ENTREVISTA - Guilherme Afif Domingos

Paulo Silva Pinto e Leonardo Cavalcanti

27/11/2016

 

 

Presidente do Sebrae afirma que, caso não seja convocada uma assembleia exclusiva para a reforma política, a pressão social pode ser capaz de derrubar o governo. Para ele, é necessário que Temer chegue a 2018 para que se faça o acerto das urnas

 

 

Guilherme Afif Domingos, 73 anos, construiu sua imagem pública como o antipolítico. E não há ninguém mais político do que ele. Sua trajetória de alianças inclui, nessa ordem, Maluf, Quercia, Itamar, Pitta, Lula, Kassab, Alckmin e Dilma.

Com um espectro tão amplo de relações, assevera que a Lava-Jato vai atingir toda a classe política. Ninguém conseguirá escapar da lista de doações fraudulentas das empreiteiras, avisa. Menos ele, ressalva. Explica que não precisou de dinheiro graúdo para campanha porque seu foco é temático: defende há quatro décadas os pequenos negócios. Até 2018 presidirá o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Está lá desde 2015, depois de ser ministro de Dilma.

 

Fundador do PSD, participou do primeiro escalão da petista ao mesmo tempo em que era vice-governador de São Paulo, fato que criou inédita confusão jurídica.

Candidatou-se apenas uma vez à Câmara, na Assembleia Constituinte, eleita em 1986. Foi o sexto candidato mais votado à Presidência na eleição de 1989, a primeira após o regime militar. Perguntado se arriscaria de novo, devolve um enigma: “Não sei. Não posso responder isso sobre ninguém. Hoje, não se sabe quem terá condições de se candidatar em 2018”.

 

 

Existia uma expectativa de que, com a mudança de governo, a economia reagisse.  senhor acreditava nisso?

Não. O desemprego no Brasil  é estrutural, exatamente por conta de uma legislação trabalhista que não retrata mais as relações econômicas entre capital e trabalho. O mundo mudou. A revolução digital traz outras formas de convivência. Aí não se fala mais só do emprego formal, se fala da ocupação em termos do trabalho. Veja a lei da terceirização, uma coisa absolutamente óbvia, amarrada, que não acontece. A terceirização é a forma de formar cadeias produtivas com outro tipo de relação, sem ser uma legislação da primeira metade do século passado.

 

Por que não se muda então?

Porque você não tem uma atitude firme em termos de querer saber desse caminho. Ficamos amarrados ao corporativismo. O Brasil, hoje, sofre o mal do corporativismo público e privado. Aliás, o privado é tão forte quanto o público. Pagamos o preço. Há uma crise no mundo porque está tendo uma mudança nesse sentido. O próprio Fernand Braudel, em quem me inspirei, veio para o Brasil dizendo: “Vocês vão ver o que vai acontecer com o pêndulo político no mundo”. Ele vai girar da esquerda para a direita loucamente, exatamente porque a crise está nas cúpulas do sistema. Está nas corporações que dominaram o sistema em contraponto com uma sociedade que pede passagem, pede uma visão nova, oportunidades novas.

 

Quem defendia a queda da Dilma  acreditava que essa mudança pudesse ser de imediato, não?

Criou-se um clima para tal. Eu não quero dizer que não houve erros dentro do governo, mas aí você parte para um objetivo que “lavou, tá novo”, sem mexer nos problemas estruturais do país. O próprio pecado do PT foi ter consagrado o triângulo de ferro (o topo da pirâmide, onde convivem burocratas e empresários que vivem de dinheiro público) quando ele vinha representando a massa da sociedade. Mas ele foi consumido também pelo corporativismo e se aliou ao que há de pior no corporativismo privado que é o sistema empresarial brasileiro, de elite, que usa capital de fundos públicos, e não próprio. Ele criou essa relação promíscua que já existia e foi aperfeiçoada, que a Lava-Jato está revelando. E essa revelação não tem volta.

 

E vai acabar onde?

