Escolaridade maior já não garante emprego

Alessandra Azevedo e Rodolfo Costa

26/11/2016

 

 

Parcela da população com ensino superior completo aumenta mas desemprego também ganha terreno entre a faixa etária em que normalmente as pessoas concluem a graduação. O mesmo fenômeno ocorre com ensino médio, revela IBGE

 

 

Mesmo as pessoas com mais estudo têm encontrado dificuldade para conseguir emprego, revela a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2015, 13,6% da população tinha ensino superior completo, nível 0,4 ponto percentual maior em relação ao ano anterior. No entanto, a taxa de desemprego entre as pessoas com 18 a 24 anos — faixa etária em que muitos concluem a graduação — ficou em 21,3%, acima do observado em 2014. O mesmo movimento aconteceu entre pessoas com ensino médio completo, que eram 26,4% da população. A taxa de desocupação entre jovens com 15 a 17 anos subiu para 32,5%.

Os números refletem uma realidade preocupante, na visão de especialistas: muitas pessoas estão concluindo a graduação sem perspectiva de emprego. Luana Ribeiro, 25 anos, faz parte do “exército” de diplomados que, devido à crise, não conseguem se inserir no mercado de trabalho. Formada em comunicação em dezembro de 2014, quando tinha 23 anos, até hoje ela não conseguiu uma vaga na área.

No fim de 2015, depois de um ano de procura, Luana resolveu aceitar uma função de nível médio, como atendente de telemarketing, na qual calcula ganhar 40% a menos do que se trabalhasse na área em que é diplomada. A situação é bem diferente da expectativa que tinha ao entrar na faculdade, em 2011. “Na época, os colegas que se formavam conseguiam trabalho facilmente. Por isso, achei que seria tranquilo, que eu já sairia empregada”, lembrou. Quando concluiu o curso, quatro anos depois, a decepção veio não apenas para ela, mas para grande parte dos colegas. “Ninguém estava contratando. Pelo contrário, as empresas estavam demitindo.”

Limbo profissional

A consequência do desperdício de mão de obra qualificada é uma redução na produtividade do país, alertou o especialista em mercado de trabalho Rodolfo Peres Torelly, ex-diretor do Departamento de Emprego do Ministério do Trabalho. “Essas pessoas estão saindo da faculdade muito preparadas e poderiam influir fortemente na produtividade, que já é muito baixa no país. Esse é, inclusive, um dos grandes problemas que enfrentamos hoje em dia”, afirmou. Ele descreve o cenário mostrado pelo IBGE como de “luto social”.

Essa situação deve comprometer o mercado em um futuro próximo, disse o professor de economia Carlos Alberto Ramos, da Universidade de Brasília (UnB). “As pessoas estão passando de estudantes para desempregadas. Isso dificulta que acumulem conhecimento na prática e, por consequência, compromete a futura inserção no mercado de trabalho”, pondera.

Atualmente no ramo de telemarketing, Luana Ribeiro está em uma situação que Torelly descreve como “limbo profissional”: ou se sente desestimulada por não conseguir emprego na área de formação, ou desvalorizada, por se submeter a um posto de nível médio, mesmo tendo preparo para assumir um cargo de nível superior. O pior é que, ainda que aceite a segunda alternativa, corre o risco de ser rejeitada pela idade ou por excesso de qualificação. “Já cheguei a mentir que não tinha ensino superior, porque as pessoas não querem pagar mais caro. Se eu falasse que tenho diploma, não me aceitariam”, contou.

Rotatividade

Especialistas citam, ainda, outro ponto que afasta os empregadores de funcionários mais jovens: a alta rotatividade desse perfil nos cargos. Foi o que impediu a arquiteta Juliana Lopes, 25, de conseguir um trabalho como garçonete, em 2015, quando estava prestes a se formar. Apesar de falar fluentemente três línguas, estudar em universidade conceituada e ter boas referências, ela foi descartada para a vaga. “Disseram que eu não me encaixava no perfil. Depois, soube que era porque achavam que eu largaria o emprego rápido, e queriam alguém que pretendesse ficar por lá sem tempo definido”, disse.

Isso acontece ainda com mais frequência em tempos de crise, quando a prioridade das empresas é reduzir gastos. Ramos explicou que essa relutância vem de experiências passadas. Em anos de maior crescimento da economia, como em 2010, quando a atividade avançou 7,5%, a taxa de rotatividade da mão de obra era muito grande entre jovens.

O economista Bruno Ottoni, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), reconhece que o ambiente de emprego é delicado, mas recomenda que os jovens continuem se especializando e procurando emprego. “Uma boa estratégia é não ficar parado. Se achar que emprego está difícil, é importante voltar a estudar. As pessoas que ficam paradas deixam de acumular experiência e de fazer contatos”, observou. Mais para frente, quando a situação econômica do país melhorar, elas estarão atrasadas em relação aos concorrentes.

 

 

Correio braziliense, n. 19542, 26/11/2016. Economia, p. 10.