Em meio à crise, gastros da Câmara crescem 20%

Helena Mader

27/11/2016

 

 

LEGISLATIVO » Orçamento do Legislativo local deve saltar de R$ 400 milhões para R$ 480 milhões no próximo ano. Especialistas criticam manutenção de mordomias e defendem corte radical de despesas na Casa

 

 

Enquanto os brasilienses cortam gastos para enfrentar a crise, e o governo não tem caixa para investir ou pagar reajustes, a Câmara Legislativa parece funcionar em um universo paralelo. O projeto de lei orçamentária da Casa para 2017 prevê um crescimento de gastos de R$ 400,8 milhões para R$ 481,5 milhões — um salto de 20,1%. A maioria desse montante será usada para quitar salários de servidores, mas boa parte da bolada pagará mordomias dos deputados distritais, como aluguel de carro de luxo, milhares de litros de combustível, além, claro, de muita propaganda das ações de mandato.

Somadas as emendas apresentadas pelos parlamentares, o orçamento da Câmara Legislativa para o próximo ano pode chegar a R$ 525,5 milhões. Esse valor é quatro vezes maior do que o total de recursos orçamentários reservados para a Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab), que tem R$ 131 milhões para gastar em 2017. Ou ainda quase 10 vezes superior ao orçamento da Secretaria de Meio Ambiente.

Quase 80% do orçamento da Câmara é usado para pagar a folha de pessoal. O Legislativo local tem 661 servidores efetivos, 208 inativos e 41 pensionistas. Além disso, são, no total, 1.150 cargos em comissão, ocupados por apadrinhados políticos, espalhados pelos gabinetes parlamentares, lideranças de partido e do governo e na estrutura administrativa da Casa.

O restante dos recursos é usado para custeio e manutenção e, principalmente, para pagar contratos terceirizados, como os de segurança e limpeza. Entre as principais fontes de gastos da Câmara está a despesa com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos: a Câmara torrou R$ 3,6 milhões este ano com a postagem de cartas. O pagamento de contas de telefone consumiu quase R$ 680 mil de janeiro a novembro — sem contar as despesas pagas com a cota dos deputados.

A verba indenizatória é hoje a regalia mais cara dos deputados. Desde o início do ano, os distritais gastaram R$ 2,9 milhões, entre dinheiro da cota parlamentar e diárias de viagens. Esse valor é idêntico à média de gastos de janeiro a novembro do ano passado. Ou seja: apesar dos sacrifícios do Executivo local e dos cortes de gastos impostos pelo governo federal, a Câmara Legislativa segue alheia à realidade de arrocho.

Do total de despesas da verba indenizatória e de diárias de viagens, Wasny de Roure (PT) aparece em primeiro lugar, com reembolsos de R$ 238,9 mil. Em seguida, estão Chico Vigilante (PT), que usou R$ 226 mil, e Rodrigo Delmasso (PTN), com despesas de R$ 225,6 mil. Completam a lista dos cinco mais gastadores Robério Negreiros (PSDB), com R$ 198,8 mil, e Cristiano Araújo (PSD), que teve débitos totais de R$ 189,1 mil.

Além do tradicionalmente alto investimento em combustível, 14 dos 24 deputados distritais alugaram carros em setembro, por exemplo. Bispo Renato (PR) gastou R$ 10 mil com uma van sem motorista. Juarezão (PSB) pagou R$ 6,4 mil para alugar uma caminhonete cabine dupla. Rafael Prudente (PMDB), Cristiano Araújo e Robério alugaram o mesmo modelo: um Fusion. Eles pagaram valores entre R$ 4,3 mil e R$ 4,8 mil pelo aluguel mensal do veículo. Robério, além desse carro executivo, alugou um Honda Civic, por R$ 3,3 mil, no mesmo mês. Telma Rufino (sem partido) pagou R$ 4,5 mil para rodar com um Renault Duster por um mês — sem condutor ou gasolina incluídos.

 

Cortes

Na última quarta-feira, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), pressionada pela sociedade carioca, aprovou o corte de uma série de mordomias, como carros oficiais, cota de gasolina para diretores e deputados, coquetéis em sessões solenes, além de cota mensal de selos. Como aquele estado enfrenta problemas como atraso e parcelamento de salários de servidores, a Alerj foi forçada a abolir os privilégios.

Em Brasília, o presidente interino da Câmara Legislativa, Juarezão, reconhece que há muita margem para cortes de gastos. “Pedi à Secretaria-Geral para fazer um levantamento sobre o que ainda pode ser feito para economizar recursos. A sobra orçamentária deste ano será devolvida ao GDF”, afirma o parlamentar. O presidente da Comissão de Orçamento e Finanças da Câmara Legislativa, Agaciel Maia (PR), explica que o maior percentual das despesas é com pessoal e, portanto, não pode ser reduzido. “Mas o que é desnecessário tem de ser evitado. A Casa precisa funcionar com austeridade, com a eliminação de todos os gastos dispensáveis”, explica. “Dado o quadro de dificuldades, a gente tem que focar na atividade-fim da Câmara”, acrescenta.

 

 

 

Correio braziliense, n. 19543, 27/11/2016. Cidade, p. 21.