A Lava-Jato vai mostrar o efeito, e não adianta ser punido só o efeito, você tem que mudar a causa. A Lava-Jato vai revelar que toda a classe política está envolvida, porque antes era só o PT. Agora, no avanço, já começa a aparecer, e isso cria uma comoção dentro do Congresso, porque todos sabem. O problema que está acontecendo hoje é no sistema sobre o qual se assentou a estrutura política do Brasil, e que perdeu a legitimidade em termos de representatividade. Esse processo atinge a classe política como um todo. E a classe política agora tem dificuldade de poder fazer a lição de casa que precisa ser feita.

 

Qual é a lição de casa?

Vamos lembrar uma coisa que estamos devendo ao país. Eu sou constituinte e um dos autores do artigo que determinou que depois de cinco anos faríamos uma revisão da Constituição. Ela foi dentro de um clima, de um momento. Estávamos às vésperas de uma eleição presidencial que poderia mudar o rumo da história. Lembro que o muro de Berlim caiu durante a eleição presidencial. E se justificaria então, depois de um presidente eleito, um novo pacto com a Nação,  fazer uma revisão da Constituição em cima de pontos que seriam fundamentais para lançar o Brasil à base de um novo conceito de desenvolvimento. Hoje, temos que fazer essa assembleia constituinte revisional, exclusiva para fazer a reforma das reformas, que é a do sistema político e eleitoral.

 

Pode-se falar dos riscos do atual governo não chegar a 2018?

Depende da pressão da rua. Não se esqueça que a rua foi espontânea em 2013. Não se esqueça que a Dilma tinha 55% de aprovação quando o povo foi para a rua. Os governadores idem, todos com altos índices de aceitação.

 

Hoje não há isso?

Logo depois do movimento espontâneo que aconteceu em 2013, em que as manifestações diziam “vocês não me representam”, há uma queda vertiginosa de todos os índices de aceitação de governos, não importa se fosse do PT ou do PSDB. O que aconteceu foi que esse movimento de rua foi o mais autêntico, não teve manipulação política nenhuma. Os outros acabaram tendo um tipo de orientação até contaminada pelas campanhas eleitorais que desembocaram na unificação das ações em termos de impeachment. O impeachment significaria a consagração dos movimentos de rua. Aconteceu o impeachment, estamos aqui patinando, caindo na real. Você vai ter um desemprego que, por ser estrutural, permanece. Não há mudança de curto prazo. Tem os governadores, os prefeitos, você vê a pressão que está havendo. Vai ter pressão por tudo quanto é lado. E, se não colocar uma válvula nessa pressão, ela pode derrubar o governo. E aí nós vamos para o nada.

 

Mas qual seria a válvula?

A convocação de uma assembleia constituinte exclusiva para fazer a reforma política.

 

A ser eleita em 2018 ou agora?

Agora. Em 2018 você já faria um Congresso a partir de uma nova base daquilo que foi resolvido. E isso daria fôlego para o governo cuidar das finanças, dos problemas, dos orçamentos, das prefeituras, porque você deu vazão à sociedade para sua manifestação de insatisfação, senão ela vem e derruba. A assembleia seria exclusiva para mexer no problema da representatividade. É para atacar as causas que levaram à Lava-Jato, diminuindo custos de campanha, tornando mais transparente o processo de financiamento de campanha, discutindo o voto distrital, o sistema de representação, a remuneração de vereadores.

 

Como essa assembleia seria convocada?

Essa assembleia constituinte só pode ser convocada pelo Congresso. Como o Congresso vai fazer essa convocação? Eu acho que é por plebiscito.

 

O senhor acha que o governo Temer está disposto a apoiar isso?

Espero que esteja. Até porque não me interessa que ele caia, não é bom para o país que ele caia fora ou que tenha uma pressão para derrubá-lo. O país tem que chegar a 2018 para fazer o acerto nas urnas.

 

A reforma da Previdência será aprovada?

Eu acho que a reforma só virá com uma representação muito mais legítima.

 

A partir de 2018?

Sim.

 

A assembleia poderá ter resultado decepcionante. Há risco de a montanha poder parir um rato?

