão e pediu para que eu apertasse a mão dele e simplesmente disse que eu não tinha monoparesia. Por isso, afirmou que não iria me encaminhar para a perícia", conta. "Ele ainda quis medir a minha pressão justamente no braço em que tenho o problema, coisa que não pode ser feita. Fui muito maltratada e não entendi por que o funcionário tomou essa decisão. Depois de todo o transtorno da doença, ainda tenho os meus direitos cerceados", lamenta.

Segundo João Flávio Gurjão Madereira, médico perito do Detran, o profissional que atendeu Fátima seguiu os procedimentos estipulados por lei. Madereira explica que, se o colega mediu a força da requerente mesmo sem usar aparelhagem e constatou que ela tem força para guiar um carro comum, o examinador não é obrigado a encaminhar a motorista a uma junta médica. "Claro que seria ainda melhor se ela tivesse feito um teste clínico de força. De toda forma, ele não agiu irregularmente e pode discordar dos laudos apresentados."

Para Fátima, o ideal seria comprar um carro automático e com direção hidráulica, que facilita a execução de manobras, pois diminui o esforço empregado ao volante. Embora ela tenha condições financeiras para comprar esse tipo de veículo, a legislação é clara ao determinar que pessoas com deficiência têm direito à isenção e abatimento de impostos na aquisição de automóveis.

Mesmo documento O benefício é concedido em esfera federal com a dispensa do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e, em nível estadual, do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). Para a Secretaria de Fazenda do DF, porém, a isenção do ICMS só é efetivada mediante apresentação de alguns documentos, entre eles o laudo do Detran. A recusa do departamento pareceu ainda mais estranha já que Fátima apresentou exatamente a mesma papelada na Receita Federal e o órgão garantiu o abatimento do IPI. "Temos que correr atrás dos nossos direitos. Eu pude acionar um advogado, mas as pessoas menos abastadas devem acabar desistindo", observa.

A senadora Ana Amélia (PP-RS) é autora do Projeto de Lei nº 241 que pretende alterar a Lei nº 8.989 e incluir na lista de impedimentos físicos o comprometimento parcial ou completo após a remoção de linfonodos axilares ou inguinais.

De acordo com a presidente da Associação de Portadores de Deficiência do DF, Nilza Soares Gomes, diversas pessoas que adquiriram algum tipo de incapacitação, a exemplo de Fátima, relatam ter dificuldades para conseguir a isenção de impostos. "Eu mesma, que sou cadeirante há 33 anos, ainda tenho que passar por uma série de burocracias para provar a minha condição. Em diversos órgãos, arranjam mil impedimentos e nos criam constrangimentos também", conta.

O que diz a lei

A Lei Federal nº8.989, de 24 de fevereiro de 1995, estabelece isenção do Imposto sobre Produto Industrializado para aquisição de automóveis de passageiros de fabricação nacional para pessoas portadoras de deficiência física. A legislação entende por deficiência física a alteração completa ou parcial de uma ou mais partes do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membro com deformidade congênita ou adquirida — exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções —,visual, mental, severa ou profunda, ou autistas. Os portadores podem ser beneficiados, direta ou indiretamente, por intermédio de representante legal.