Furacão Odebrecht pressiona o Supremo

Julia Chaib e Eduardo Militão

30/01/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » A presidente do STF, Cármen Lúcia, passa o fim de semana analisando a delação premiada de 77 pessoas ligadas à empreiteira. Ministra tem até amanhã, quando termina o recesso do Judiciário, para validá-la ou, então, esperar um novo relator

 

 

O fim do recesso do Judiciário, com a primeira sessão na próxima quarta-feira, será marcado por uma série de decisões importantes, como o destino do processo da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal. A presidente do STF, Cármen Lúcia, trabalhou durante o fim de semana na análise das 77 delações premiadas dos executivos da Odebrecht. Ela esteve no tribunal na manhã de ontem e se reuniu com assessores, que permaneciam trabalhando no 3º andar do prédio durante toda a tarde. Se decidir mesmo homologar os acordos de colaboração com o Ministério Público, hipótese considerada mais provável por pessoas próximas a ela, isso deve ocorrer amanhã, último dia do recesso, quando a presidente do Supremo atua como plantonista.

A partir de quarta-feira, o STF deverá redistribuir as ações da investigação do maior escândalo de corrupção do país, que estavam a cargo do ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em Paraty (RJ), no último dia 19. A morte do magistrado aconteceu enquanto ele fazia a análise das delações da Odebrecht. Há ainda a possibilidade de Cármen deixar a homologação desses acordos para o próximo relator da Lava-Jato.

Somente após a definição, o presidente Michel Temer indicará o nome que substituirá o ex-relator do escândalo de desvio de dinheiro da Petrobras. O ministro a ocupar a vaga de Teori no Supremo herdará o arsenal que constava na mesa do magistrado. No total, há cerca de 7,5 mil processos. Entre eles, há votos determinantes a serem proferidos em ações polêmicas, como a descriminalização das drogas. Existe ainda a relatoria de um mandado de Segurança impetrado pela defesa da ex-presidente Dilma Rousseff pedindo a anulação do processo de impeachment.

A decisão de Temer de só lançar um nome após a definição de Cármen sobre o futuro da Lava-Jato é para minimizar as críticas sobre uma eventual interferência no projeto. O ministro pretendia homologar as delações na primeira quinzena de fevereiro. O receio de que a validação dos depoimentos fosse atrasada motivou um pedido de urgência por parte do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A solicitação deu a Cármen o respaldo necessário para decidir sozinha sobre as homologações antes de definir um relator. Segundo o regimento, a presidente pode decidir em casos de “urgência”.

Na sexta-feira, a equipe do ministro Teori Zavascki concluiu as audiências de colaboração. Todos os depoentes foram ouvidos para confirmar o teor dos acordos e dizer se prestaram informações de ampla e espontânea vontade. Só então, as delações podem ser homologadas, ou seja, validadas e então usadas para embasar as denúncias do Ministério Público Federal (MPF).

A tendência de Cármen é promover um sorteio na 2ª Turma do Supremo, da qual Teori fazia parte. Nesse caso, algum ministro da 1ª Turma seria transferido a fim de disputar a relatoria — um dos cotados para isso é Edson Fachin. Esse foi o procedimento adotado pelo ministro Gilmar Mendes, quando morreu o colega Carlos Menezes Direito, em 2009. “Acho que será um encaminhamento que terá o apoio, se não da unanimidade dos colegas, de ampla maioria”, disse Mendes na última semana, sobre as decisões de Cármen acerca do futuro da Lava-Jato.

 

Quinze nomes

Temer também quer esperar a definição sobre as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, que ocorrerão também entre 1º e 2 de fevereiro. O presidente é aconselhado a participar tanto da sessão do STF, que terá homenagens a Teori, quanto da abertura dos trabalhos no Legislativo. Após as eleições, serão definidos os nomes que vão compor a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que sabatinará o novo nome. Há mais de 15 nomes na roda de sugestões ao presidente, que tem sido alvo de pressão de diversos atores para a escolha do sucessor de Teori, a maioria de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), antiga casa do magistrado falecido.

João Otávio de Noronha, corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é bem-visto pelo PSDB. Três ministros ligados ao PMDB compõem a bolsa de apostas. Luiz Felipe Salomão é ligado ao partido no Rio, mas perde força pela relação que tinha com o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), preso acusado de corrupção. Já Humberto Martins é próximo do PMDB de Renan Calheiros e José Sarney. E Mauro Campbell é vinculado ao senador Eduardo Braga (PMDB-AM) e ao prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB). Capitaneado pelo PSDB e pelo DEM, o corregedor do STJ, Hermann Benjamim, tem como fator negativo o fato de ser o relator da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

 

“Técnicos”

Um grupo do STJ é considerado “técnico” sem ligações partidárias. Rogério Schietti é muito respeitado dentro da área criminal. Isabel Gallotti aparece como uma opção, mas é atrapalhada porque seu marido, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Walton Alencar, é acusado de tentar emplacar a mulher em troca de favores no governo do PT — ele nega. Nefi Cordeiro, também próximo do juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro, e também é uma das indicações para o cargo no STF. A jurista Regina Helena corre por fora.

O ministro do TCU Bruno Dantas também é apoiado por Renan, que nega publicamente os movimentos. O advogado Heleno Torres compõe a bolsa de apostas, embora atrapalhe sua posição contrária ao impeachment da ex-presidente da República Dilma Rousseff. O próprio advogado já disse a amigos que não gostaria de ocupar o cargo.

Ives Gandra Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, aparece como um dos mais recorrentes nas listas pela vaga. Católico, segue a Opus Dei, mesma corrente religiosa do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Tem o apoio do ministro Gilmar Mendes. Gandra é criticado por posições acerca das mulheres e de relações homossexuais, citadas em um livro publicado em 2012, no qual rejeita o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo e defende que a mulher obedeça ao homem. Em nota, o ministro afirmou que trechos da publicação foram descontextualizados e afirmou “não ter postura nem homofóbica, nem machista”.

 

Frase

"Acho que será um encaminhamento que terá o apoio, se não da unanimidade dos colegas, de ampla maioria”

Gilmar Mendes, ministro do Supremo, na semana passada, sobre a redistribuição dos processos da Lava-Jato

 

 

Quantidade de pessoas que prestaram depoimento na delação premiada da Odebrecht, que está à espera de homologação

 

 

Correio braziliense, n. 19607, 30/01/2017. Brasil, p. Política.