Não vai parir um rato. O rato será parido agora, com o que está sendo discutido pelo atual Congresso, porque só vão fazer puxadinhos. É aquela coisa: “Não mexe nisso, eu tenho um monte de interesse que não quero que mexa”.

 

O que o governo Temer consegue aprovar atualmente?

Só a PEC do teto dos gastos. Ela tem consenso, até porque joga de 20 anos para frente. Agora, na hora que você mexe em aposentadoria, tem as corporações públicas. Você viu uma amostra no Rio de Janeiro. E pega uma sentença do Moro, manda prender o Sérgio Cabral, dizendo que estão mexendo na aposentadoria dos velhinhos, e não vamos deixar quem roubou solto. Que moral você tem para mexer? Você tem uma série de conflitos muito graves, e temos que resolver o problema de legitimidade, de representação.

 

Reforma trabalhista?

A mesma coisa. Aliás, louvo o esforço de se fazer porque a direção é essa. O problema são as condições políticas para que isso possa acontecer.

 

Não existe legitimidade em relação aos atuais representantes do Executivo e do Legislativo?

Se isso não ficar claro agora, ficará no avanço da Lava-Jato. E a Lava-Jato está apontando, como já falei, para um efeito e uma causa. O sistema político brasileiro se assentou, por isso envolve todos com raras e honrosas exceções que comprovam a regra.

 

Fazer uma assembleia com dezenas de partidos, com a representação capenga, é viável?

Você vai eleger uma assembleia constituinte exclusiva, cujos membros não podem ser candidatos na eleição subsequente.

 

Poderiam ser deputados atuais?

Não. Seria uma assembleia constituinte exclusiva só para isso. É o remédio na medida em que começa a ser revelado tudo que se espera e que hoje gera um grande temor inclusive na economia, que é o resultado das delações na Lava-Jato. Por antecipação, nós já sabemos o que vai acontecer. Todo mundo está nessa e o que tem que fazer? Resolver a causa, mudar o sistema político, de representação.

 

Por que todo mundo está nesta?

O senhor insiste nisso. Porque essa foi a forma que se financiou campanha. Quem financiava campanha? Pequenas empresas ou aquela turma do triângulo de ferro ?

 

O senhor foi secretário da agricultura de Maluf, depois se elegeu constituinte e foi vice-governador de São Paulo. O senhor diz que o financiamento é viciado. Mas o senhor não o usou para se eleger?

Não. Primeiro, eu tinha um partido que chamava PL, lá em São Paulo, eu que fundei o partido. Segundo, eu era um candidato temático. Eu vim com a terceira maior votação do Brasil, na Assembleia Nacional Constituinte. Primeiro o Dr. Ulysses, depois o Lula, que defendia os trabalhadores, e eu, defendendo a micro e a pequena empresa. Eu já era o porta-voz, fizemos o estatuto da microempresa em 1984 e viemos com duas bandeiras. A defesa da micro e pequena empresa e a defesa do contribuinte. Tanto é que eu coloquei o artigo 179 na Constituição, que é de minha autoria e coloquei o artigo que obriga a revelação dos impostos nos bens e serviços consumidos que só foi regulamentado agora. Como temático, eu tive voto em todas as urnas do estado de São Paulo.

 

O senhor nunca precisou bater na porta das empreiteiras?

Não, nunca tive relações.

 

Como foi a convivência com Lula e, depois, com Dilma?

Com o Lula, eu sempre brincava, na Constituinte, dizendo que ele nunca ia poder me atacar e ele falava: “Por quê?” E eu dizia: “Você não pode atacar quem defende o sonho do seu liderado. O sonho do seu liderado é um dia ser patrão, um pequeno empresário”. Ele ria, mas pensava assim também. Ele sentiu na pele, lá no ABC, em 1982, quando tivemos a primeira grande crise após o milagre econômico, com aquele desemprego maciço no ABC, muitos de seus companheiros pegaram o fundo de garantia e foram trabalhar por conta própria. E depois falaram: “nunca mais quero voltar a ser operário”. Isso foi um ambiente de convivência dele nesse período. E conversávamos na própria Constituinte sobre isso. Tanto que sempre tivemos ,em matéria de micro e pequena empresa, quase unanimidade no Congresso. Quase não, todas as medidas dos últimos tempos foram ganhas por unanimidade. Havia um consenso nesse sentido. Eu trabalhei com todos os governos, desde o Figueiredo. Houve o Estatuto da microempresa, com o Beltrão, que nós ajudamos a fazer. Depois dentro do governo Sarney, e o próprio, depois que saiu da Presidência da República, foi o subscritor da proposta do Simples, dentro do Congresso, que eu levei para ele, como presidente do Sebrae na época, em 1989. Trabalhei com o Fernando Henrique, com o Lula e, mais perto, com a Dilma, que me convidou para assumir o ministério por tema. Todo mundo fala que é acordo com o PSD e não foi. Eu fui convidado pela biografia.

 

Ainda tem contato com Dilma?

Sempre.

 

Quando o senhor percebeu que ela iria cair?

O problema é você manter base no Congresso, e aí eu achei até que o PT tinha jogado a toalha também.

 

O Cunha foi importante na queda?

Com o Eduardo Cunha, ela foi até de uma posição muito firme. Talvez se ela tivesse negociado com o Eduardo Cunha não tivesse caído.

 

Mas teria sido melhor ou pior?

Aí que está. Talvez não se revelasse tudo que nós estamos tomando conhecimento agora. A história segue o curso, não tem jeito. Você sabe que, se tiver base no Congresso, não cai.

 

Como está a relação do senhor com o Temer?

Sempre boa. Estivemos juntos, fizemos a sanção que foi uma festa muito grande. Eu continuo conversando com ele, com o Padilha, que é muito ligado a essa bandeira da desburocratização, e eu tenho dito a eles com todas as letras, a resposta macroeconômica é lenta. O que nós temos que fazer são intervenções microeconômicas, com respostas rápidas.

 

Depois que o senhor saiu do governo, todas as medidas de desenterrar as coisas para pequenas empresas emperraram.

Aquilo que foi dependente de Congresso avançou. O que foi dependente da Receita Federal e da burocracia emperrou muito.

 

No atual governo?

Já vinha em uma sequência dos governadores fazendo muita pressão contra o Simples, comandados pela Receita Federal.

 

Aumentou o poder de resistência da Receita Federal nessa questão?

Sim, por falta de caixa. Eles não querem apostar que, quando todos pagam menos, o governo arrecada mais, não querem abrir mão do que está lá. Nós conseguimos ainda boas coisas, mas não era aquilo que a gente esperava.

 

A recessão emperrou isso?

Toda a conjunção dos fatos.

 

Quais são os desafios no Sebrae?

Meu mandato é até o final de 2018. Primeiro, o crédito não chega na micro e pequena empresa. É um problema estrutural do sistema financeiro que é o mais concentrado do mundo. Ele segue a lógica do triângulo de ferro, o sistema financeiro está ali no vértice, então ele é, até certo ponto, protegido e incentiva a formação do oligopólio existente hoje.

 

Os bancos estrangeiros tentaram entrar aqui.

É melhor eu controlar cinco do que cinco mil. A política da estadocracia foi concentrar o poder de caixa na mão de poucos. Um dos maiores fatores concentradores de renda do Brasil é a estrutura do sistema financeiro. Não há democracia no crédito.

 

A solução para isso seria o sistema que o senhor propõe para o Banco Central?

A empresa é simples no crédito. Isso é um resgate de algo muito simples. É o cidadão poder emprestar o dinheiro dele na própria comunidade. O dinheiro é dele. O que não pode é captar recursos, claro. Ele não é agente de captação de poupança, portanto, quem fizer isso atenta contra o crime de economia popular. Você não pode pegar dinheiro de terceiros para emprestar.

 

Mas eu posso emprestar hoje, pelo menos para pessoa física, declarando no Imposto de Renda.

 

Não pode fazer isso costumeiramente, é proibido. Em uma eventualidade, pode. Aí você vai falar, mas você está querendo regulamentar agiotagem?

Não, eu quero concorrer com ela. Agiotagem está no cheque especial hoje, no cartão de crédito, que é oficializada. Você aplica seu dinheiro a 0,8% ao mês e, na sua praça, o banco está aplicando a 4%. Você tem uma brutal intermediação financeira. A primeira medida é a desintermediação financeira para o crédito chegar ao pequeno.

 

Uma coisa que os bancos argumentam é que entre as coisas que atrapalham e encarecem o crédito está o fato de que há muito crédito direcionado. Parte  tem que dar para a agricultura, outra parte para casa própria. O que lhe parece?

É por aí que a estadocracia comanda o processo. Eu tenho o poder na mão e todo mundo tem que vir beber na minha mão. Eu não tenho um sistema em que o crédito possa fluir de acordo com as oportunidades.

 

O senhor também é contra essas vinculações que existem?

Eu sou a favor de um sistema muito mais livre, de mercado. Do jeito que é, o dinheiro acaba ficando caro. E aí você tem que meter subsídio para alguns.

 

Tributaristas acham que, em vez de criar exceções, seria melhor simplificar para todos. O que o senhor pensa?

Estou de acordo, faz tudo Simples, exceção para ninguém. Só que hoje eles argumentam que o Simples tem uma renúncia fiscal de R$ 70 bilhões. É a maior mentira que vi na minha vida. Pegam o conjunto da empresa do Simples e calculam com o pagamento do imposto normal. Isso é um sofisma.

 

Se fizessem o Simples para todos, a carga tributária cairia?

Quem disse? Teria mais eficácia na cobrança e uma economia crescente. O que os municípios e estados hoje reclamam: a brutal concentração dos recursos na mão da União e o desperdício que isso gera. Eu já dizia na época da Constituinte: tudo que os municípios puderem fazer melhor, façam. Assim vale para os estados. E tudo que os cidadãos puderem fazer melhor, que seja com eles, e que o Estado não atrapalhe.

 

Os municípios não são autossuficientes na arrecadação. E fazem obras inúteis. Não é assim?

O problema começou com a multiplicação do número de municípios para criar classes políticas. É necessário mexer no ponto da remuneração parlamentar nos municípios com menos de 50 mil habitantes. Aí vai cair pela metade o desejo de ter autonomia.

 

Sem remuneração?

Claro, sempre foi! Quem inventou a remuneração foram os militares, para poder garantir uma representatividade política às avessas de onde estava o povo. Até hoje você tem o Norte o Nordeste e o Centro-Oeste com maior representatividade do que o Sul e o Sudeste.

 

É possível reverter isso?

Só com uma assembleia constituinte exclusiva. Com o Congresso, jamais, pois todos dependem disso.

 

Por que o senhor propõe a criação de empresas de crédito?

O sistema bancário brasileiro ficou grande demais para atender os micro e pequenos empresários. Os bancos têm imensas redes e muitos serviços, mas não consegue emprestar aos pequenos. Quem consegue o crédito é o computador que não vê o caráter a competência e a honestidade, só lê patrimônios e pede garantia. Só dá prata a quem tem ouro. Depois de formar praticamente o oligopólio, induzido pelo próprio Banco Central, que prefere, por ser mais cômodo, fiscalizar oito e não 8 mil estabelecimentos. O sistema bancário brasileiro capta de todos para emprestar só para alguns. Os bancos estão muito mais preparados hoje para financiar o consumo do que a produção dos micro e pequenos empresários. Com a concentração existente, há pouca concorrência, o que explica em parte a persistência de altas taxas de juros. A ideia da empresa simples de crédito resgata o princípio do crédito no município, administrado pelo cidadão com recursos próprios. Quer dizer, não pode ter filial, não pode ter nada, é  só montar a casinha bancária lá no município e pode emprestar o seu dinheiro no clássico sistema: olho no olho e o fio do bigode. Ele conhece o cara. Eu vou emprestar, agora o risco é dele. Se o cidadão poupou capital ao longo da vida, ele tem duas opções: aplicar no sistema bancário e ter uma pequena remuneração, ou ser livre para aplicar na sua própria comunidade, assumindo risco e assumindo a postura profissional segundo as regras o mercado. O vaivém do dinheiro acaba criando forte intermediação financeira. Com a empresa simples de crédito, a palavra de ordem é aplicar sem intermediários. Democracia e política só se sustentam com democracia e economia, que não existe hoje, devido à concentração.

 

Como foi a criação do Simples?

Em 1995, no governo FHC. Foi nessa época que eu criei o fundo de aval do Sebrae, que hoje tem capital de R$ 700 milhões. E continuei no meu trabalho. Em 2003, fui chamado para assumir, de novo, a Presidência da Associação Comercial de São Paulo. Naquela época, nós lideramos o movimento da campanha de defesa do contribuinte. O Lula tinha acabado de assumir a Presidência da República e prestigiou minha posse. Logo em seguida, eu marquei uma audiência com ele e trouxe a ideia do microempreendedor individual. Ele se entusiasmou, mandou o Palocci e o Marcos Lisboa estudarem (o ministro da Fazenda e o secretário de Política Econômica de então). O assunto ficou enrolando em 2003, 2004, 2005. Acabou sendo aprovado em 2008, na lei geral. O Lula atendeu porque lembrou da turma do ABC, daquelas conversas. Ele falava que era a oportunidade. Não deu outra. Hoje, são 6,8 bilhões, o maior programa de inclusão econômica foi esse. No governo Dilma, houve o aperfeiçoamento da legislação da micro e pequenas empresas. Fizemos 82 modificações que foram completadas agora.

 

Um dos itens era fechar empresa muito rapidamente. Mas não tão rápido assim, não é?

Praticamente é. Hoje funciona, no DF, o programa piloto. Estamos esperando o governo Temer entender que é bom levar para o Brasil inteiro. Você fecha na hora porque extinguimos, na lei, a obrigatoriedade de apresentar a CND (Certidão Negativa de Débitos), mesmo que você tenha débitos, você pode fechar a empresa. Isso já estava no Código Tributário.

 

Só tem aqui?

Tem em alguns lugares no Brasil. Mas o que funciona como modelo é aqui no DF. Logo no começo da gestão do governador, eu falei: queremos fazer de Brasília a vitrine para o Brasil. O Rollemberg topou, colocou o Arthur Bernardes que fez um belo trabalho dentro do governo. Queremos fazer de Brasília a vitrine do Brasil.

 

Teremos muitos candidatos à Presidência em 2018?

Eu acho que vai acontecer um fenômeno igual ao de 1989, que eu participei.

 

Pode-se eleger qualquer um

Aí que está. Eu quero relembrar a campanha de 1989. Você sabe qual foi o percentual com que o Lula foi para o segundo turno? 14%. Isso acontece porque, com muitos candidatos, há pulverização.

 

O senhor vai ser candidato?

Não sei. Não posso responder isso sobre ninguém. Hoje, não se sabe quem terá condições de se candidatar em 2018.

 

Brasília para além da Esplanada

Eu tenho uma relação com Brasília um pouco diferente da maioria dos políticos. A minha é de fora da Esplanada dos Ministérios. Eu convivi mais com o ambiente associativo-empresarial. Todas as nossas conquistas sempre se deveram a uma mobilização do empresariado de Brasília. Vi nascer, na associação comercial do Distrito Federal, o movimento da emancipação política. A associação era uma espécie de assembleia legislativa daqui. Eu não convivo com os meus antigos companheiros porque não tenho passado os fins de semana em Brasília. A gente tem raízes onde tem netos, e eles estão em São Paulo. O que posso dizer é que, entre a cidade que conheci, na qual eu vivi a Constituinte, e a de hoje, há uma bruta diferença. Agora existem brasilienses. É um pessoal preparado, uma elite intelectual. Isso só não se reflete no raio da política. Acho que é porque falta consciência na elite intelectual sobre o seu papel de influência nesta cidade que é uma das melhores cidades do país para viver.

 

 

Correio braziliense, n. 19543, 27/11/2016. Política, p. 4.